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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Em demanda dos trilhos perdidos – 8ª estação: Itajubá e os riscos de que a pós-verdade nos leve a verdade nenhuma

Olá!


Desde 2014 tenho feito relatos de viagens onde conto o que tive de inspiração filosófica em cada lugar por onde passei. Este é exatamente o espírito que permeia este espaço: concatenar dia-a-dia e filosofia, conforme grito de guerra que consta no banner de entrada. No entanto, pela primeira vez fiquei hospedado em uma cidade que eu não pretendia visitar. A razão foi estratégica. Itajubá fica no centro geográfico da área que tencionava alcançar, uma espécie de núcleo de uma rosa dos ventos, a partir do qual me despachei ao norte (Maria da Fé e Cristina), ao leste (Delfim Moreira e Marmelópolis), ao sul (Wenceslau Braz) e a oeste (Piranguinho e Brazópolis), grosso modo. Se não chovesse tanto, teria ido também a outros lugares, como Pedralva e Conceição dos Ouros, mas vai ficar para uma próxima, faz parte. Então achei por bem incluir Itajubá no próprio epílogo da série, sem um texto próprio que lhe contemplasse. No final das contas, repensei e resolvi não proceder assim, por dois motivos fundamentais: pela própria instabilidade climática, não usei Itajubá só como dormitório, e fui conhecer bastante coisa; e, por fim e por isso, soltei por lá minha coruja de Minerva. Então taí, vamos falar sobre Itajubá, a cidade cujo nome significa algo como “cascata” em tupi.


Como eu bem já disse, os primeiros dias desta aventura foram intensamente chuvosos, com poucos momentos de estio. Poderemos observar como o tempo mantinha o seu cenho carregado mesmo durante essas oportunidades. Em uma delas, fui conhecer o Santuário de Nossa Senhora da Agonia, curiosa igreja modernista, que tem um ligeiro aspecto de cápsula espacial.


Do alto do morro de onde o santuário pontua, que já fica quase escapando da zona urbana, é possível observar uma boa parte da região norte, e se ter a exata noção do quanto é maior que as outras cidades do pedaço. A neblina do momento dava uma bela recobrida nos outros montes ao redor.


Trata-se de uma igreja nova, da década de 1990. Adotou esse nome por exigência do doador do imenso terreno, um português que, inclusive, mandou esculpir a imagem que guarnece seu interior, com seu respectivo oratório.


O preponderante azul remete à tradição que atribui essa cor ao manto de sua padroeira. Há uma passagem no Apocalipse, livro bíblico que prevê o fim dos tempos, que menciona um grande sinal no céu – uma mulher revestida pelo sol e com a lua aos seus pés e doze estrelas ao seu redor, algo assim. Esse azul remete exatamente à cor do céu onde essa mulher está investida, e que seria Maria, a mãe de Jesus.


Apesar da aura contemporânea, todo o mobiliário possui um contrastante estilo rebuscado, cheio de chanfros, volutas e baixos-relevos, como é costumeiro acontecer na movelaria e na decoração das igrejas barrocas. Não consegui me informar se estes artigos foram transferidos de outro templo ou se foram preparados especialmente para cá. Talvez seja mesmo intencional.


O que há de mais impressionante neste santuário é o seu teto translúcido, de onde pende um enorme crucifixo, que, desta forma, se desloca de sua habitual posição próxima ao altar e vai para o centro da nave. O domo central, visto de dentro, tem o notável aspecto de um olho azul (se é mais um elemento para lembrar a tradição mencionada ou se é um eurocentrismo, não sei dizer).


No aspecto espiritual, a cidade não fica limitada aos traços inovadores do santuário. De construção bem mais antiga, a igreja matriz é dedicada a Nossa Senhora da Soledade. Foi reconstruída diversas vezes, a cada uma delas dando alguma alterada no seu aspecto. É bem mais central e construída toda em arcos para sustentar seus domos.


Itajubá, assim como tantas outras cidades que faziam parte da rota ou estavam próximas à Estrada Real, era terra de tropeiros, o que faz pressupor a existência de um mercado. Ele existe e fica bem próximo ao rio que atravessa o município, o Sapucaí. Apesar do aspecto meio largado, tem bastante coisa dentro e em suas redondezas.


Como sói acontecer, estes mercados municipais distribuem a granel produtos que são adquiridos por atacado diretamente dos produtores, o que lhes costuma enriquecer a variedade. Comprados a retalho, principalmente grãos, geralmente não são caros, o que atrai muita gente para sua aquisição.


Porém, como também acontece com seu xará paulistano, há um processo de gourmetização que encarece um bom tanto os produtos, apesar do aspecto mais refinado e menos de feira livre, o caos que dá charme. No entanto, há que se considerar o bom nível da mercadoria oferecida, como no caso dos queijos e cachaças.


Nem só de feijão e pinga o homem viverá, mas de toda junk food que provém das fritadeiras de Deus. Encontrei muita coisa boa de se comer na noite itajubense, algumas com um toque mineiro, outras absolutamente cosmopolitas, como este imponente hambúrguer de costela guarnecido de batatas rústicas...


... ou este inesperado coxinhaburguer, uma novidade da qual já havia ouvido falar, mas nunca tinha testemunhado. Haja chá de boldo. Não há monetização, minhas recomendações ficam por conta da excelência das guloseimas.


A noite em Itajubá, aliás, foi o instante em que pudemos apreciar um pouco das construções mais antigas do centro. Durante o dia, a cidade é tão agitada quanto se pode esperar de um local com quase cem mil habitantes, e o torvelinho maluco de gentes e carros não nos permite olhar os prédios com a merecida acurácia. Temos, por exemplo, a casa de Wenceslau Braz.


O emérito e já extenuantemente mencionado presidente mais uma vez é homenageado, não só pela manutenção do casarão, mas outrossim pelo busto erguido na praça que toma emprestado o seu nome.


A praça não é praça na acepção da palavra, mas, de fato, um alargamento do calçamento à frente da outrora residência do distinto ex-presidente. Por esta razão, ainda podemos tomar a fresca em um chafariz que foi construído no mesmo polígono.


O polo gastronômico desta terra fica na Praça Theodomiro Carneiro Santiago, um lugarzinho muito agradável, que tem chafariz com fachos de luzes coloridas e uma espécie de parlatório. No mesmo trecho, está a sede do clube Itajubense, onde vi algumas crianças que acorriam pressurosas para a aula de alguma arte marcial, já paramentadas por seus quimonos. O referenciado da vez foi um filho ilustre local, político e advogado.


Também aqui, maior cidade das cercanias, o trem passava. A antiga estação de trem tem um duplo uso atualmente: ladeia a rodoviária e acomoda uma biblioteca, além de servir informalmente como chaveirinho de Cracolândia, porque este tipo de modernidade também chegou a estas paragens. Para quem é vizinho da rival paulistana, nada que cause susto.


O que eu achei de mais curioso é o antigo postinho de gasolina da Sociedade de Motoristas de Itajubá. Muito diferente dos atuais estabelecimentos grandiloquentes, era uma pequena cabine com uma única bomba, pelo que deduzi, e ficava no próprio leito carroçável da via. Outras épocas, outros usos. O minúsculo imóvel é tombado pelo patrimônio histórico municipal e eu adoraria vê-lo em pleno funcionamento.


O que não pode deixar de ser dito sobre Itajubá é a quantidade de universidades lá instaladas, o que faz dela um dos mais importantes centros universitários do Brasil, uma autêntica terra de estudantes. Aqui existem instituições como a FEPI, a Universitas, a Escola de Enfermagem Wenceslau Braz (ele de novo), a Faculdade de Medicina de Itajubá, a FACESM e, especialmente, a UNIFEI – Universidade Federal de Itajubá, que reúne alunos oriundos de todas as partes do país. A grande musa desta última é a Engenharia.


Há um prédio tombado pelo patrimônio histórico no centro da cidade, perto da matriz, todo com iluminação saindo do chão, e um campus enorme perto da igreja da Agonia, sem contar uma usina hidrelétrica que lhe serve para pesquisa e aula. São cerca de 80 laboratórios disponibilizados para seus mais de 6000 alunos.


Passando ao lado dessa entrada da foto acima, tive um insight triste e devo ter feito cara de Gabriel Jesus. Reduzi a velocidade para ver melhor e a patroa me olhou desconfiada. Acabei falando: “Que pena que este tipo de instituição esteja tão desprezado nos dias de hoje”, algo assim. Ela me redarguiu, recordando velhacamente de minhas próprias observações: “Mas não foi você mesmo que disse que hoje todo mundo só quer dar emprego mediante apresentação de diplomas, mesmo para cargos com pouca exigência?”. Sim, eu disse isso, mais de uma vez. Mas o “diplomismo” ao qual eu me referia, na verdade, é um sintoma da doença do desprezo. Embora já tenha tocado no assunto neste post, eu preciso voltar a ele. É muito preocupante a falta de compreensão do papel de uma universidade no Brasil. Vou insistir no tema, até morrer (eu ou minha paciência para martelar).

Olhando aquela imensidão de universidade, dou uma rápida repassada na vida e me angustio de não ter ingressado na vida acadêmica mais jovem. Afinal de contas, é uma questão de tempo. Por mais que eu me dedique a partir deste exato momento ao estudo e à produção de conhecimento, o fato é que muita água já escoou por este ralo. “Ora, foda-se”, é minha tendência em me autorresponder. Isso é só uma idealização, há um mundo concreto ao qual todos nós somos submetidos. Respiro fundo e concluo que meu interlocutor imaginário tem razão e sigo minha rota sem depressão, pensando mais na janta do que naquilo que poderia ter sido e não foi, sem tangos argentinos (Bandeira mode on).

Não entrei na faculdade uma vez só. Quando eu tinha meus 18 anos, aproveitando a conveniência do emprego exercido, pus-me a estudar para o vestibular de Ciências Contábeis. Eram outras épocas, e mesmo para ingressar em uma faculdade particular o funil era estreito. Sim, jovens de hoje, a oferta de vagas era pouca até mesmo para quem se propunha a pagar. Eu trabalhava, e o que ganhava era suficiente para bancar escola e livros, ainda que na base do aperreio. O curso tinha duas partes realmente bastante distintas: uma eminentemente técnica, que explicava a mecânica dos movimentos contábeis, o método das partidas dobradas (base do sistema criado pelo frade Luca Pacioli), as montagens das demonstrações financeiras e os controles patrimoniais. A outra era aquela mais voltada para o analítico: o que as contabilizações representavam para cada uma das áreas de atividades, a estruturação e análise dos balanços, as perícias, auditorias e controladorias, as estratégias e planejamentos extraídos do estudo das contas. Foi nesse âmbito que me defrontei pela primeira vez com um conceito que persegue todos os estudantes: as fontes. Não basta dizer que a contabilidade é isso ou aquilo, mas referenciar quem o disse. Se a declaração for de sua lavra, já aí é preciso fornecer todos os elementos que lhe fizeram chegar a tal conclusão.

A segunda vez que eu fui à faculdade também se deu na esfera do pragmatismo. Fui retomar a carreira de informata em um curso de Processamento de Dados. Como era uma cadeira de Tecnologia, o desenvolvimento era flagrantemente prático, como tem que ser mesmo. Neste caso, dificilmente você fugirá da técnica. Não vai formar opiniões, mas ensinar a utilizar ferramentas e desenvolver artefatos. A questão da origem das informações estará um pouco mais distante e terá menos relevância. Percebam a sutileza: não há produção de conhecimentos, mas uso de técnicas. ESTA é a visão predominante sobre a função de uma universidade no Brasil, como se o grande propósito desta instituição fosse formar trabalhadores. Mas sigamos.

Ainda mais uma vez ingressei no ensino superior e, desta vez, atendendo critérios outros que não a utilidade de me aprofundar na área de trabalho, mas no gosto. É quando fui cursar Filosofia. Aqui, os métodos de produção de conhecimentos se afloraram com todo o vigor. Cada passo tinha a necessidade de se dar reporte à fonte que lhe deu origem, artigo a artigo. A expressão mais bem acabada se deu no meu TCC. Quando apresentei o projeto, foi recebido com as aprovações de estilo, o que era animador, e foi-me nomeado um orientador, que ficou no aguardo da primeira entrega. Em cumprimento ao cronograma, entreguei o primeiro esboço cerca de uns quatro meses depois. A resposta parecia um autêntico varal de cortiço: observações de todos os tipos, tamanhos e cores. Se fosse só a questão das formatações da ABNT, tudo bem. É chato, mas é “só” uma formalidade facilmente sanável. O desespero se dava nas cobranças de fontes e exigências de melhores esclarecimentos. Um autêntico pandemônio que me levou à completa desolação. Na minha cabeça, eu nunca iria conseguir dar de comer ao tubarão que vivia na alma de meu malvado orientador. Explique melhor. Junte mais evidências. Dê o contexto histórico. Demonstre porque fulano e não sicrano. De onde você tirou isso? Cadê a fonte? Cadê a fonte? Cadê a fonte?

Juntei o que me restava de ânimo e entrei em contato com meu algoz. Ele me recebeu afável, dizendo que minha proposta era realmente instigante, e que a chance de ver meu trabalho publicado era batata. Mas, meu Deus, com tantas observações, tem certeza de que estamos falando o mesmo português? Ele me assegurou que meu trabalho estava muito bem estruturado, mas que existe uma diferença fundamental entre a dignidade de uma publicação e uma mera aprovação: a apreciação pelos pares. Pares... isso significa que eu era “um deles”, “igual a eles”. Eles quem? Dos entendidos, daqueles que compreendem a matéria que você trata.

Levantei os olhos e fiquei pensativo por infinitos dez segundos. Olhei novamente para o orientador e perguntei uma última vez: “É fato que meu trabalho está bem avançado? Você acha que eu consigo fechar algo decente?”. Sua resposta me deu uma bela injeção de ânimo: “Na maioria das vezes, esta primeira entrega é um mero rabisco. Você já passou um trabalho completo e delineado, que só precisa de alguns arremates. Se são muitos, é porque você já fez muito”. Com o ego insuflado até a ionosfera, mergulhei de cabeça pelos próximos vinte finais de semana, creio eu, até suprimir todos os defeitos encontrados pelo mestre. Inclui mapas e bandeiras, pesquisei em língua pátria e estrangeira, aprofundei vários detalhes que levaram a outros detalhes que pediam novos aprofundamentos, e a cada entrega o varal foi diminuindo, diminuindo, diminuindo... As últimas cuecas eram as meras formalidades que iam ficando para trás – capa, índices, abstracts, agradecimentos, um beijo pro papai, outro pra mamãe. No fim das contas, uma monografia impecável, um painel e uma banca bem superados e a oferta para a publicação. Estava suado, mas satisfeito.

É exatamente ESTA chatice toda que garante a qualidade de um trabalho de fôlego, digno de ser chamado de acadêmico. Milhares e milhares de estudantes e pesquisadores colocam seus trabalhos à prova não somente para cumprir suas obrigações formais, mas para registrar conhecimento submissível a refutações, com a obrigação de declarar seus métodos e de demonstrar, tim-tim por tim-tim, como foram realizados seus experimentos e pesquisas, para que possam ser reproduzidos a bel-prazer de quem queira avaliá-lo. Toda produção que utilize metodologia científica é trabalhosa, e visa aproximar-se o máximo possível de uma verdade objetiva, criando um mecanismo de fiscalização externo, que é composto pela revisão dos pares e pela reprodutibilidade das experiências.

Mas aí chega alguém que se diz mais sábio do que os outros e afirma que vacinas fazem mal, que as teorias heliocêntricas são fraudes, que o nazismo é de esquerda, que o aquecimento global é de araque, e tantas outras assertivas que não se baseiam na contraposição das teses acadêmicas e no combate com as mesmas armas, mas em teorias conspiratórias que trazem sempre os mesmos elementos: os cientistas mentem, os historiadores têm interesses, os acadêmicos querem ocultar a verdade. Por que será que isso acontece? Por que o ambiente de pesquisa é reduzido a um bando de malucos que olham para o céu que tentam adivinhar o que vai além dos sentidos? Essa é a desvalorização do ambiente universitário à qual eu me referia.

Nietszche nos oferece uma resposta, ainda que parcial, com a sua vontade de verdade, um impulso atribuído aos filósofos em conceder à verdade um valor absoluto. No entanto, o grande erro destes estaria em procurar esse valor de verdade em uma instância metafísica, como fazia Platão com seu Mundo das Ideias, e não na própria atividade criadora da humanidade. O propósito seria estabelecer uma verdade que hierarquizasse os princípios morais, como se estes não fossem criações humanas. Dessa forma, a verdade absoluta é uma invenção dos homens, e não uma possibilidade real.

A pós-verdade, termo em voga nestes dias, é uma versão extremada da limitação nietzschiana. A revolução representada pelo advento dos meios digitais e das redes sociais disponibilizou tal quantidade de informações que se tornou absolutamente indiscernível quais são as boas e quais não são. Antes tínhamos as donas Xepas nas janelas a especular as atitudes das filhas danadinhas de suas vizinhas; hoje, há Facebook para descobrir seus gostos, Instagram para ver seus rolês e centenas de usuários de Whatsapp para multiplicar a fofoca. O princípio geral de dona Xepa era dizer maldades para dar um pouco de tempero à sua vida sem sal e sem banha, sem alho e sem óleo. Dentre os “amigos” das vizinhas, há muito mais propósitos, muito menos sondáveis, que podem atrapalhar, magoar, detonar reputações. A verdade ficou difícil por excesso de versões. O que temos, portanto, é uma imposição de formadores de opinião, que oferecem uma verdade pronta e facilita a vida de nossos preguiçosos cérebros. Só que, se a verdade não é possível, ela tem uma... digamos... qualidade.

O fato é que, por mais que concordemos com a precariedade da verdade, há riscos em não assumir um lado. Exemplificando, se colocarmos na balança e vermos que tem o mesmo peso o que um cientista e um astrólogo leigo fala sobre aquecimento global, podemos cair em um ponto sem volta no desequilíbrio ambiental. Não dá para achar que, sendo impossível cravar quem tem razão, achemos que está tudo bem. É preciso chamar a responsabilidade para si e levantar algumas bandeiras.

Então onde depositar a confiança? Eu parto de uma premissa básica. Pode ser que, um dia, eu tente fazer pão. Não tenho nem ideia de como começar, mas pode ser que, na base do “eu acho”, acerte uma receita magistral. Qual é a chance real de que meu pão seja melhor que o de um padeiro? Pouca, né? Por isso mesmo, tenho a tendência a acreditar mais em um cientista em matéria de Ciência ou em um historiador em matéria de História do que em um palpiteiro, que pode até estar certo, e os especialistas errados, mas o próprio filtro crítico dos métodos me apontará para o caminho oposto. Não perguntarei ao açougueiro sobre planetas, mas sobre facas, assim como não perguntarei sobre maminhas ao astrônomo, mas sobre telescópios. Simples assim.

Mas essa minha conduta não é padrão, pelo que tenho observado. E a culpa, no final das contas, vem em parte da própria Filosofia. Afinal de contas, é ela, desde a inatingibilidade do noumeno kantiano, que assegura ser a verdade algo relativo. Percebam que toda abordagem fenomenológica é feita a partir de uma consciência, ou seja, por menor que seja a diferença, sempre há uma alteração pela variação de quem adquire o fenômeno.

Mas há o senso comum, e como nos diz Nietzsche, o vulgo opera com certezas enquanto o filósofo produz questões e mais questões. Percebam bem. Seja através dos mais rigorosos meios científicos, seja pelo mais prosaico papo de boteco, o fato é que as ideias e os pensamentos fluirão para o mesmo destino: a linguagem. É sempre ela que é o meio e o destino final que as apreensões que fazemos do universo vão transitar dos nossos sentidos para as nossas manifestações. A Ciência (aqui compreendida todas as suas correntes – naturais, humanas, exatas) busca compreender os seres em sua profundidade, enquanto o senso comum busca apenas aquilo que é tangível. Uma bola, por exemplo, é um objeto esférico fabricado em material flexível, oco, que adquire essa forma por uma distribuição de pressão similar em seu interior, através da compressão dos gases que forçam as paredes dotadas de uma certa elasticidade levadas a um determinado limite que lhe fornece a dureza ideal, nem tão mole que lhe esmaeça os saltos, nem tão dura que fira seus usuários, que é utilizada de modo lúdico para entreter crianças e adultos com o proveito de ser essencialmente barato, e de agregar uma boa quantidade de gente, o que lhe dá dois estatutos: objeto de culto e catalisador social, além de ser um distintivo inequívoco de cultura. Isso tudo para os diversos aspectos científicos; ou é aquilo que chutamos para fazer um gol, de acordo com o conhecimento vulgar. Qual dessas descrições será compreendida por um número maior de pessoas? A da Ciência ou a do senso comum?

É por isso que as fake news, o grande estandarte da pós-verdade, funcionam tão bem. A cada vez que uma afirmação científica é contestada, os pesquisadores voltam a dar suas explicações complexas, enquanto o senso comum opera com a apreensão imediata: olhe para o horizonte e perceba como a terra é plana. Isso vale principalmente para objetivos pragmáticos. Se eu estou insatisfeito com um político qualquer, espalhar uma notícia falsa sobre ele é eficiente, porque eu simplesmente reforço a crença de quem a lê. Verificar é muito mais difícil do que acreditar. E o senso comum acaba vencendo o senso crítico. Isso é perigoso: faz manés se passarem por gênios, faz com que amigos fraternos se tornem inimigos capitais, faz presidentes da república. Que medo...

É isto que esperamos que cidades como Itajubá ajudem a evitar, que o espírito universitário se mantenha como um propósito para os moços, que ainda creiam que podemos ir além do senso comum e que a “fé” no conhecimento cresça pela sua própria humildade em se reconhecer permanentemente incompleto. O contrário disso é o dogmatismo que temos assistido. (O que resta de) Bons ventos a todos!

Recomendação de leitura:

Como já falei aqui e ali, a obra de Nietzsche é uma verdadeira colcha de retalhos, e podemos ver em mais de um lugar suas considerações sobre a verdade. É no livro abaixo, no entanto, que nosso caro alemão aborda o tema com mais contundência. Vale ler.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005.

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