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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Dos dias em que o vento nos afasta do mar – 1º sopro: Pouso Alto e os eixos históricos da Estrada Real

Olá!

Não foram exatamente férias. Férias duram 30 dias. Foi mais uma quebra de rotina. Como eu tenho um banco de horas bem rechonchudo, pude queimar algumas delas em uma esticada entre dois finais de semana, vitaminados por um enforcamento de segunda-feira, todos eles devidamente descontados do meu patrimônio, porque não existe almoço grátis, como se diz por aí.

Como em outras vezes (Diário de bordo de uma nau sem rumo, Cartas náuticas para marinheiros de terra firme, O cesto da gávea de ondeobservo o mundo e Navegar é preciso viver) cometi um easy rider Nutella©, isto é, embarquei minha mochila no porta-malas do simbólico navio em forma de carro e saí sem destino certo, aproveitando o fato de que setembro não é mês de temporada.

Velas erguidas, e induzido por viagens anteriores, os ventos me afastaram da região litorânea e me levaram a uma região de Minas Gerais conhecida por Terras Altas da Mantiqueira, que se intersecciona com o Circuito das Águas Mineiro exatamente onde me encontro inicialmente. Este é o perímetro que decido palmilhar, começando pela cidade de Pouso Alto.



Sendo uma região próxima ao Parque do Itatiaia, onde impera o Pico das Agulhas Negras (ponto culminante do Sudeste), é natural que a cidade seja cercada de morros, colinas, outeiros e elevações outras. Em uma destas, ergueu-se a sede de um município bastante antigo para os padrões brasileiros, encabeçados por uma igreja em seu topo, hoje dedicada a Nossa Senhora da Conceição, formando uma paisagem cenográfica.



Um dos edifícios que se encontram no cenário é um antigo casarão colonial que, até onde consegui apurar, pertence ao judiciário local, e que se encontra em reforma, para o bem do patrimônio histórico.



Para além deste horizonte, e como eu já deixei subentendido, estamos em região pródiga em água mineral, e o município está em um miolo que é cercado por estâncias hidrominerais, sendo ele próprio agraciado por essa benesse natural. Além dos valores místicos atribuídos à água (há uma igreja cujo altar foi construído sobre a nascente de uma fonte), também é dado uso comercial para a mesma. A engarrafadora se encarrega de fornecer uma bica para habitantes e transeuntes coletar suas porções.



O comércio local, evidentemente, procura dar ênfase às coisas mineiras, tão bem conhecidas em todo o país. Uma delas é a cachaça, e um dos estabelecimentos à beira da estrada lançou mão de divertidos bonecos de bêbados para compor sua decoração exterior, alguns enormes, o que torna impossível não ser perceptível sua presença.



Outro produto oferecido aos borbotões é o queijo, como jamais poderia deixar de ser. Queijos curados e frescos, de vários tipos, com destaque aos típicos da terra, que levam o nome do estado, já com a novidade dos temperados. Sou um pouco fresco purista nesse quesito. Prefiro-os puros, e, caso opte pelo tempero, faço-o eu mesmo.



Uma das novidades que encontrei por estas plagas, e não só aqui, é o tal de óleo de sucupira, que é apresentado como solução para problemas de artrose, diabetes e câncer. Como dão a ele o status de milagroso, já abro gigantescos parênteses automáticos em seus benefícios, já que produtos realmente eficientes não precisam de grandes panegíricos, bastando seus efeitos para lhes dar credibilidade. E há toda a questão do apelo à emoção que já cuidei neste texto. Leiam lá.



À parte disso tudo, Pouso Alto tem belezas naturais e aspectos históricos relevantes, sendo um dos locais por onde a nobreza imperial fazia estadia em suas viagens de e para o interior mais profundo de Minas Gerais. Não era, portanto, um mero lugar de parada para tropeiros, mas uma espécie de local mais bem estruturado para os viajores da Estrada Real.



Como já passei por várias cidades atravessadas por essa via em outras viagens, e como por agora também fui a várias outras na mesma condição, sempre me referindo a esse caminho histórico de modo superficial, é importante que eu contextualize minimamente seu surgimento, o que ela é e o que ela não é. Vamos lá, é o que farei agora.

Que o Brasil era colônia de Portugal todo mundo já sabe, e, nesse sentido, é explícito que, entre ambos, existisse uma relação de exploração. No entanto, a parte mais acessível do território brasileiro tinha recursos bastante limitados. O litoral rapidamente viu escassear o pau-brasil e se oferecia à produção de açúcar, que tinha rentabilidade insuficiente aos anseios da coroa portuguesa. A situação se agrava pelos dispêndios de guerra e da logística necessária à manutenção das colônias, o que faz com que o reinado incentive a interiorização da captação de riquezas tupiniquins. São organizadas as entradas, expedições constituídas pelo poder real para prospectar minerais preciosos em regiões longínquas da costa; e também são formadas as bandeiras, que tinham organização militar e patrocínio privado, que estabeleciam uma relação de troca com o governo real, de modo a cada um ficar com parte das riquezas eventualmente encontradas. A questão dos bandeirantes é muito significativa para ser tratada de passagem, e voltarei ao assunto com maior nível de detalhes em outro momento, bastando saber agora que sua maior contribuição foi no sentido de desenhar os caminhos do interior do Brasil, e que, no final das contas, conseguiu achar ouro e diamantes no que hoje é o estado de Minas Gerais, já lhe consignando explicação pelo nome.

Acontece que muitos dos minérios obtidos acabavam por não ser auferidos pelo poder público, “muqueados” que eram pelos espertos garimpeiros, e as quantidades declaradas eram ínfimas parcelas do que realmente era extraído, naquelas de “toma esse tanto para não me encher o saco”. Obviamente, o rei português não gostava nada, nada desse tipo de relacionamento, e estabeleceu uma série de medidas para facilitar a fiscalização dos produtos a serem tributados, como a obrigatoriedade de fundição do ouro em lingotes, sendo que qualquer quantidade circulante em forma bruta era imediatamente confiscada.

Mas a medida que nos interessa aqui foi a estipulação das rotas específicas que mercadorias e riquezas deveriam seguir. Todo minério extraído das minas somente poderia seguir aos portos de Paraty e Rio de Janeiro pelas estradas e caminhos onde pudesse ser monitorado pelas entidades fiscalizadoras. Todo esse caminho era demarcado por marcos de distância que possuíam o brasão do reino, e é exatamente ele que ficou conhecido como Estrada Real, que, mais tarde, foi aumentando sua extensão, seja para abarcar novas regiões auríferas, seja para dinamizar o fluxo advindo de outros locais.



Em suas margens, surgiram várias cidades nos hoje estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, quase todas com o mesmo propósito: dar pouso às tropas que traziam mercadorias do litoral e lhes levavam minérios preciosos, criando núcleos de povoação baseados no comércio e na produção agropecuários necessários ao seu sustento. Problema solucionado para a coroa portuguesa? Nem tanto. Apesar de dar ao governo metropolitano o direito de arrestar todo produto localizado fora das vias oficiais, o fato é que o negócio paralelo de ouro e diamantes nunca deixou de existir. Rotas menos conhecidas eram utilizadas, lançando mão da experiência dos índios, e plasmando a mesma lógica da Estrada Real, mas em ponto menor. Quando se vê algum lugarejo meio que perdido por essas mesmas redondezas, pode-se ter certeza que ele tinha a mesma função dos pousos de tropeiros “oficiais”, com a evidente discrição requerida. É por essa época que se cria o crime de descaminho, existente até hoje e facilmente confundido com o contrabando*, justamente pelo uso de caminhos alternativos aos oficiais.

Pois muito bem. Tudo isso posto, podemos colocar na mesa todo o glamour que foi atribuído à Estrada Real de uns tempos para cá. O seu distintivo virou uma espécie de selo heráldico que consigna as vantagens de se hospedar em algumas de suas magníficas fazendas, onde o visitante sentirá de perto o modus vivendi dos antigos proprietários de terras, cercado de uma aura de pureza e aventura somente alcançável no meio rural. Uma autêntica aproximação com o legítimo homem da terra e seus usos e costumes. Pelo menos é o que nos cantam as cigarras das agências de turismo.

Vamos fazer algumas enumerações. Pensem em luz elétrica e todas as suas derivações – TV, ar condicionado, ventilador, água quente, geladeira, carga de celular. Falando nisso, pensem no wi-fi. Pensem na água encanada, nos vasos sanitários e nos chuveiros. Pensem na dedetização, nos repelentes, nos anti-inflamatórios, nos aromatizadores e no fogão a gás. Pensem em todos os outros confortos disponíveis nas casas de fazenda coloniais e, se quiser fazer uma experiência legítima de resgate da vida do homem do campo na época dos reis e desbravadores, tire-os do caminho. Pode até parecer chatice, mas não. Vocês não terão nenhum tipo de aproximação com um ambiente sem luz, repleto de insetos e ameaças piores, como cobras e aranhas, quando não havia vacina para a febre amarela que deixou de ser um espectro, tudo como ocorria naqueles “bons” tempos. Talvez um rolê de cavalo, levando em conta que era o melhor transporte disponível à época.

Esse tipo de coisa é o que chamamos em Filosofia da História de anacronismo, e é um erro muito mais comum do que podemos supor, principalmente quando lembramos que a História é o estudo dos acontecimentos no decorrer dos tempos. Vamos tentar entender melhor esse conceito.

A palavra anacronismo vem do grego e, traduzida livremente, quer dizer “fora do tempo”. Seu uso mais comum indica que algo do passado é mantido em uso num tempo futuro. É o caso de alguém que insiste em utilizar um equipamento muito antigo, como um telefone de discar, ao invés de um aparelho sem fio; ou uma garota que usa meia lurex, típica dos anos 80.


Mas em História a coisa é um pouco diferente. Anacronismo significa utilizar termos e valores de uma época em outra, independentemente se no passado ou no futuro, fazendo existir um descompasso que prejudica uma correta análise dos fatos, já que os momentos dos fatos e os respectivos parâmetros da análise ficam em tempos não conformes.

O historiador francês Lucien Fébvre é uma das principais vozes que denunciou seu uso indevido até mesmo por outros historiadores. Fundador ao lado de Marc Bloch do movimento conhecido como Escola dos Annales (nome derivado da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale), Fébvre lança mão de conceitos da linguística de Ferdinand Saussure (vejam aqui) para fundamentar sua teoria da História. Ele defende que a análise historiográfica não pode seguir os esquemas eminentemente práticos do Positivismo, que meramente descreviam os acontecimentos históricos como uma coletânea cronológica. Afinal, a História é formada por uma dicotomia composta de contexto e transformação, que precisam se articular em seus aspectos estáticos e dinâmicos.

Quando vamos analisar um determinado acontecimento passado, é preciso estabelecer o que precisamos colocar como elementos de compreensão. Quando o foco é na conjuntura, é necessário levar para a época dos fatos não somente o desenrolar em si, mas todo o conjunto circunstancial que o cerca. Nesse sentido, é de vital relevância que se estude todo o bojo cultural do povo que se busca retratar, afastando o quanto for possível os próprios conjuntos de valores, em uma lição aprendida da Antropologia, assim como características geográficas do palco dos eventos e seu desenvolvimento social. Esse eixo estático é chamado de sincronia, ou seja, os fatos que ocorrem ao mesmo tempo, e que concorrem para que tal coisa seja como ela é. Em uma palavra: contexto.

O outro plano onde se analisa a História é dinâmico, ou seja, opera na mudança. Aqui, observa-se como os fatos se sucedem e como uns dão causa aos outros. Aqui, a cronologia é bastante relevante, porque a linearidade é necessária para que se observe de onde uma situação partiu e para onde ela caminhou.  Isso é o que se conhece por diacronia, aquilo que se move no tempo. Mais uma vez, em uma palavra: transformação.

Só que é aí que vem a chave de ouro da História vista como disciplina verdadeiramente epistemológica. No prisma da diacronia, da mesma forma que no eixo sincrônico, também aqui o analista precisa trazer todo o patrimônio circunstante, com a diferença de que também este deve girar, no mesmo compasso em que se estuda o foco principal, nem mais rápido, nem mais devagar. Esse estudo obriga o historiador a trabalhar em um tempo histórico mais longo do que aquele exigido pelo método mais pontual do Positivismo. Quando esses dois eixos não são corretamente respeitados, teremos a deficiência metodológica conhecida por anacronismo. Esse é o tal. Mas só com exemplos para entender bem o que é isso, ainda que de forma superficial. Vamos.

Uma das melhores maneiras de se desmerecer um adversário no debate é fazer um apelo à ridicularização (que será esmiuçado dentro do Pequeno Guia das Grandes Falácias). Sabemos que os livros religiosos, bastante antigos, possuem muitos escorregões, sendo que, ao se falar especificamente do antigo testamento bíblico, vemos frequentemente a utilização do seguinte trecho, extraído do Levítico 11, 13-19:

“Entre as aves, eis as que tereis abominação e de cuja carne não comereis, porque é uma abominação: a águia, o falcão e o abutre, o milhafre e toda variedade de falcões, toda espécie de corvo, a avestruz, a andorinha, a gaivota e toda espécie de gavião, o mocho, a coruja e o íbis, o cisne, o pelicano, o alcatraz e a cegonha, toda variedade de garça, a poupa e o morcego[grifo meu].

Aí está. A última ave descrita é o morcego, que sabemos se tratar de um mamífero xenartro, cuja única coincidência que tem com uma ave é o fato de voar. Qual o erro do texto bíblico no caso? No contexto histórico, nenhum! O erro está no anacronismo de nossa interpretação. Nos tempos em que o autor redigiu esses vetos alimentares, a definição de “ave” era muito diferente da que temos hodiernamente. A classificação sistemática moderna dos seres vivos veio com a taxonomia de Carlos Lineu, que somente ocorreu no século XVIII, e que procurou aproximar os grupos e famílias por conjuntos de características. O fato de o morcego ter uma morfologia, base alimentar e embriologia distinta das aves o colocou no grupo dos mamíferos. A “classificação” bíblica, intuitiva e assistemática, faz a distinção baseada no fato de que o morcego voa. Bicho que voa é ave, portanto o morcego é ave, ainda que não tenha bico, ossos aerados, penas. De qualquer forma, não se pode aplicar a classificação moderna de seres vivos a um texto de mais de 3000 anos. O conhecimento era outro, as classificações possíveis eram outras, muito mais rudimentares. Gozar da cara de quem acredita na Bíblia por conta deste tipo de discrepância com o conhecimento atual é um exemplo de anacronismo.

Isso isenta textos antigos de inconvenientes históricos, que podem ser relativizados a qualquer julgamento sob o escudo do anacronismo? É claro que não. Se pegarmos do mesmo antigo testamento o trecho de 1º Samuel 15, 2-8...

"Assim fala o Senhor dos exércitos: Vou pedir contas a Amalec do que ele fez a Israel, opondo-se-lhe no caminho, quando saiu do Egito. Vai, pois, fere Amalec e vota ao interdito tudo o que lhe pertence, sem nada poupar: matarás homens e mulheres, crianças e meninos de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos. Saul comunicou isso ao povo e fez o seu recenseamento em Telaim: havia duzentos mil homens de Israel e dez mil de Judá. Saul avançou até a cidade de Amalec e pôs-se de emboscada no vale. Disse aos cineus: Retirai-vos, separai-vos dos amalecitas, não suceda que eu vos envolva com eles (no massacre), porque tratastes bem os israelitas quando saíram do Egito. E os cineus separaram-se dos amalecitas. Saul bateu os amalecitas desde Hévila até Sur, que está ao oriente do Egito. Tomou vivo Agag, rei de Amalec, e votou todo o povo ao interdito, passando-o ao fio da espada." – N. do A.: votar ao interdito significa, neste caso, eliminar, condenar à morte.

... veremos que se trata de um genocídio, sem tirar nem pôr. Mas como aplicar o termo “genocídio”, surgido apenas no século XX, por ocasião do holocausto judeu da Segunda Guerra Mundial, sem incorrer em um anacronismo? Pelo simples fato de que tal conceito não está condicionado ao tempo. A ideia que o termo genocídio representa está ligada ao extermínio de toda uma etnia, todo um povo, como os amalecitas do exemplo, e isso não muda em decorrência da data do conceito; seu significado é aplicável sempre. Seria incabível colocar esta palavra na boca de um dos personagens da cena, mas não dizer que ali tenha ocorrido um genocídio, mesmo que não haja historicidade definitiva no relato. 

Veja como a coisa muda de figura quando analisamos o seguinte trecho, ainda bíblico para manter a coerência (extraído de Atos dos Apóstolos 2, 44-47):

"Os que receberam a sua palavra foram batizados. E naquele dia elevou-se a mais ou menos três mil o número dos adeptos. Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações. De todos eles se apoderou o temor, pois pelos apóstolos foram feitos também muitos prodígios e milagres em Jerusalém e o temor estava em todos os corações. Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Unidos de coração frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação." 

Sempre haverá alguém que afirme que se trata este trecho de um exemplo de marxismo existente no texto bíblico. Isso não é possível. O conceito “marxismo”, para ser aplicável, depende de que que seu uso seja feito a partir das ideais do filósofo e economista Karl Marx, o que somente é possível a partir de um eixo minimamente sincrônico, ou seja, do momento em que o polêmico alemão materializou suas ideias. Antes disso, não dá para dizer que ninguém era marxista porque o marxismo simplesmente não existia. Ele depende de sua posição no tempo, ao contrário do que ocorre com o termo genocídio. O máximo que se pode fazer é uma comparação, de modo a deixar claro que o marxismo contém elementos dos relatos sobre as comunidades cristãs originais, e não que as comunidades cristãs originais continham elementos do marxismo. Compreenderam?

É isso. Quem quiser conhecer a Estrada Real, incluindo a pequena municipalidade de Pouso Alto, tem que ter uma dimensão mais próxima do que ela foi na realidade. Sua beleza está no próprio testemunho que guarda de nossa história, sem necessidade de romanceamentos, filtros e máscaras. Ela é muito mais importante historicamente do que como um local de puro lazer, muito embora eu não tenha nada contra quem queira se divertir desabastecidamente de conhecimento. Mas esse sou eu, não consigo e nem quero me desvencilhar disso. Por estas trilhas não passaram só heróis, príncipes e bravos desbravadores. Pelo contrário – trafegar pela Estrada Real era, antes de tudo, um trabalho árduo, realizado por gente pobre e por índios e negros escravizados, sedes de crimes que iam além do aspecto fiscal e assassinatos, e às suas margens etnias indígenas inteiras foram dizimadas em nome do vil metal. Além disso, é preciso ressaltar que muito do que hoje conhecemos como “jeitinho brasileiro” era aplicado naquele tempo e naquele contexto, com as tentativas constantes de dar aplique nos regramentos então vigentes. Isso tudo é tão relevante de saber quanto as trilhas, as cachoeiras e as pousadas. 

Passar um fim de semana comendo broa com queijo no café da manhã é uma delícia, só não tem correspondência com a realidade passada, e é bom saber disso.

Recomendação de leitura:

Não é fácil encontrar livros de Fébvre fora das bibliotecas acadêmicas. Mesmo assim, todos que se interessam pelo assunto precisam conhecer a École des Annales e seus principais próceres. Com toda certeza voltarei a mencioná-los.

FÉBVRE, Lucien. Combates pela História. Queluz de Baixo: Presença, 1977


Mapa da Estrada Real disponível em: http://www.institutoestradareal.com.br/assets/materiais/mapa-ilustrativo-da-estrada-real.jpg


Trechos da Bíblia extraídos de:
https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/

* Esta disciplina é regida pelo Artigo 334 do Código Penal. O descaminho ocorre quando é trazida do exterior mercadoria sem os devidos recolhimentos tributários. Já o contrabando acontece quando as mercadorias trazidas são proibidas no território nacional ou lesivas à saúde pública. Se são proibidas, evidentemente não são tributadas, já que nem mesmo deveriam estar no país. Em suma, somente temos contrabando no caso de armas ou drogas, por exemplo. Sim, é isso mesmo. O isqueirinho paraguaio que você comprou da sacoleira é objeto de descaminho, e não de contrabando. E receptá-lo é crime também, só para constar.

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