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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Sobre o pânico moral e o problema dos refugiados no Brasil (Pequeno guia das grandes falácias - 40º tomo: a generalização apressada ou falsa indução)

Olá!

Quando resolvi criar o Pequeno Guia das Grandes Falácias (link acima), minha ideia era produzir textos relativamente curtos sobre engodos frequentes em diversas linhas de raciocínio. No entanto, ocorreu um fenômeno que acabou modificando minha regra de conduta. A cada texto não relacionado ao Pequeno Guia que eu escrevia, começava a perceber uma relação do mesmo com algum tipo de falácia. Com isso, passei a aproveitar o próprio texto para amarrar com a respectiva falácia, e a estrutura do guia foi se modificando. Não acho isso um problema, e apenas gostaria de registrar a utilização deste recurso, porque entendo que enriquece o texto principal e evita que se perca uma boa oportunidade para tratar de uma determinada falácia. Afinal, ela é como formiga, capim-gordura e filha-da-puta: existe em toda parte. Vamos ao que interessa.
O mundo nunca, em nenhum momento, deixou de viver situações complexas. É claro que grandes chacoalhos como a queda do Império Romano, a Revolução Francesa e as Guerras Mundiais sempre vêm em primeiro lugar à nossa memória, dado ao fato de serem episódios de virada de mesa, que afetaram toda a História, mas isso não evita que grandes dramas ocorram diariamente.
Digo isso inspirado pelas calçadas empanturradas de estrangeiros na rua do Glicério, por onde passo diariamente. São tantos imigrantes no centro de São Paulo que desde algum tempo atrás tem sido realizada uma “Copa do Mundo” de refugiados, inicialmente no campo do quartel do Parque Dom Pedro. São haitianos, nigerianos, sírios, bengalis, colombianos, a grande maioria fugindo da miséria e da perseguição em seus países de origem, como já fizeram nossos avós em passado nem tão distante. Os comentários de nós, nativos, versam sobre uma espécie de invasão de nossas terras, onde os imigrantes vêm plantar suas bandeiras e tomar nossos empregos, ocupar nossos cortiços, assaltar nossos parcos bens, sujar nossas calçadas. Toda espécie de mazela.
A imprensa ajuda, e muito. Já falei por aqui o quanto a certas emissoras são um modelo bem acabado de sensacionalismo metido a erudito, onde se provoca a notícia distorcida com todos os acentos e pontos bem polidinhos. Em uma determinada reportagem que assisti na TV (como não consegui localizar uma reprodução na internet, vou omitir o canal) é enfatizado que um nigeriano compra celulares roubados na região da Cracolândia. Não há, na mesma, nenhuma vontade de dizer que o criminoso estrangeiro é só mais um elo na corrente que se espalha pelo submundo das leis frouxas e injustiça social no Brasil. Não se fala dos brasileiros que roubam os celulares, não se fala dos brasileiros que lucram com esse comércio, não se falam dos inúmeros brasileiros que receptam esses celulares, da mesma forma e no mesmo local que faz o grande acusado desta história toda, o nigeriano. Esse é o quintal da minha casa, vejo isso diariamente, e é quase impossível distinguir quem é quem naquela muvuca.
A reportagem faz entender que a recepção de celulares roubados é uma novidade e uma exclusividade de nigerianos. Não há nenhuma menção de que há dezenas de outros receptadores no mesmíssimo lugar, e o vínculo é imediato: nigerianos são criminosos. E dá-lhe reclamar das imigrações: que este monte de estrangeiros veio acabar com o país, que a gente vai ter que dividir o pouco que tem, que certos partidos querem mais gente alienada para votar em seus corruptos, et cetera. Desculpem a vocês que concordam com esse tipo de afirmação, mas vocês foram, mais uma vez, enganados. Basta pensar que a grande maioria dos réus da Lava Jato são pessoas que vocês adorariam ter como genros.
Mas o problema no Brasil é até relativamente pequeno se comparado à Europa, tanto no volume dos deslocamentos quanto na reação das populações e governos. Aqui no Brasil ainda há alguma compassividade, porque a manifestação da ojeriza ao estrangeiro se dá na esfera dos botecos (e da imprensa maliciosa). No velho continente, a coisa se dá no campo público, onde governos e populações confrontam abertamente as ondas de imigrações. Para mim, a famosa imagem do menino sírio morto na praia da Turquia é definitiva e explicita um drama humano que não tem como ser justificado pela preservação de fronteiras, manutenção de emprego e outras. Mas somos assim mesmo, ocupantes do planeta azul, presos aos nossos egoísmos.
Como eu acabei de dizer, o discurso contra imigrações, mesmo aquelas de fundo humanitário, está baseado no estado de necessidade que os refugiados trazem, o que gera uma bola de neve: são pobres e não-qualificados, vindos de países violentos. O caminho óbvio é a criminalidade. É evidente que dentre tantos, algum haverá de seguir esse roteiro, mas de onde se tirou a ideia de que essa é uma regra geral? Desde o século XIX o Brasil é terra de imigrantes. Você mesmo que me lê, provavelmente tem um sobrenome estrangeiro, assim como eu. Parte dos meus avós vieram fugindo da fome, parte fugindo da guerra, exatamente como continua acontecendo hoje. Se hoje o Brasil ainda é opção para quem vem do desespero, é porque esses mesmos imigrantes, nossos avós, tornaram-no minimamente atraente, da mesma forma que os novos ingressantes podem também fazer. Essa é a história escrita, e não há registro de que fluxos humanos nos tenham feito passar necessidades, como se pode dar a entender. Talvez tenham involuntariamente ajudado a manter os negros na marginalidade, mas esse é outro assunto, para ser tratado com mais cuidado.
Também é uma boa oportunidade para revisitarmos nossos preconceitos mais velados. Não nos preocupamos tanto quando os imigrantes são portugueses (tivemos um pouco notado fluxo no começo da década), chineses ou coreanos, mas ficamos bastante incomodados com bolivianos e haitianos, índios e negros que são. Parem um pouco para pensar. Tem gente que prefere trabalhar como escravo no Brasil, e que te causam mais repulsa do que aqueles que os colocam nessa condição. Não é contraditório?
Mas é claro que essas coisas não nascem do vazio. Temos uma tendência clara em atribuir a outrem a causa de problemas que, na verdade, são nossos. Como vivemos em um determinado modelo de sociedade, comparável a um organismo, há a propensão em se acreditar que ela funciona como deveria funcionar, e, se algo vai mal, antes de observar se o seu funcionamento não tem nenhum tipo de enguiço intrínseco, vamos procurar a causa fora, em algum tipo de desvio ao padrão.
É o exemplo do desemprego e do aumento da criminalidade. Temos um equilíbrio econômico precário e um ordenamento jurídico de faz-de-conta, mas, como essas coisas acontecem por defeitos tão profundos quanto equivalentes ao nosso próprio caráter, é mais fácil apontar um bode expiatório.
É sobre esse mecanismo que se debruçou o sociólogo sul-africano Stanley Cohen. Estudioso da criminalidade, buscou um novo rumo na pesquisa sobre a impressão geral que a população tem sobre os agentes dos delitos. Para tanto, foi estudar em campo o caso do confronto entre duas tribos urbanas típicas da década de 60: os rockers e os mods.
Hoje pode até parecer estranho, mas o conceito de tribos era uma novidade absoluta naquela época. Era a primeira vez na história em que havia uma clara contraposição entre o que pensavam os jovens e o que era praticado pelas gerações anteriores, o que, evidentemente, criou várias rotas de colisão. A juventude, buscando se desvencilhar da ortodoxia veterana, que coincidia com o período das guerras da Coreia e do Vietnã, caracterizada pelo envio de recrutas para uma batalha que não era a deles, não formava uma massa uniforme e homogênea. Afinal de contas, fugir de um paradigma conservador não se dá sem aventura, sobre um palmilhar em terreno incerto, e cada um foi para um lado, buscar sua própria solução.
Os rockers eram conhecidos por sua adesão ao rockabilly, aversão ao uso de drogas, exaltação da vida livre e uso abundante de motocicletas, com sua indumentária correlata: jaquetas de couro, botas e calças de brim. Já os mods (abreviatura de moderns) eram comumente membros da classe média que se vestiam com apuro, gostavam de experiências psicodélicas e eram adesivos ao jazz e ao Rhythm & Blues, se aproximando de estilos mais exóticos no transcorrer de sua existência, como o ska jamaicano e a motown de Detroit.
Com esse ideário divergente, houve um determinado momento em que ambos os grupos passaram a se confrontar, por aquele espírito de clã que vemos entre os jovens, chegando muitas vezes à pancadaria. Os mods chamavam os rockers de caipiras; os rockers chamavam os mods de mariquinhas. Pode parecer coisa de criança (e é), mas foram esses embates isolados que forneceram às gerações mais velhas uma oportunidade de reagir, acusando a camada jovem de desordeira e ameaçadora. Pouco mais do que algumas costelas partidas resultaram do confronto entre os grupos, mas o que se pintou era sua franca ameaça a todo um sistema social. Os mods e os rockers foram tachados de violentos intrínseca e generalizadamente, fazendo com que as pessoas nas ruas passassem a temê-los só de vê-los, configurando uma espécie de materialização dos demônios, e, mais ainda, exigindo que as autoridades interviessem pela sua simples existência. Dessa forma, através da disseminação de notícias extrapoladas, o corpo mandatário se encarregava de construir uma justificativa ao combate a ideologias que se opunham à sua, através da opinião pública e da formação de opiniões. É o que Cohen denominou de pânico moral.
É evidente que há situações onde o pânico se justifica. Basta pensarmos no que se passa na cabeça das pessoas, como os habitantes da cidade mineira de Mariana, ao saber que a represa que sustenta milhões de litros de dejetos químicos estourou às suas costas, ou com os ocupantes dos edifícios Joelma e Andraus, que protagonizaram as piores catástrofes incendiárias da combalida metrópole da qual vos falo. Não há espaço para a racionalidade em um momento desses, com a tragédia iminente. Só se pensa em escapar; se não da morte, ao menos do sofrimento, como fizeram os desesperados que saltaram dos precitados prédios, para não serem consumidos pelas chamas. Mas o pânico moral não se caracteriza pela premência da situação, mas por sua desproporção. E isso se reflete nos próprios edifícios em questão. Após a restauração do Andraus, sua ocupação se tornou tão difícil que acabou por se tornar um prédio de trabalho da prefeitura, muito embora tenha se transformado em um local modelo de segurança. Já estive lá e vi: dê dois passos e há um extintor; mais dois, e há uma mangueira; mais dois, e há um machado; mais dois, e há uma maca, tudo sinalizado e com acesso facilitado. Sprinkles, detectores de fumaça, alarmes e equipes treinadas a cada andar – não há motivo para temer, mas as pessoas temem, irracionalmente, embaladas pela história que aquele lugar conta.
Idem no caso que estou tratando? Idem. Temos ao nosso redor todo um contexto social complicado, com muitas desigualdades e pobreza, sem soluções de curto prazo e com uma classe dirigente pouco fiável. Mas os problemas são imediatos e graves. Qualquer ameaça ao status gera uma reação de quem tem algo a perder, obviamente.
Mas o que faz o pânico moral ser tão musculoso, a ponto de transformar alguns eventos isolados em uma ameaça a todo um conjunto social? Acertou quem afirmou ser a mídia.
Primeiro é preciso conceituar um pouco melhor o que é a mídia. Esse é um termo que foi chupado de media, usual em terras ianques e que significa o conjunto de meios de comunicação que é estabelecido em determinada sociedade. Temos a propensão a identificar de imediato mídia com imprensa, o que é correto, mas incompleto. Por exemplo, quando lemos um romance, ouvimos um álbum ou assistimos a um filme, chega a nós uma coleção de informações que, de uma forma ou outra, retrata algum aspecto cultural, e isso, por si só, diz muito sobre o modo de pensar e de agir da sociedade que os produz e/ou consome. Portanto, mídia não é só o Jornal Nacional, mas a novela das oito também.
Isso posto, podemos tentar entender um pouco mais como o pânico moral se dissemina. Obviamente, vou contar uma historinha.
Quando eu era criança pequena, já existiam as vendedoras de Yakult©, igual-que-nem existem até hoje, vagando sob o sol forte ou chuva intensa com seus carrinhos brancos, tentando ganhar a vida enquanto a morte não lhes pega, vendendo regularidade intestinal, cansando-se de tomar calotes. Eu não era muuuuuuuuuuito chegado nos lactobacilos, mas minha mãe achava que fazia bem e me empurrava um pouco, saudável que se reputava o produto. Ocorre que, passados alguns anos, lançou-se um outro produto, chamado Taffman E©. Sua proposta, como o nome indica, era fornecer uma fonte de vitamina E, conhecida no vulgo como a vitamina da fertilidade. Algum filósofo de porta de boteco especulou sobre os motivos de tal lançamento, com caráter afrodisíaco. Nosso anônimo pensador vinculou o poder revigorante da novidade a um suposto prejuízo ocasionado pelo consumo dos casei hirota, de ordem disfuncional no futuro desempenho sexual dos seus consumidores. Sim, pensava-se que o Yakult causava brochadeira, e que o Taffman vinha para reparar o infortúnio.
Ainda que sem internet, e na medida do alcance possível, a coisa se espalhou como um rastilho de pólvora em plena combustão, chegando até mesmo ao subúrbio paulistano, gerando árduas dúvidas na cabeça da emérita genitora, que suspendeu o fornecimento (para o meu gáudio) até tomar a melhor decisão possível: aproveitando a consulta periódica ao Dr. Deodato, pediatra do Sindicato dos Metalúrgicos que cuidava dos meus perrengues, solta-se o questionamento indiscreto sobre a veracidade do boato. Com a negativa do douto fisiologista (e seu sorriso irônico), as garrafinhas voltaram à geladeira, mas o testemunho das vendedoras não deixa espaço para a dúvida: muita gente gravou essa baboseira, e custou um bom tanto até a história sumir*.
Se o boca-a-boca vintage tem esse poder de causar medo, o que não é possível de fazer com meios de comunicação de alcance global? A mídia em geral, e a imprensa em particular, tem um poder imenso nas mãos, ao lado de seus próprios interesses. Sempre é preciso lembrar que os jornais são produzidos por empresas, que tem suas diretivas e interesses, e a neutralidade é impressionantemente difícil de se obter. É CLARO que há jornais e jornalistas sérios, que fazem o melhor possível, assim como também é claro que há quem faça uso desse grande poder de persuasão. Cohen observa que essas ferramentas podem ser utilizadas não só para disseminar alarmas, mas para serem os soldados de cruzadas morais. Há a necessidade de que um determinado pânico se dissemine, e atinja expressividade entre uma população que o receba acriticamente, e que normalmente não seria tão afetada pelo demônio popular eleito. Muitas vezes isso é feito escancaradamente, e, para isso, é convocado um analista, que produzirá uma “opinião própria”, que insuflará o público e escusará o veículo, que poderá proclamar sua “isenção”. Mas há maneiras de se fazê-lo sub-repticiamente. Uma das técnicas é encadear uma notícia negativa em sequência à notícia sobre o objeto que se tenta demonizar, formando uma cadeia de causa e consequência, tão procurada por nossas mentes. Por exemplo, dá-se a notícia sobre o aumento no número de imigrantes, e, logo em seguida, outro sobre a diminuição de postos de trabalho. Pronto! A correlação se dá imediatamente, ainda que seja falsa e apresentada aparentemente sem que se queira fixar o elo. Entre ambas as técnicas, prefiro a primeira. Pelo menos sabemos bem com quem estamos lidando.
Resumindo: o pânico moral funde um medo exacerbado e injustificado com uma reprovação de ordem moral, que se apoia em uma plataforma, a mídia. O pânico moral é voltado contra o que Cohen chama de demônios populares, os grupos que recebem a etiqueta na testa: o torcedor das organizadas e as mortes em dias de jogos, os gays e a “família tradicional brasileira”, os nigerianos e os roubos de celulares. Por trás disso tudo, um mecanismo que ajuda não só a criar rótulos, mas também a alimentar preconceitos: a generalização apressada. Trata-se de uma falácia indutiva, que tira seus “méritos” de um número muito pequeno de casos para atribuir uma característica a um grupo completo. Vamos dar voz ao filósofo italiano Norberto Bobbio, ao fazer observações sobre a visão geral que se tem sobre os intelectuais:
A maior parte destes discursos está viciada por um erro lógico bastante conhecido, do qual um intelectual deveria prevenir-se: a falsa generalização. Muito frequente na excessiva linguagem polêmica cotidiana, que não se pauta pela sutileza na análise dos fatos e no uso das distinções ou das subdistinções, pois seu objetivo é antes de tudo o de persuadir ou de dissuadir, não o de conhecer ou fazer conhecer, a falsa generalização é desaprovada no discurso racional. Convém à linguagem vulgar, fabricada com estereótipos, segundo a qual todos os políticos são corruptos [N. do A.: O cara está falando da Itália], todos os médicos são incompetentes [N. do A. 2: Idem] e, claro, todos os intelectuais são indistintamente arrogantes, vaidosos, creem ser sabe-se lá quem e assim por diante, ou são, como foi dito recentemente, ‘lamentosos’. Falar dos intelectuais como se eles pertencessem a uma categoria homogênea e constituíssem uma massa indistinta é uma insensatez: a uma afirmação peremptória como ‘os intelectuais traem’, deve-se imediatamente perguntar: ‘Precisamente todos? E se não todos, quais?’ (...) Seja qual for o modo em que venham a ser definidas a natureza e a função do intelectual, não é possível alcançar uma definição restritiva o suficiente para tornar plausível um juízo de absolvição ou de condenação global. Todos inocentes, todos culpados”.
A engrenagem por trás dessa falácia é sempre a mesma, um processo heurístico que, através de uma amostra muito pequena, tenta estender uma realidade a um grupo inteiro. Funciona da maneira exatamente oposta ao dicto simpliciter (acidente): enquanto a generalização apressada toma como regra geral para o grupo aquilo que se observa em uma parte muito reduzida, a falácia do acidente não admite que uma pequena quota tenha alguma característica diferente do grupo como um todo.

Vejamos o caso das pesquisas eleitorais. Sempre que uma destas é divulgada, vem a reboque um número que indica sua margem de erro. Essa margem é inversamente proporcional ao tamanho da amostra. Quanto maior o número de pessoas consultadas, menor a margem de erro. Esta somente será igual a zero quando toda a população é consultada, ou seja, a eleição propriamente dita. Amostras muito pequenas tendem a ser muito pouco representativas, sendo passíveis de distorções por inúmeros fatores. É por isso que, para se fazer generalizações seguras, é preciso amostras proporcionais ao tamanho do campo que se quer medir.
É possível obter raciocínio lógico a partir de amostras pequenas, e se ter uma boa generalização? Sim, é possível. Digamos que se queira saber a impressão dos trabalhadores sobre uma determinada lei que lhes afete os benefícios sociais (para o bem ou para o mal, tanto faz no caso). Uma das maneiras possíveis é fazer uma consulta direta, o que demandará uma amostra gigantesca. Outro modo é consultar os sindicatos que, em tese, agregam o pensamento de suas respectivas categorias e são em número bem menor. Desta forma, a generalização já está devidamente filtrada em cada um dos sindicatos, e, ainda que em número teoricamente pequeno, tem condições de refletir o que pensa o conjunto total de trabalhadores.
Já me alonguei muito, mas é preciso dar uma advertência final. A generalização apressada (ou falsa indução) não é só uma falácia. É um método de pensamento simplista e perigoso, que nos ajuda a atribuir a populações inteiras os defeitos que estão contidos em poucos membros, e pelos motivos os mais equivocados possíveis. Se todo imigrante é um criminoso, estamos bem pegos – pensaram isso também de nossos pais e avós. Se filho de peixe peixinho é...
Recomendações de leitura:
A obra de Cohen disponível está em espanhol, o que não chega a ser um problema.
COHEN, Stanley. Demonios populares y pánicos morales. Cidade do México: Cedisa, 2015.
Já o livro de Bobbio onde está o trecho que extraí neste posto é o seguinte:
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: UNESP, 1996.

* Sim, a lenda persiste! Vejam o que eu encontrei na internet (já avisando que o único Shinji Ono que localizei é um jogador de futebol).

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

A aposta ética do cinismo e o Pequeno guia das grandes falácias - 39º tomo: o apelo à pobreza (argumentum ad Lazarum)

Olá!


Já tinha mais de mês que a mesma cena se repetia, todo santo dia. Ao abrir a porta do prédio onde resido, a montoeira reinante de sujeira vinda da lixeira presa ao poste me obrigava a saltar do degrau direto para a rua, em salto justo para um gato, mas não para um quase-obeso como eu. Pior ainda para o sem-fim de velhinhas que habitam no mesmo empreendimento imobiliário, cujo único pulo possível seria o de bengala. Ali, não tem jeito. É pisar no lixo mesmo e vamos que vamos.
Mas agora era uma manhã de domingo, bem cedo, e eu precisava dar um pulinho em Redenção da Serra, buscar uma colcha de retalhos. É perto, mas não é na esquina, daí o improvável despertar na hora em que os gatos vão deixando de ser pardos. Quando eu apontei no corredor, ele estava lá, revirando a lixeira, e esgaravatando somente as latinhas de alumínio, emporcalhando todo o perímetro ao redor do poste. Papel, casca de fruta, borra de café e outras sujidades mais porcas e menos votadas, esse era o cenário que tantas vezes se repetia, e que agora se desenrolava sob minha vigilância. Era um nóia, facilmente reconhecível pela magreza extrema, os olhos estatelados e a cor meio que opaca. Cheguei sorrateiro, com o objetivo de lhe aplicar uma rebordosa, porque eu não sou ninguém para fazer agressões além das verbais. Abri a porta na miúda e falei, em alto e bom som:
- “Ô, camarada...”
O camarada voltou-se para mim com a mais pura expressão de terror, como se eu estivesse com um machado apontado para o meio de sua testa. Tomou tal susto, a ponto de ficar paralisado. Rapidamente me lembrei das síndromes persecutórias dos viciados em crack, tão bem descritas pelo humorista Márcio Américo, e me veio o insight: esse sujeito não tem o menor controle do que faz ou deixa de fazer. Fiquei todo desarmado, e muito mais mansamente, tudo o que consegui dizer foi:
- “Você... tá com fome? Precisa de alguma coisa para comer?”
É a coisa mais imbecil do mundo perguntar para um nóia se ele tem fome. Ele não tem. Uma das reações das drogas estimulantes é tirar todo e qualquer apetite, no caminho inverso da larica proporcionada pela maconha, droga de efeito relaxante, e esse é o motivo pelo qual os cracudos são secos e esturricados. Mas eu fiquei tão consternado que as palavras saíram no piloto automático, mais ou menos como se eu estivesse falando com um mendigo clássico, que, estes sim, sentem fome e comem como monges tibetanos, se permitido lhes for.
O resultado final é que minha vontade foi derrubada. Salto o lixo ainda, mas a partir de então sem praguejar contra os céus, os infernos ou os purgatórios. Só continuo lamentando pelas velhinhas, e agora pelos nóias que passam suas vidas inteiras no medo e na busca por suas pedras.
Esse é o centro de São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, que parece brotar de algum conto de terra arrasada, misto de ambiente de guerra e miséria imotivada, um deserto seco de piedade cercado de prédios e mau cheiro. A quantidade de mendigos desta metrópole parece imensurável, o que só contraria a tese de que somos um país em desenvolvimento. Talvez econômico, jamais social.
Princípio básico: a pobreza é uma desgraça. Mas já houve quem a considerasse uma virtude, inclusive como princípio religioso, apesar dos praticantes de tais religiões não gostarem nem de ouvir falar nisso, com o uso profuso de perífrases e circunlóquios para dar jeitinhos justificar sua não adesão a tais metas divinas. No campo da Filosofia, o exemplo mais bem acabado de uso da mendicância como objetivo ético nos vem dos filósofos cínicos, mais especificamente de Diógenes de Sínope, dito o cão.


Vamos começar esclarecendo como deve ser encarado o termo cinismo. Esta palavra vinda do grego kynós, que significa nada mais, nada menos que cachorro, é mais conhecida pelo seu sentido figurado, de pessoa que não tem grandes escrúpulos em tratar a realidade de forma mordaz e sarcástica, e encarar pessoas e histórias com desprezo. Mas a origem do termo é a mesma da escola filosófica. Isso porque os filósofos cínicos tratavam das preocupações mundanas justamente com isso: um desprezo revestido de ironia, que é a pior forma de se tratar um assunto que lhe é adverso (ao lado, é óbvio, da indiferença). Essa é a forma com a qual os cães lidam com tesouros: mijam em cima.
Mas vamos a Diógenes e suas ideias. Já se vivia o período mais clássico da antiga Filosofia grega, e a tríade Sócrates-Platão-Aristóteles deixou grande quantidade de discípulos. Reconhecida a necessidade de virtude através do autoconhecimento, a busca pela felicidade toma a tônica do homem agora menos interessado no cosmos e suas sutilezas, e compenetrado em se explicar a si mesmo. Estes filósofos são menos metafísicos que seus antecessores, e sua pergunta fundamental é ética: se a busca do homem é pela felicidade, de que maneira ela deve estar vinculada ao prazer? A resposta não é fácil. Para os epicuristas, o incremento no prazer está na sua simplificação, ou seja, é preciso extrair contentamento de coisas simples, como uma caminhada ao redor de um lago, o perfume de uma flor, o voo de um pássaro, essas coisas românticas, mas não só. Diante de um mundo sobre o qual não temos controle, é necessário ter em mente que os objetivos grandiosos que poderíamos almejar são por demais interferidos por fora. Melhor é se alegrar com as coisas pequenas e que a vida nos proporciona sem que precisemos de grandes planos e projetos. Já os estoicos se baseiam na resiliência, ou seja, na capacidade de aguentar porrada. Isso significa que esta escola encara o mundo como uma fonte de desprazer, e o contrário é obtido justamente “não ligando” para os adventos dolorosos. Tipo assim: sua mãe morreu? Faz parte. Sua mulher fugiu? Vida que segue. Você perdeu o emprego? Foda-se. Evitando o desprazer, chega-se ao prazer possível. Leiam os links que eu deixei para entender melhor.
O cinismo vai para um caminho semelhante, mas diferente dessas duas tendências. Para eles, a grande causa do sofrimento humano está em não se reconhecer como o animal que é, e se afastar cada vez mais de sua condição natural. Diógenes capta estes ensinamentos de seu mestre Antístenes e leva-os ao extremo, passando a viver nas ruas e se alimentando do que for possível. Suas teses não eram ensinadas em escolas como a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, o Jardim de Epicuro ou a Stoá de Zenon. Sua sala de aula era as ruas, mas isso é uma mera figura de linguagem: ele não era um mestre na acepção da palavra, ensinava pelo seu modus vivendi e pela sua resposta aos desafios que se lhe apresentavam.
Sua vida é cercada de lendas, mas o que importa, da mesma forma que os predecessores das grandes religiões, não é o que há de real nesses relatos, mas o que eles carregam de significado. Materializou em sua vida todo o ideário que capturou de Antístenes: a pobreza extrema, não como objetivo de vida, mas como fruto de um afastamento da cultura. Para ele, todas as ciências, técnicas e artes eram inutilidades que somente traziam ao homem mais dor. O conforto da vida nas cidades impediu que o ser humano perdesse todo o calejamento de sua proximidade com a natureza, e até mesmo para a supressão das necessidades mais básicas encontrava dificuldades. Além disso, o convívio social estabelecia uma série de regras que só fazia aumentar a preocupação com coisas que, em estado de natureza, não existiriam – a obediência às leis, a escolha de representantes, as delimitações de propriedades e muitas outras. Via no cão o exemplo perfeito para uma vida mais próxima do ideal de felicidade, porque este não se perde em disputas que ultrapassem comida e sexo, satisfaz-se com qualquer canto onde possa encostar seu corpo, dá tanto valor a uma roupa luxuosa quanto ao couro de um rato morto. Esse desprezo pela fama, pelo poder e pela riqueza é uma atitude imprescindível para um regresso ao natural, a chave de sua Ética.
Conta-se que vivia entocado em um barril, quando não estava perambulando pela cidade em busca de alimento. Seus únicos pertences eram um cajado, uma gamela e um luzeiro, com o qual se dizia que Diógenes andava para cima e para baixo, aceso em pleno dia. Ironicamente, dizia procurar pelo Homem, no sentido de que não havia mais ninguém que vivesse em sua verdadeira essência, sobrepujando as normatizações sociais e os elementos de exterioridade, colocando-se diante da vontade coletiva dos outros homens de maneira genuína, e, por consequência, efetivamente feliz.
Diógenes, dessa forma, tornava-se voluntariamente excluído das estruturas sociais da cidade, e era completamente alijado politicamente. Percebam o contrassenso, a ambiguidade, o paradoxo, o antagonismo, a contradição, a ambivalência, a incongruência, a aporia: sua fuga da cultura e de seus ícones maiores – como o renome – é justamente o que lhe tornou famoso, a ponto de chegar sua história aos ouvidos do imperador mais poderoso de então: Alexandre Magno da Macedônia. Diz-se que este, curioso com os relatos que davam conta de um sábio que vivia nas ruas de Atenas e que não tinha nenhum tipo de pudor (um testemunho afirma que Diógenes fazia tudo sem se esconder, inclusive as coisas “que dizem respeito a Deméter* e Afrodite*”, o que, em miúdos, significa cagar e trepar), foi procurar Diógenes em seu tonel, a fim de conhecê-lo. Encontrou-o deitado sob o sol, como realmente gostam de fazer os cães. Ao se aproximar, Alexandre projeta sua sombra sobre o cínico, que abre os olhos e o observa. Alexandre faz a apresentação costumeira, com loas ao seu próprio poder e pergunta o que Diógenes desejaria que lhe fosse dado. O diálogo:
- “Podes me dar o sol?”
- “Não”
- “Não me tomes o que não me pode dar”.
Pegou seu cajado e, com ele, ousou afastar Alexandre para o lado, de forma a receber novamente seus raios quentes. Os soldados que o acompanhavam começaram a murmuram indignados com a afronta que aquele maltrapilho cometia contra o imperador. Alexandre, no entanto, desmobiliza-os, afirmando:
- “Deixem-no, porque se eu não fosse Alexandre, desejaria ser Diógenes”.
Já vi mais de uma versão desse episódio, sempre semelhantes, e que serve para amostrar a mecânica ética dos cínicos: a autarquia, ou seja, o homem basta a si mesmo, e somente assim consegue tangenciar um ideal de felicidade, porque somente assim se consegue ser livre. E, paradoxalmente, é possível obter prazer através do desprezo pelos prazeres. Quanto menos há ligação com as coisas supérfluas, mais se tem liberdade. O significado da assertiva de Alexandre Magno vem ao encontro disso. Como imperador, tem obrigações e responsabilidades das quais nosso cãozinho só tem a rir. Diógenes exerce sua liberdade de palavra (parrhesia) ao tratar Alexandre com sarcasmo, e sua liberdade de ação (anáideia) ao empurrá-lo com o bastão, coisas que as convenções sociais e as disposições políticas impediriam qualquer outro de fazer.
Os cínicos não duraram muito. Suas atitudes eram muito extremas, quase beatíficas em relação a uma busca que, no fundo, negava a nossa humanidade. Sua atitude anticultural tinha como efeito colateral a negação de que o conhecimento é componente intrínseco à espécie. Essa redução à animalidade é uma forma de não nos distinguir com o que temos de mais característico. Se o que diferencia uma girafa é seu pescoço, um elefante a sua tromba, um pavão a sua cauda, o que nos torna únicos é nossa tão decantada capacidade de acumular e aperfeiçoar saberes. A autarquia, nesse sentido, pode funcionar individualmente, mas nos empobrece o arcabouço intelectual coletivo. O distanciamento da natureza ao se enriquecer a cultura é um processo inevitável, como já discursei neste texto.
E aqui caímos no Pequeno Guia das Grandes Falácias. É tentador associar pobreza econômica com deficiência intelectual. Claro: meios materiais facilitam muito atividades culturais, mas o diabo é que somos muito acostumados a associar sabedoria com conhecimento, o que nem sempre é verdadeiro. Este último é ligado à capacidade de acumular informações sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos cerca, enquanto o primeiro tem o sentido de saber processar essas mesmas informações. Podemos fazer uma metáfora com um cozinheiro. O conhecimento é a despensa e a geladeira. É lá que estão as carnes, os grãos e os temperos. Nesse sentido, quanto maior a disponibilidade, melhor. Mas é preciso que o cozinheiro saiba o que fazer com tudo isso. Sendo bom, fará os preparos e as misturas certas, de modo a produzir pratos saborosos. Poderá até usar a lógica do “menos é mais”, sabendo que os alimentos devem ser apreciados por seu sabor em si, sem grandes aditivos. E mesmo com poucos ingredientes (o conhecimento) à disposição, o cozinheiro habilidoso (o sábio) terá a capacidade de fazer comida digna. Mesmo com uma carne dura, usará adequadamente o tempo de cozimento, as possibilidades de corte, as ervas corretas, não utilizará alecrim e teremos algo que servirá de almoço até dignamente. Agora, se o cozinheiro não for bom no seu ofício, juntará o melhor chorizo argentino com o melhor açúcar de beterraba ucraniano (ornado com raminho de alecrim) e produzirá sonora porcaria. Conhecimento sem sabedoria, enfim.
Para não perder o costume, a mesma alegoria pode ser construída no âmbito futebolístico. Um técnico de futebol, com perspicácia, poderá transformar um bando de caneludos em uma equipe competitiva, ao ajustar um bom esquema de marcação e explorar a velocidade do ponta e a força física do centroavante. Por outro lado, uma constelação de craques não dá liga com um técnico que não sabe administrar egos. Quantas vezes já não vimos isso? Novamente, é o caso de haver conhecimento, mas não haver sabedoria.
Portanto, associações automáticas do tipo que diz não ser possível existirem joias em charcos são falaciosas. No caso, são apelos à pobreza, ou argumentum ad Lazarum, falácia informal de dispersão e relevância como tantas outras, que se baseia na ocorrência de uma situação de pobreza para justificar um determinado argumento. É o exato oposto do apelo à riqueza (argumentum ad crumenam), já tratado neste espaço.
Cabe aqui reportar quem é esse tal Lázaro do termo latino. Na verdade, quem são, para não gerar confusões. Há dois personagens bíblicos relevantes com esse nome: um, da cidade de Betânia (atualmente em Israel), era irmão de duas mulheres, chamadas Marta e Maria. Essa família era amiga de Jesus, e algumas passagens de sua vida envolvem esses três. A mais célebre, sem dúvida, é a ressurreição de Lázaro, que já se ia morto havia quatro dias. Acreditar nisso literalmente é critério de cada um, mas não é esse o Lázaro que nos interessa no momento. O outro Lázaro era um mendigo mencionado em uma parábola, o método didático utilizado por Jesus em seus ensinamentos. Ele era leproso, e saiba que, se você chama alguém de lazarento, é justamente por causa dessa personagem e dessa doença que o faz. Afinal de contas, a lepra era uma doença incurável, daquelas que vão degenerando o organismo aos poucos e, o que é mais escabroso, transmissível. Isso tudo fez com que a lepra fosse costumeiramente associada à ira divina, de forma que, mais do que doente, o leproso era um excluído social.
Pois bem. O tal Lázaro, distintivo da miséria, morava à frente da mansão de um homem rico, e, comorientes, se veem em polos opostos em sua destinação além-vida: Lázaro recompensado com o céu e o rico inominado ardendo nas chamas do inferno. A justificativa reside na oposição entre os volumes de posses de ambos. A questão central da parábola deixa uma mensagem clara: as posses geram apego, e deixa-se a caridade de lado. Mas ela acaba por denominar a falácia por uma questão lateral. Independentemente da mensagem, não há nenhuma justificativa apresentada pela boa ventura de Lázaro, a não ser sua pobreza. Não se diz se ele era bom, se ele era justo, se ele era piedoso, ainda que se leve em conta suas condições materiais. Dessa forma, é possível compreender que esta é condição suficiente para explicar a situação de ambos, e, com isso, dar apoio a afirmações que usem a pobreza como justificativa.
Desta forma, é possível perceber que o apelo à pobreza pode ser utilizado em duas mãos. A primeira é negativa: por ser pobre, algo é ruim – é o exemplo da impossibilidade da sabedoria do miserável, que Diógenes contradiz. Já a outra dá favorecimento ao pobre em um argumento do tipo: “só sabe o que é viver mal aquele que é pobre”. Essa é uma meia verdade, porque, em linhas gerais, o pobre sabe mesmo o que é viver mal, mas é possível que isso seja desejável, novamente lançando mão do exemplo dos cínicos. E pobreza é ruim, mas não é a única desgraça que pode acometer alguém. Não é verdade que o senso comum sempre diz que o importante é ter saúde? Pois é.
É mais que óbvio que há apelos à pobreza não falaciosos. Qualquer argumento que se sustente na ausência de recursos para obtenção de melhorias econômicas são verdadeiros, afinal de contas não dá para comer caviar quando não se tem nem para o pãozinho. Mas é que, nestes tempos da defesa da meritocracia, é bem comum achar gente que queira aplicar a regra do apelo à pobreza em qualquer circunstância que defenda benefícios socialmente fundamentados.

Recomendação de leitura:
Diógenes de Sínope não deixou nada escrito. Por isso, para ter melhores informações sobre o gajo, apelei para o seu xará, que, além dele, narra outras histórias interessantes sobre filósofos da antiguidade. É bom de conhecer.
LAÉRCIO, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: UnB, 1988.
Tem muita gente que não gosta, e de fato é um comediante polêmico, especialmente quando representa o Pastor Adélio. Mas seus relatos sobre os tempos em que era viciado em crack são pungentes, principalmente porque despidos de um aspecto emotivo como aqueles que apresentam conversões e adesões a uma causa religiosa. Mas eu gosto muito e acho que devo indicá-lo.
https://www.youtube.com/watch?v=RPApKlvhqG4
* Deméter era a deusa da agricultura na mitologia grega, o que corresponde a todas as fases da produção, incluindo a preparação e a adubagem da terra, incluindo a destinação final da alimentação, que vocês sabem bem qual é. Sua correspondente romana é Ceres. Já Afrodite (em Roma: Vênus), bem mais conhecida, é a deusa do amor e do sexo. Sem mais.