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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

De volta às águas e trilhos que ficaram para trás – 5º lugar: Aiuruoca e as dificuldades das imposições na área da linguagem

(A maneira como um idioma se forma é a prova de que é difícil forçar a barra para novos usos)

“Escrever é um ato não natural [...] A palavra falada é mais velha do que nossa espécie, e o instinto para a linguagem permite que as crianças engatem em conversas articuladas anos antes de entrar numa escola. Mas a palavra escrita é uma invenção recente que não deixou marcas em nosso genoma e precisa ser adquirida mediante esforço ao longo da infância e depois”.

Steven Pinker

Olá!

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Quando estive na cidade de Caxambu, bateu em mim a vontade de ir até São Thomé da Letras, por conta de sua fama de cidade esotérica e descolada, o que fiz. Entretanto, eu olhava para o trajeto do Maps e não me convencia do tempo alto para quilometragem baixa. Isso me causava desconfiança de uma estrada muito ruim, e como ainda era época do intrépido Bedelho, ficava bolado em colocar meu pobre carro urbano em uma longa trilha arenosa. Com isso, passei a cogitar outras paragens, que acabaram não se realizando porque, ora essa, acabei indo à terra mística. Uma dessas era exatamente a que começarei a tratar agora, a cidade de Aiuruoca.

Este nome significa “casa do papagaio”, e é justificado pela presença do majestoso Pico do Papagaio, um maciço rochoso que se estende a mais de 2000 m de altitude.

Essa formação é de visual onipresente pela região, seja no meio urbano, seja pelas sendas rurais, que não são poucas.

Por esse motivo, é uma espécie de símbolo da cidade, o que ajuda até mesmo a explicar seu nome. Creio que seja derivado do fato de ser uma região repleta da ave e suas aparentadas, como maritacas, araras e outros psitacídeos.

Aiuruoca é repleta de cachoeiras, divididas especialmente nos caminhos dos Vales dos Garcias e do Mututu. Visitei algumas delas, dentre as quais fica o manso Poço do Joaquim Bernardo, na verdade um remanso que forma uma piscina natural a partir de um dos afluentes do rio Aiuruoca.

Bastante próximo, estão situadas as plantações de oliveiras, que se trata de uma atividade produtiva relativamente recente e que agora tem começado a render seus frutos, de forma a fazer surgir o nome da cidade no circuito.

As terras altas e a temperatura amena que caracterizam a Mantiqueira têm se provado ótimas para o cultivo de oliveiras e produção do azeite, de modo que é um negócio que vai se expandindo a passos largos, com alguns lagares ficando bastante famosos, como o Serra dos Garcias.

O que comprova a boa qualidade dos produtos é a quantidade de certificados de premiação que se tem obtido pelos negociantes da região. São realmente muito saborosos e acompanham bem um pãozinho torrado.

Na área urbana, podemos encontrar uma cidade muito pequena, que futuramente terá problemas para se estruturar frente ao crescente turismo na região. Não se trata de nenhum demérito, porque o centrinho é bem bonito.

Ao redor da praça central e nas ruas do entorno, há uma série de construções coloniais típicas, muito comuns de encontrar nesta região e no Vale do Paraíba, por exemplo, com paredes de taipa e janelas com os vidros voltados para fora.

A igreja matriz é dedicada a Nossa Senhora da Conceição, com torre projetada imponente e a sobriedade típica de construções de época.

Um busto na praça reverencia um poeta da cidade, Dantas Motta. Viveu na época do Modernismo, com um ecletismo, entretanto, que lhe fez ter um estilo completamente próprio.

Boa parte do artesanato da região é bastante interessante porque é comercializado diretamente pelos indígenas que vivem nas redondezas, o que tipifica bastante as peças oferecidas.

Lá, vemos o conceito de etnojoia. São inúmeros artigos de sementes, palha, penas e cordões, cujo objetivo é produzir alternativas às bijuterias industriais, com o colorido vivo tão ao gosto tanto dos indígenas, quanto da patroa, que se divertiu à beça lá dentro.

No pacotinho do presente, o termo tupi para o beija-flor, escrito de uma forma atípica, porém correta.

Aiuruoca é o nome complicado de uma cidade simples, que está batalhando para se estruturar e receber os turistas que nunca tinha recebido em volume tão grande. Aliás, a complicação termina com um mínimo de exercícios, como os que costumo fazer quando me dou de frente com situações como essas. É só quebrar a palavra em partes menores e ensaiar um pouco –  aiu-ru-oca, aiu-ruoca, aiuru-oca, Aiuruoca. Duas ou três vezes são suficientes para parar de falar aruoca, airoca, airuoca ou qualquer outra corruptela desse nome.

Nomes indígenas são como a própria cultura indígena, são estranhos enquanto mal conhecidos. Depois disso, damo-nos conta de como fazem parte de nossa vida, e passamos a incorporá-los com muito maior naturalidade. Um grande exemplo está nos topônimos, que disputam com a religião católica a primazia nas denominações, quando já não se misturam (Santana de Parnaíba, que tal?). Explica-se: sendo povos originários, os índios já tinham os lugares nomeados antes da chegada europeia, e muitos deles foram mantidos. Não é normal que você chegue em um local desconhecido e pergunte a quem já está lá onde você está? Pois bem, a lógica é essa.

Eu gosto dos nomes de origem indígena. São fortes, presentes e sonoros, como Pernambuco, Indaiatuba, Itapecerica, Mangaratiba, Ipanema, com equilíbrio entre vogais e consoantes, de modo a não termos aquele amontoado de fonemas típicos de outras culturas. Claro que sempre haverá um Nhocuné ou Mongaguá para servir de trava-línguas, mas isso existe em todos os idiomas, como o clássico “bajame la jaula, Jayme” das línguas hispânicas.

A presença da influência indígena na cultura do Brasil é o principal fator de diferenciação entre o português usado aqui e aquele de Portugal, muito mais do que as decantadas diferenças de sotaque. O exemplo mais familiar é com relação àqueles a quem falta cabelo. Em Portugal, temos os calvos, sendo que aqui, há distinção entre aqueles que têm apenas as entradinhas (esses, os calvos) e os que têm o coco pelado, aqui conhecidos por carecas. A palavra careca não tem o menor sentido em Lusitânia, porque ela é de origem indígena, e, com isso, o léxico de Pindorama (o nome indígena pelo qual se chamava o Brasil – lindíssimo) é enriquecido com relação à língua matriz.

A interpenetração linguística é um fenômeno natural no meio social, e acontece desde o momento em que duas tribos distintas tiveram contato e passaram a tentar compartilhar sua cosmovisão. O exemplo mais próximo que temos de nós é o latim, que, em sua versão vulgar, espalhou-se por toda a Europa desde os tempos da expansão do Império Romano. Chegou à região da Ibéria trazido particularmente pelos soldados, e lá se misturou com os falantes locais, especialmente influenciados pelos árabes. Chegando nas Américas, recebeu ainda a mistura das línguas autóctones e dos povos africanos escravizados e constituiu a língua que hoje falamos em Terra Brasilis.

Eis que temos a maneira de como a língua se forma, mas há ainda o processo de distinção entre o que é correto de se falar e o que não, que fica na conta do coloquial. Quando um índio chama uma determinada fruta por um nome que somente ele conhece, ela dá uma espécie de credencial oficial àquela espécie desconhecida. Por outro lado, quando a cultura preponderante já tem um nome para aquela fruta, o nome indígena fica como um designativo alternativo e não oficial, subalterno à designação oficial. Na medida em que esse nome vá recebendo mais e mais uso, melhor vai se tornando seu estatuto, ao ponto em que, um belo dia, ele vai para a norma culta, ao lado do termo nobre, às vezes até mesmo o substituindo. Ninguém mais é chamado de “vossa mercê”, mas de você, seu derivado hodierno.

Muitos termos, neste exato instante, estão concorrendo para se tornar mais e mais aceitos, primeiro no uso coloquial e popular, com todo o preconceito que vem junto, mas, da mesma forma que na seleção natural, aumentando sua penetração, e esperando ficar colocado no cânone da linguagem.

Um bom exemplo é o gerundismo. O “vou estar enviando” (i'll be sending) é fruto de uma limitação da língua inglesa, mais pobre na articulação dos verbos do que as românicas, e que foi levada a cabo por conta da tradução porca dos manuais originais, e dá impressão de uma fala empolada, sem que se perceba que, em português, há duas formas corretas de fazê-lo: “eu vou enviar”, mais do dia-a-dia e “eu enviarei”, mais formal. Hoje, ainda conseguimos resistir ao erro, mas será inevitável que o uso vá consagrar a forma. Haverá um momento tal em que virá a consagração, e o gerundismo passará a fazer parte na norma culta. Para nós, infelizmente; mas, desde que bem aceito, ninguém mais estará preocupado com isso.

Outro exemplo é o aportuguesamento de palavras. Era comum que as palavras oriundas de línguas estrangeiras fossem adaptadas às regras ortográficas do português, e, com isso, surgiram termos como clube (club), futebol (football), bife (beef), coquetel (cocktail), nocaute (knockout), pudim (pudding), sanduíche (sandwich) e tantos outros, incluindo o horroroso copirraite (que não pegou muito). Por conta da tecnologia, vários e vários novos termos vão sendo introduzidos em nossos quotidianos, só que sem o costume do aportuguesamento, ficando no original em inglês. A internet fez com que surgissem os sites, browser, online/offline, dentre outros, com a novidade de não serem mais aportuguesados, já que não lemos as palavras saite, brauser ou onlaine/ofilaine.

Há ainda outro detalhe. Da mesma forma que palavras surgem, palavras somem. Caem em desuso pelos mais diversos fatores: obsolescência, substituição do termo, momento histórico. Se você não compreende quando eu digo que o zagueiro do teu time deu uma domingada no último jogo, poderemos deduzir duas coisas: que certamente você tem menos de cinquenta anos e que o termo está caindo em desuso. Essa derivação vem do célebre zagueiro Domingos da Guia, um dos melhores nas décadas de 30 e 40, e que, por conta de sua incomum habilidade, era dos poucos à época a sair jogando de sua área, quando o esperado era um clássico chutão para frente. Se por um lado isso dava qualidade na saída de jogo, por outro trazia o risco do desarme. Quem trabalha muito, erra muito, e foi mais de uma vez que um voluntarioso atacante conseguiu o desarme que resultou em contra-ataque. Essa perda de bola arriscada ficou conhecida como domingada. Só que o tempo passou, Domingos da Guia se foi e o termo foi perdendo força, pelo distanciamento histórico, até sua quase extinção nos dias de hoje.

Não deveria nos causar sustos, esse fenômeno. É esse o processo natural de toda cultura, e aquela dominante impõe sobre as demais as suas características. Não foi diferente com os romanos, com os britânicos, com os espanhóis e portugueses na América Latina. O máximo que podemos fazer é choramingar, se isso nos incomodar, mas o mecanismo de construção dinâmica das linguagens é esse, além, evidentemente, das transformações internas.

E qual é o motorzinho dessas transformações? Ora, o próprio processo histórico. No momento em que a França tinha o domínio diplomático do mundo, muito do seu linguajar e cultura se espalhou pelos quatro cantos do planetinha. Abajur, maionese, sutiã, purê, balé, tricô, garçom e tantos outros são palavras que poderiam ter alternativas em português, mas que preponderaram porque a França era mais poderosa política e economicamente. Idem ocorrerá com árabes na Península Ibérica, com russos na área eslava e com ingleses contemporaneamente. Mas não é só pelas regras de dominação que as línguas se formam, porque elas se imiscuem pelo uso. Um exemplo para lá de prosaico: sabem aqueles saquinhos com suco gelado? Como eles se chamam em sua cidade? No meu bairro (São Paulo é tão grande que tem mais de uma fala), chamávamos de juju. No Rio, é sacolé. Em Taubaté, o pessoal trata por gelinho. Há lugares onde é chupe-chupe, geladinho, dindim, flau e assim por diante. É incontrolável o nome que o tal gelo com suco tomará em um local. Pode-se achar engraçado o falar de um forasteiro, ou usar o das novelas dos grandes centros, ou o do cidadão que o trouxe para a cidade, ou… ou… ou. A centralidade do que falo aqui é: o processo de formação de uma língua se dá de maneira espontânea, seja qual for o mecanismo que se der.

E é aí que eu vou retomar uma daquelas polêmicas que eu gostava de lançar aos alunos nos primórdios deste blog. Ultimamente temos cada vez mais ouvido falar em gênero neutro. Trata-se de uma proposta de utilização de designativos que não determinem um gênero quando ele não é aplicável, notadamente pela característica majoritária de nossa língua em utilizar o gênero masculino quando há uma generalização, mormente nos casos de plural. O exemplo mais em voga é o “todas, todos, todes”.

A contestação se dá por conta da suposição de um sexismo na formação da língua portuguesa, já que a neutralidade de gênero é, com poucas exceções, indicada pelo masculino. Isso traz problemas interpretativos: enquanto um termo como “jogadoras” indica claramente que naquele conjunto só existem mulheres, o termo “jogadores” não permite fazer tal dedução, já que ele indica tanto presença mista, quanto presença exclusiva de homens.

A questão divide opiniões naquele mesmo esquema de Fla-Flu. Quem se diz de esquerda é favorável, quem se diz de direita é contrário, em geral. É a coisa do pacote pronto, mas as justificativas são, de um lado, o direito de se representar sem uma mácula sexista, e de outro a inutilidade de se mexer na língua por motivo fútil.

Eu sou um cara mais dado a ser progressista, como é possível observar nos diferentes textos deste blog, embora eu procure manter a impossível neutralidade quando a questão não é opinativa. Mas eu tenho pontos de conservadorismo, e este é um, ainda que haja pragmatismo nessa posição.

Em primeiro lugar, eu tenho uma chatice absolutamente decantada no quesito linguagem, sendo que já até a narrei aqui. Mas, além disso, por tudo o que expus até o presente momento, dá para perceber que a formação de uma língua não se dá por decreto. Forçar a utilização de termos neutros é praticamente uma garantia para seu fracasso.

É preciso apostar que a causa ganhará adeptos de forma orgânica. Eu mesmo já me peguei a utilizando de maneira informal, na base do “boa tarde para todes”, e é assim que as coisas nascem. Primeiro, parece engraçadinho, mas, aos poucos, vai caindo no uso comum, assim como certos termos deixam de ser utilizados por se tratar de mau gosto. Dependendo, isso nem leva tanto tempo assim, e não precisa de uma lei que os proíba.

Notem que toda disposição linguística nasce da fala, e não da escrita. Surge pela via da informalidade, e depois passa para os manuais. Conforme nos ensina Steven Pinker, linguista e psicólogo canadense, a linguagem pode ser considerada como uma característica inata dos seres humanos, ou seja, os mecanismos evolutivos desenharam a nossa espécie para conceber e utilizar meios de comunicação entre os seus membros. Portanto, os caminhos da natureza nos levaram a ter linguagem inerente, ainda que não seja de forma meramente falada, mas gestual, por exemplo. Entretanto, escrever não é um ato natural do ser humano. Uma criança balbucia os seus vagidos porque há um aparelho fonador apropriado para isso, além de um instinto voltado para a comunicação. Já as letras não representam nada para ela, não só porque não seja capaz de interpretá-las, mas porque é perfeitamente possível viver sem essa forma de expressão. A escrita é uma sistematização artificial de um objeto natural que é a fala. Portanto, a espontaneidade está nessa última. É nela que se constroem as comunicações, antes de serem trasladadas para a escrita. O “orra, meu” dos paulistanos nasce das bocas, e não das penas, para evitar o palavrão sem tirar a força da expressão, e é assim que fica eternizado. Construir a linguagem pela lei vai pelo caminho inverso, e aqui não falamos pela via matemática da ordem dos fatores que não alteram o produto, e sim pelo caminho inverso da divisão. É colocar o carro na frente dos bois, é fazer a linguiça comer o cachorro.

Qual seria a consequência da utilização de termos neutros através da legislação? Primeiro, um erro de estratégia. Imposições são sempre antipáticas, por mais que sejam calcadas em causas justas. Sabemos que pessoas estão sofrendo por conta disso, e são justamente elas que são alvo dos piores opositores dessa causa. O caminho da conscientização me parece ser o único factível, com seu lento, mas progressivo processo. Subsidiariamente, há que temos uma deficiência já muito grande com relação ao aprendizado da língua. Temos uma urgente necessidade de melhorar os índices escolares, passando por uma mudança cultural que comece já no berço. Aumentar a complexidade de uma língua que já é difícil de aprender dá ainda mais munição aos opositores da ideia.

Em tempo: os projetos de lei que tramitam hoje no Congresso versam todos sobre a proibição da utilização de gênero neutro em sala de aula ou documentos oficiais. Não há nenhum projeto concreto que vise tornar obrigatório tal uso, isso é importante frisar. Enquanto a adoção do gênero neutro ainda vaga no campo das ideias, já se correu legalmente para impedir seu uso. É mais uma demonstração do momento de neurose que temos vivido em nossos dias.

E é assim que um nome de cidade, daqueles mais ou menos difíceis de falar de cara, suscita uma discussão em mim mesmo sobre temas controversos do nosso quotidiano. Bons ventos a todos!

Recomendação de leitura:

É um livro que parece aqueles manuais de redação de jornal, mas que tem fundos filosóficos que nos fazem pensar bastante, e, daí, a sua recomendação.

PINKER, Steven. Guia de escrita. Como Conceber um Texto com Clareza, Precisão e Elegância. São Paulo: Contexto, 2016.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

De volta às águas e trilhos que ficaram para trás – 4º lugar: São Sebastião do Rio Verde e nossas tendências a fazer coleções

(Por que gostamos de coleções? E por que às vezes elas nos escravizam?)

“Acreditamos no óbvio. Mas quando o examinamos um pouco mais de perto, vemos que por trás do que chamamos de óbvio há uma porção de preconceitos, fé distorcida, crenças e assim por diante. Mas a fim de atingir e entender o óbvio, temos primeiro que nos agarrar ao óbvio, e esta é a maior dificuldade. Todos nós queremos ser sagazes ou secretos, ou tencionamos ser algo que valha a pena e assim por diante”.

Fritz Perls

Olá!

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No meu último texto, falei sobre a cidade de Virginia. Eu não passei o dia inteiro lá, principalmente porque o Google me mandou chegar através de um caminho de terra bem ruinzinho, e fiquei meio preocupado de fazer a volta em horas mais escuras, com poucos recursos. Experiência? Não, coisa de velho mesmo. Mas o fato é que eu podia fazer o percurso por asfalto, conforme pude verificar na volta. É aquela velha história de confiar cegamente: fé cega, faca amolada, já diziam Nascimento e Bastos. Porém, a nova proposta de rota me permitiu dar uma passada pela cidade de São Sebastião do Rio Verde, de quem começarei a falar agora.

A cidade tem esse nome pela junção de seu padroeiro, o santo soldado que, conforme se narra, preferiu morrer a abjurar sua fé (escrevi sobre o sincretismo que existe em torno dele quando falei sobre Senador José Bento)…


… com o rio que corta a região, importante não só aqui, mas também em outras plagas, que acabam por também levar seu nome, como Conceição do Rio Verde.


São Sebastião do Rio Verde virou sede da mais nova estação turística que recebe a Maria-Fumaça da antiga rede ferroviária de Minas Gerais, em uma composição que vem da cidade de São Lourenço. Isso fez com que praticamente se dobrasse a rede disponível para reviver o passado, considerando o trajeto que leva a Soledade de Minas, já inaugurado a mais tempo.

Quem pegar o trem e vier para cá, terá a oportunidade de conhecer a igreja dedicada a São Sebastião, que impera na praça já próxima aos baixios da cidade.

A praça é daquelas típicas, onde ocorre a maior parte da vida social da cidade, onde o povo se agrupa, toma suas cervejinhas e namora.


Como fica em um declive, toda a sua estrutura se baseia nas pequenas rampas sucessivas, o que dá um certo ar piramidal à construção.


A praça contém algumas edificações interessantes e bonitas, da época em que ainda era sede do município de Pouso Alto, antes de ser rebaixada a distrito. Isso explica a presença de prédios históricos, como o do Fórum, que hoje abriga instituições como os Correios.

Como curiosidade, e levando em consideração se tratar de uma das estações do Caminho Religioso da Estrada Real, há aqui um plano de altimetria em forma de placa e anexo a um mapa, de forma a orientar os romeiros o quanto devem reservar de forças à medida que avançam.

Bem no alto da cidade, antes de chegar na praça central, há um marco típico da Estrada Real. Não deu tempo de tirar uma foto, e também fiquei com um pouco de preguiça de voltar para fazê-lo, então peguei uma da internet mesmo, mais especificamente no Google Maps, nas coordenadas 22.2269089, -44.9771486, apenas para ilustrar.

Já passei por várias cidades que fazem parte dessa rota: Cunha, Baependi, Caxambu, Passa Quatro, Itamonte, Guaratinguetá, Aparecida e, principalmente, a precitada Pouso Alto, quando aproveitei para trazer mais elementos sobre os fatos históricos que a cercam. Estimulados pela associação que cuida dos interesses do roteiro, os turistas que têm mais recursos passaram a enumerar suas passagens com bibelôs, fotos e souvenires, de modo a recordar (ou ostentar) suas estadias. Essa tendência levou o Instituto da Estrada Real a criar uma cartela onde se pode recolher carimbos de passagem, de forma a completar esse passaporte como se fosse um álbum de figurinhas.

Eu nunca me incomodei com esse tipo de coisa. Passei por várias dessas cidades, como vocês puderam ver acima, e não sei até quando continuarei passando por elas. É um dado importante saber que a cidade pertence a esse circuito, pelo simples fato de que é um detalhe histórico importante para saber por onde você anda, e não tenho nenhum tipo de problema com quem preenche suas cartelas, só não acho isso tão significativo assim.

Eu sou um ET que não coleciona nada? Não, nada disso. Tenho duas coleções dignas desse nome e uma espécie de juntado que algumas pessoas também encaram como coleção. Vou contar rapidinho sobre cada uma delas.

A minha coleção mais antiga é de chaveiros, e também a mais barata. Ela partiu de uma coleção preexistente, que era da minha mãe. Eu, ainda criança, vi aquela caixa de sapatos cheia de chaveiros e a genitora me contou detalhes de cada um deles. Peguei gosto pela coisa, conseguindo novas peças na base da inconveniência infantil, muitas vezes obrigando meus parentes mais velhos a se privar de sua peça apenas para que eu parasse com minha chatice. Depois, comecei a comprar itens em viagens, ao invés de obter outros bibelôs. Hoje, com o acesso mais facilitado a viagens internacionais, encarrego meus amigos de me trazerem algum de onde vierem. Ofereço-me para pagá-los, mas nunca aconteceu de alguém me cobrar. Assim sendo, tenho chaveiros de Cuba, República Dominicana, México, Chile, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Japão e outros lugares que não lembro agora. O armazenamento cresceu a ponto de se tornar um problema: para que eu exponha os chaveiros, preciso de um móvel de grandes dimensões, daqueles de custo exorbitante e alocação complicada, e os hoje organizadores que os contêm vão ficando encostados nas paredes das intenções nunca realizadas. Atualmente, meu objetivo é fazê-lo assim que me aposentar, daqui a alguns anos. A ver.

Outra coleção é bem mais onerosa, bem mais recente e anda bem mais devagar. São métodos para extração de café. Eles são tão presentes na minha vida que até criei uma série sobre eles e as reflexões a que me levam, que podem ser lidos neste link. A coisa começou quando eu quis provar um sistema de extração diferente do Melittão habitual e da máquina de espresso dos bares da vida. Comprei uma cafeteira italiana na loja da esquina e comecei a testar diferentes configurações de extração, e percebi que, embora sutis, era possível conseguir diferenças surpreendentes entre elas. Entretanto, um chaveiro custa uns dez reais, e um método pode valer várias moedas empilhadas, razão pela qual desloco minhas prioridades para coisas mais urgentes. Tenho até alguns objetos meio custosos, mas nada que fira o orçamento, como fariam equipamentos Gaggia, Bialetti, Delonghi, Breville e outros italianos de bolso cheio.

Por fim, tenho camisas de times de futebol. Eu, particularmente, não considero uma coleção, mas há quem a chame assim. Vou comprando de acordo com os jogos que vou assistir, sempre na base do artigo mais barato. Também ganho algumas de presente, porque é aquele que não tem como errar. Teve um texto em que estiquei na cama meu pequeno acervo, que acabou por crescer. Mas não se trata de algo sistemático, que eu tenha um mínimo de critério para comprar. Chegou em casa, vai para junto das demais, só isso. Como costumo circular por muitos estádios, tenho muitas camisas, punto e finito.

Sendo assim, não me é estranho o hábito de colecionar, mas o colecionador de verdade (dizem) é aquele que busca a totalidade dos seus objetos de desejo. Bem, para chaveiros, querer completude é uma espécie de probatio diabolica, porque todos os dias serão lançados novos elementos no mundo inteiro. Idem com métodos de café e mesmo camisas de clubes, mas há, de fato, aqueles casos em que é possível manter uma coleção completa, como os discos de um determinado artista ou, vejam vocês, a cartelinha das cidades da Estrada Real. A grande pergunta é: por que nos incomodamos com isso? O que nos leva a despender tempo, recursos e energia para encher o álbum de figurinhas?   

Vamos lá. Se nós formos partir do princípio de que existe uma realidade, é preciso fazer uma diferenciação: o que é a realidade em si mesma e qual é a forma com a qual ela é percebida. Essa distinção é importante porque ela racha o conceito ao meio, porque quem percebe a realidade sempre é uma consciência, e essa consciência é de cada um dos contribuintes deste malfadado e cada vez mais quente planetinha. Ou seja, mesmo que uma realidade exista, ela é uma para mim, outra para você, atípico leitor, mais uma ainda para meu vizinho e outra para o seu. Quero dizer com isso que ninguém apreende a realidade da mesma maneira que o amiguinho, porque nossas vidas podem se assemelhar, mas nunca são iguais. Idem ocorrerá com nossos sentidos, com nossa cultura, com nossos costumes. Tudo isso faz com que, mesmo que ainda seja possível dizer que há uma realidade, ela é incognoscível.

Parece que a volta vai ser longa, mas nem tanto. Se você conhece um pouco de filosofia, já sacará que eu falei de duas coisas no parágrafo anterior: do noumeno kantiano e da Fenomenologia, sua derivada metodológica. É com eles que a ideia de que tudo depende de uma consciência que absorva a realidade e que, por isso, é impossível que se chegue a uma conclusão definitiva sobre cada coisa-em-si. Acontece que essa particularização na forma de apreender o mundo não significa que não exista um padrão no modo em como a percepção se dá pelas diferentes consciências, muito pelo contrário. Se existem fronteiras para a mente, elas estão bem delimitadas pela maneira com a qual o intercâmbio entre o objeto posto e o objeto percebido são trabalhados pelo equipamento psíquico. Por exemplo, o roteiro deste processamento sempre se dá no sentido de fora para dentro, com o uso dos sentidos para concretizar esse trânsito. O que varia, como eu já disse, depende do aporte cognitivo de cada um dos indivíduos. A realidade é como é para nós mesmos porque ela se configurou desta forma.

A existência de padrões faz com que tenhamos tendências que são razoavelmente parecidas em cada uma de nossas mentes, apesar de o resultado final ser distinto para cada um. Um desses padrões é que sempre temos a propensão em buscar completudes para elementos onde faltam pedaços, de forma que sempre consigamos deduzir com a melhor precisão possível qual é o objeto que está à nossa frente. Sendo assim, projetamos continuidades onde elas faltam, acrescentamos números onde eles não existem, fechamos círculos abertos. Este é o princípio geral da psicologia da Gestalt, de quem já falei demoradamente neste texto link. Se o tema te interessa, leia lá, porque está cheio de bons (e futebolísticos) exemplos.

O fundamental é que o cérebro tem a faculdade de perceber totalidades, de modo que as partes isoladas precisam estar em relação entre si para compor um sentido completo. Uma absorção da realidade pode ser completamente distinta de outra, ainda que esteja composta pelos mesmíssimos elementos, porque há uma configuração que modifica todo o sentido daquilo que vemos. Mas é aí que temos o pulo do gato. A mente tem a faculdade, mas não a obrigação, de aceitar a totalidade que percebe. Quando olhamos a cartela de carimbos das cidades visitadas na Estrada Real, podemos justamente nos voltar para o buraco que falta, e não para os campos já preenchidos. Isso traz uma sensação incômoda de que falta alguma coisa naquela configuração, de que há alguma engrenagem que não gira e é justamente isso que nos move a completar aquela lacuna, o que nos trará a confortável dimensão de estabilidade.

Em certa medida, isso ajuda a explicar por que temos uma sanha interior de buscar as completudes, e há uma normalidade nisso, já que há seus propósitos biológicos e psicológicos no dimensionamento complementar da realidade que absorvemos. O propósito de fazer coleções fica razoavelmente fundamentado por esse princípio, além de outros fatores, como vaidade e aspectos afetivos. O problema está quando passamos do ponto, e o que era um hobby passa a ser um sofrimento de múltiplos aspectos.

Por exemplo: o carimbo que falta no passaporte da Estrada Real pode produzir um planejamento que me fará economizar dinheiro para obtê-lo nas próximas férias, o que é bom e normal. A questão chega quando ocorre uma compulsão que me leva a um endividamento para consegui-lo, ou faltas ao serviço, ou hospedagens perigosas. Imagine a situação de uma pessoa que chega ao posto de registro e o encontra fechado. Em níveis normais, nada mais ocorreria do que ficar levemente puto, e voltar outro dia. Uma pessoa acometida de um transtorno certamente terá sua viagem estragada, que por vezes é cara, pelo fato prosaico de não conseguir um canalha de um carimbo, estampado com tinta vagabunda (ou não). O mesmo ocorreria comigo se eu me pusesse a fazer carnês e deixasse de comprar meu feijãozinho sagrado para comprar os caríssimos métodos italianos. Há um ponto em que precisamos conter os nossos ímpetos, para o bem de nossa vida como um todo. Mas pode ser pior.

O extremo desses transtornos está naqueles que recentemente começaram a ser chamados de acumuladores. Eu já falei sobre acúmulos neste espaço, especialmente porque eu tenho uma pessoa bem próxima dada a esse hábito - minha sogra. Tudo quanto é cisco e caco sem importância ela guarda, achando que poderá ter serventia em algum momento, e isso a leva a preencher quartos, quintais, corredores, fundos de cama, mesa e qualquer espaço minimamente disponível de objetos que obviamente não terão utilidade alguma. Convencer uma pessoa com esse nível de transtorno a se livrar de alguma de suas porcarias é missão quase impossível. Meu sogro teve brigas homéricas porque jogou fora alguma coisa largada que achou ser lixo, e, para não esquentar a cabeça, simplesmente largou mão de tentar algum argumento. O caminho da cama para o guarda-roupa é uma picada por onde há ameaça de avalanche em qualquer esbarrão, que às vezes acontecem. Não adianta fazer menção a qualquer espécie de aconselhamento psicológico, porque sua já decantada fúria é imediatamente despertada.

Não vou discutir a terapêutica aplicada a esses casos, porque eu não tenho conhecimento para tanto, mas a própria teoria da Gestalt, a meu ver, oferece propostas de solução, tanto para a situação das compulsões, quanto dos acúmulos. Vamos então dar uma olhadinha nisso.

O psicólogo Fritz Perls é um crítico da Psicanálise, para quem o linguajar utilizado é tão hermético que impossibilita qualquer interessado em compreender suas teses. O problema é que, segundo ele, sob essa linguagem maquiada e pernóstica, há longas dissertações sobre o óbvio, e então era de maneira óbvia e simples que deveria se expressar. Além disso, ele discorda de que o inconsciente seja tão preponderante sobre o equipamento psíquico, a ponto de tornar a instância consciente um navegante de um barco sem leme. Vê que a mente funciona com um mecanismo de compensação semelhante ao que acontece com toda a parte fisiológica do corpo, e dá exemplos disso. Quando há qualquer desarranjo que provoque um mal para o organismo, ele mesmo procura, através dos mecanismos que têm disponíveis, recuperar seu equilíbrio. Isso acontece com alterações de pressão, ritmo cardíaco, níveis de açúcares e tantos outros fenômenos sujeitos a intempéries, que acontecem o tempo todo, porque outras ocorrências mais prosaicas, como satisfazer a fome, também causam um desequilíbrio que clama por normalização. A doença ocorre quando não é possível restabelecer seu status normal. Por exemplo, quando os níveis de glicose não são levados a certo nível após um período de jejum, temos a diabetes, que espalha desgraça por todo o corpo quando não tratada. Essa busca por estabilidade é chamada de homeostase e também pode ser incluída no nível mental.

Tá. Mas como a psique resolve seus desequilíbrios? A primeira coisa é que temos a tendência de perceber totalidades, mas isso não significa que esse processo se dê sem perturbações. Tudo vai depender das necessidades circunstanciais que temos em um momento, de modo a processar a realidade circunstante e satisfazer as nossas necessidades. Isso fará variar o conceito chave da Gestalt conhecido como figura-fundo, que nada mais é do que aquilo que nossos sentidos absorvem em primeiro plano em qualquer circunstância que demande sua atenção.

Eu vou usar como exemplo uma música. Imagine-se chegando no fim da tarde em sua casa e colocando os fones de ouvido, antes de deitar-se no sofá. Você escolhe uma música no LP que você acaba de colocar no prato, mais especificamente na faixa Time do álbum The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, bem conhecida para facilitar nossa dinâmica. Coloca a agulha no artefato e repousa o corpo sobre o sofá, já descalço e com as luzes apagadas. Lentamente, vai começando a penetrar uma massa sonora em seus ouvidos, mas ela não vem em um bloco estanque. A princípio, é fácil, apesar de assustador. O ribombar dos despertadores nos traz a um estado de alerta, sem que consigamos fixar um foco em nenhum deles, até que ouvimos a estranha percussão que simula as batidas de um coração, que puxa toda a atenção para si. A instrumentação começa espaçada, seguindo o ritmo já imposto. Neste momento, já perdemos parte da atenção na percussão e a levamos para o conjunto de baixo-guitarra-teclado. Quando a introdução acaba e o corpo da música irrompe, somos puxados pela parte vocal e pela poesia que carrega consigo. Isso vai persistir até o magnífico solo de David Gilmour, que chama para si todo o eixo atencional do audiente, até o retorno da melodia cantada e, enfim, sua conclusão. Pois bem. Tudo aquilo que chamou nossa atenção central é aquilo que chamamos de figura, e tudo o que ajudou a compor o ambiente, sem, no entanto, ficar no centro, é o fundo.

Notem duas coisas. Primeiro, é possível a qualquer um mudar a figura nessa configuração, bastando que lancemos conscientemente nosso foco para outro ponto. No momento do solo, por exemplo, podemos aguçar os ouvidos para absorver o trabalho de teclados que está sendo feito e, nesse caso, ele é a figura, enquanto a guitarra fará parte do fundo. Segundo, movido por interesse próprio, também é possível que a figura já seja outro instrumento, motivado, por exemplo, pelo fato de ser um baixista ouvindo a música e, nesse caso, a figura são as linhas de baixo, enquanto o solo vai para o fundo.

Essa relação figura-fundo, ou seja, de ênfase no que se percebe, pode ser uma boa explicação para as compulsões dos colecionadores. Enquanto você exibe a cartela cheia de carimbos, uma pessoa em situação de equilíbrio emocional verá como figura o monte de quadradinhos preenchidos, e os buracos estão no fundo. Eles somente serão notados secundariamente, em um momento de análise mais profunda. Já para quem não se conforma com os claros, são eles que constituem a figura, sendo que tudo o mais que foi realizado fica para o fundo. A percepção de totalidade dessa pessoa estará turvada pelo desequilíbrio, e a auto-regulação psicológica não consegue resolver o desequilíbrio, a homeostase não se dá, e aí temos a condição patológica. Idem com o acúmulo. Aquele monte de quinquilharia está suprindo algum tipo de desequilíbrio contra o qual o contribuinte não consegue lutar. Perls entende que é através do reconhecimento da maneira como se dá a configuração entre o contato que fazemos com nosso ambiente que permite assumir certas responsabilidades sobre nossas reações. Se eu sei que uma partida de futebol modorrenta me irrita, saber refazer a sua configuração é a solução para que o desconforto diminua: olhar o movimento da torcida, procurar algum anúncio novo, ou mesmo praticar um autocontrole, tudo isso ajuda. Nessa ótica, os próprios transtornados têm condições de mudar a configuração de suas compulsões, observando, por exemplo, o quanto a sua casa poderia ser mais espaçosa e confortável tendo menos acúmulos.

De uma forma ou de outra, repito que não me incomodo com quem tem suas coleções, desde que não se tornem grilhões. Bons ventos a todos!

Recomendação de leitura:

O principal papa da gestalt-terapia é o alemão Friedrich (Fritz) Perls, que levou as ideias da Gestalt para o consultório e lá fez interessantes observações.

PERLS, Fritz. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

De volta às águas e trilhos que ficaram para trás – 3º lugar: Virgínia e os tabus que persistem desde sempre

(Tabus acabam perdendo seus sentidos, mas continuam mantendo suas ações)

“O mais singular é que quem chega a violar uma proibição dessas adquire ele mesmo a característica do que é proibido, como que assumindo toda a perigosa carga. Tal força é inerente a todos os que são algo especial, como reis, sacerdotes, recém-nascidos, a todas as condições excepcionais, como os estados físicos de menstruação, da puberdade, do nascimento, a tudo o que é inquietante, como a doença e a morte, e ao que a eles se relaciona por força de contágio ou difusão”.

Freud

Olá!

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Era hora de descer um pouco no mapa, mas não na altitude. Quando estive mais para os lados de Itajubá, tive a intenção de chegar até o ponto onde estou agora (em termos de texto), mas acabei não indo até lá por um motivo mais ou menos prosaico. Como eu tinha um pote com cinco quilos de pasta de marmelo no carro (vide aqui), achei pouco prudente ficar flanando embaixo do sol quente com tão delicada carga. Sendo assim, e levando em consideração que esta é uma viagem com propósito de resgate de lugares intentados, mas não visitados, apontei meu nariz para lá - a pequena cidade de Virgínia.

Virgínia fica encravada em região montanhosa, com altitude média de quase mil metros em relação ao nível do mar, cercada por morros que ainda preservam alguma vegetação natural, o que lhe dá um certo frescor mesmo nos dias mais quentes.

Nas redondezas do núcleo urbano, há algumas cachoeiras boas para vista e banho. Eu fui com a patroa na Cachoeira do Caeté, fácil de chegar por ficar na beira da estrada que vai a Marmelópolis.

O poção formado pela queda gera uma piscina natural de água muito gelada, mas muito favorável para molhar as costas. Seu desembocadouro passa por baixo da ponte da estrada, dando origem ao Ribeirão Caetê que, mais abaixo um pouco, forma o Poço do Caracol.

Também na beira da estrada, e ao lado da cachoeira, começa uma trilha de dificuldade média, especialmente pelos seus trechos íngremes. Como não é lá muito utilizada, tem suas picadas bastante fechadas de mato.

Falando da parte urbana, Virgínia possui um minúsculo restaurante que se tornou, para mim, a perfeita síntese do que é comida caseira de fé e de fato. Esse é um designativo muito utilizado, para trazer a ideia de que é uma comida feita com carinho e cuidado, etc. Mas vamos falar a verdade. Um rondelli quatro queijos pode ser feito com todas essas características, mas não dá para chamar de comida caseira, pelo simples motivo de que é comida de festa, feita nos finais de semana. Neste lugar, temos a real.

Comida caseira é aquela do dia-a-dia, que o cozinheiro faria para si, no almoço quotidiano, mas em quantidade maior, para servir àquele que vem à sua casa. O que temos aqui é exatamente esse básico trivial, com um sabor e abundância tipicamente mineiros.

No arremate, um docinho de amendoim feito ali mesmo, mais uma vez uma especialidade sul-mineira que virou até atração turística em outra cidade, onde já estendi meu cadáver e minha vã filosofia – Piranguinho.

Vamos começar a tangenciar o tema do texto de hoje. A cidade recebeu esse nome como uma dupla homenagem. A primeira, à Imaculada Conceição, padroeira do município, que remete à concepção virginal de Maria desde o seu nascimento. A segunda, às matas originais encontradas pelos primeiros portugueses que lá chegaram, praticamente intocadas dada à dificuldade do terreno. A cidade se origina do pedido de doação de terras para se erigir uma paróquia, que originou a igreja matriz.


O busto do Monsenhor Dalísio Batista Dini (que eu pensei ser o padre que pediu a doação) na praça Cônego Monte Raso demonstra a importância e a influência da Igreja Católica na formação da cidade.


A tal praça tem todos os itens característicos, como bancos, o coreto e o comércio local nas ruas lindeiras.

Tal reverência à figura de uma característica específica de uma santa, elevada a ponto de dar nome à cidade, é algo digno de nota, e obviamente me põe a pensar. Já logo de cara quero separar os pontos de fé e da constituição da identidade local de qualquer observação que eu faça e que não vá coadunar com o pensamento geral desta comunidade. Dito isso, e com as devidas vênias, vamos tratar da questão da virgindade nos dias de hoje.

Uma cabeça como a minha sempre tem algumas dificuldades em compreender certos valores, mas o fato é que eles são importantes para determinadas pessoas. Nesse caso específico, precisamos começar tudo distinguindo o porquê de que ser virgem seja considerado valoroso. Quando se levanta a pergunta, a primeira afirmação vem na pureza. A virgindade é não só uma questão de concreção, mas de simbologia.

Mas aqui temos o problema do símbolo que se concretiza. Não basta que falemos em uma pureza simbólica, que está no espírito, nas intenções, na consciência e mesmo no meio termo – nas ações. A decantada pureza precisa estar no corpo, ele precisa estar realmente intocado. O sexo carrega algo de sujo, como se tirasse da pessoa uma virtude que não se devolve mais.

Isso é uma engrenagem geratriz de inúmeros problemas. A primeira questão é que há um status de irreversibilidade em quem a perde, já que não há como voltar atrás. Eu lembro em meus tempos de juventude que era comum encontrar em certas revistas (aquelas) um produto denominado “virgin again”, ou seja, virgem de novo. Obviamente não era recriado um hímen do nada, mas a tal poção mágica prometia causar uma leve contração na genitália da mulher, de modo a estreitar o canal e simular a dificuldade da penetração. Não sei se funcionava, nem se fazia bem, só sei que denuncia bem a importância que se dava para esse tipo de coisa naquele momento*. Era como se uma membrana resumisse a personalidade da pessoa.

Aquela década de 80 era a época em que estávamos sentindo os reflexos da revolução sexual, causada especialmente pela descoberta da pílula anticoncepcional duas décadas antes, um fármaco que impedia gravidezes indesejadas, talvez o maior impeditivo para uma maior liberdade sexual. O sexo se torna passível de melhor controle pelos próprios protagonistas, e isso, lentamente, teve seu impacto sobre o comportamento dos casais enamorados. Eu lembro bem. Minha mãe era do tipo cabeça aberta, e mesmo ela relatou que se casou virgem, já que ficar “mal falada” era um castigo não só para a mocinha, mas para a família toda. Já no meu caso, havia uma prática que chamaremos de mista. Após um namoro mais ou menos firme, a coisa costumava acontecer. Raros, muito raros passaram a ser os casamentos sem sexo anterior. Eram muito comuns os descuidos que redundavam em embriões, e, neste caso, o casamento era quase sempre de rigor.

Embora hoje a questão esteja mais relativizada, o fato é que ainda persiste uma importância no assunto que não faz mais sentido (nunca fez). Para dar algum exemplo, o regime de dote, que somente saiu do Código Civil a poucos anos, tinha muito a ver com a proteção ao noivo de não encontrar uma noiva intacta. Só que himens complacentes e rompimentos sem sangue fizeram a infelicidade de muita gente inutilmente, porque são naturais, mas frustravam a expectativa de uma mancha no lençol.

A questão é que costumes arraigados, ainda mais quando apoiados por um sistema religioso, são um diabo para serem modificados, mesmo que se provem retrógrados. Já pude falar sobre o confronto entre tradição e atraso, e é exatamente o problema que temos aqui. Isso acontece porque, em boa parte, manutenção de uma determinada situação significa manutenção de status quo e de poder. Nós nunca observamos movimentos conservadores de quem não detém nenhum dos dois, a não ser que esteja profundamente manipulado.

Mas o fato é que há alguma aceitação desses ditames ainda hoje, e somente uma cadeia externa à própria sexualidade consegue fazer com que práticas naturais sejam indesejáveis, que vem na forma de vetos morais. De onde se originam essas proibições? De onde tiramos que certos atos são ruins em si mesmos, ainda que não se achem propósitos tangíveis para tanto? Talvez tenha a ver com o conceito de tabu. E, sim, vou partir de um inesperado Freud antropólogo para procurar o que ele quer dizer.

Tabu é uma proibição de origem religiosa dada pelo impedimento com o contato com algo considerado sagrado. Embora de modo antropologicamente criticável, é possível rastrear, de certa forma, como há mecanismos de unificação de símbolos que representam simbolicamente uma comunidade através da observação da dinâmica tribal.

(Abram-se parênteses para uma pequena explicação. Freud vivia em uma época em que a corrente antropológica vigente, banhada pela influência do Positivismo, entendia que as sociedades evoluíam como em uma espécie de scala naturae, onde o homem é o ápice da evolução das espécies. Da mesma forma, os povos europeus estariam no ponto máximo da evolução das sociedades, enquanto as ditas sociedades primitivas ainda precisariam passar pelas etapas que já haviam sido vivenciadas pelos da Europa. As escolas posteriores, compreendendo que a própria evolução não tinha o sentido de linha reta, perceberam que não havia essa coisa de sociedades mais ou menos evoluídas, e que, se existiam contemporaneamente, significava que eram igualmente evoluídas, com suas diferenças sendo explicadas pelos fatores ambientais e históricos pelos quais passaram cada uma delas. É eurocêntrico? É. É discriminatório? É. Mas é preciso ter em mente que era o pensamento de então, o que nos obriga a relativizar em certa medida essa cosmovisão. Fecha parênteses).

Freud observa as tribos australianas que, a seu juízo, apresentam-se em um estágio anterior de evolução social em comparação com a Europa (na verdade, poderíamos considerar que os aborígenes vivem em outra amostra de desenvolvimento humano, ainda que compartilhando a mesmíssima estrutura humana dos europeus). Nelas, percebe-se como as diversas comunidades internas se dividem em grupos menores, que são coligados por um elemento que tem algum significado comum para aquelas pessoas. Esse elemento pode surgir das mais diferentes formas: pode ser um animal a quem todos temem, uma árvore que fornece frutos, uma pedra da qual brota água, um fenômeno natural recorrente e muitas outras formas de presença comunitária. Esse elemento é o totem, uma força unificadora daquele clã específico.

É como quando especificamos um ponto de referência que identifica a rua em que moramos: a Rua do Limoeiro da Turma da Mônica tem esse nome, certamente, porque lá existia um limoeiro em destaque, porque dá limões, porque dá sombra, porque as crianças se divertem subindo nele, porque os adultos usam suas cascas como remédio, porque seus galhos dão lenha fácil, porque a identifica aos forasteiros, por esses ou outros motivos. Notem que, mesmo que se retire o limoeiro, aquela continua sendo a Rua do Limoeiro, porque ele está totemizado, ou seja, em ocupação do “espírito” dos que lá vivem, que se torna hereditário não só pela sua presença, mas pela lembrança que deixou e que vai sendo transmitida de geração a geração, até que o referencial direto se perca da memória testemunhal e dos relatos, mas mantendo seu mesmo poder de referência, não mais ao objeto concreto, mas à identidade comunitária.

Quando pensamos em totem, lembramos daquelas imagens esculpidas em madeira típicas das tribos indígenas norte-americanas, muito por conta do cinema ianque. Ele existe como representação sagrada, como um substituto concreto para o limoeiro da Rua do Limoeiro, que não existe mais por conta de doença, de machadadas, de raio ou outro motivo qualquer. Na Rua do Limoeiro não há um tronco entalhado, mas pode haver outras representações, como a própria placa com o nome da rua, ou a casa onde ficava o tal. O que é mais significativo está no subconsciente das pessoas que se identificam com o símbolo.

Só que essa é uma simplificação apenas para começarmos a conversa. O símbolo totemizado ganha tal significado para aquela tribo de forma a se tornar, ele mesmo, a própria tribo. Destruir ou permitir que se destrua o totem tem a igual correspondência a se destruir a tribo em si mesma. As pessoas podem continuar a existir, mas já sem a identidade que lhes dava caráter comum. Já pensou se você tiver deu RG rasgado e lhe ser dado outro? Toda a sua história iria para o mesmo lugar da sua identificação. Por isso mesmo, há uma autêntica rede de proteção instintiva ao redor do totem, que é composta por inúmeras relações construídas de forma a mantê-lo, mormente na forma de vetos e proibições. São estes fenômenos que chamamos de tabus.

As interdições dos tabus são muito sérias, porque, em tese, são ações que representam perigo ao totem e, por extensão, ao clã. Não são mais riscos tangíveis, mas que mexem no psicológico coletivo daquela comunidade, e, quanto mais distanciados dos motivos pelos quais foram gerados, mais difícil fica de rastrear suas origens, e, por consequência, como desmistificar sua irracionalidade. Chega um momento em que não há mais motivo para o tabu. Mas ele resiste.

Percebam que todo esse processo não são as religiões propriamente ditas, mas é um componente vital no seu nascedouro. Enquanto rituais e cerimônias estão no polo ativo de reverência ao totem, os tabus são aquilo que não se deve fazer por honra ao totem, e os livros sagrados são, em boa parte, manuais de interdições: não faça isso, não faça aquilo, não perca a virgindade.

Se este é o processo que está no nascedouro de todas as religiões, deverá estar também nas origens das abraâmicas, o que significa que totens e tabus também estarão nas camadas inferiores da civilização ocidental, ora como não? Não é muito fácil detectar a sua formação, porque, embora existam registros escritos, o fato é que estes começam a existir quando já temos todo o substrato consolidado, de forma a não termos mais um vínculo consciente do totem, já devidamente transformado em deus. O que podemos depreender é que, pelos próprios escritos sagrados, a centralidade totêmica era masculina e endógena, corroborando, a uma, pelo gênero do deus e pela vilanização do seu oposto, e a outra, pela ideia de povo escolhido.

Nas culturas abraâmicas, temos um grande conjunto de impedimentos de ordem sexual, que estão incluídos no conceito genérico de pecado. A lista deles é grande, mas, se você perguntar a qualquer um sobre um exemplo, a chance de se falar em fornicação, traição, “homossexualismo”, luxúria ou outras coisas com vínculo à sexualidade será muito grande. O relato do casal original bíblico, ainda que seu pecado tenha sido o da autossuficiência, é resumido pelo reconhecimento de sua nudez. Isso indica que o totem era carregado desse tipo de conotação: o sexo era cercado de tabus.

O caminho permissivo passa pela reprodução. A relação legítima é realizada dentro de um casamento do qual existe a possibilidade da criação de descendência. Qualquer outro tipo de relacionamento fica no longo rol de interdições, que passa por tudo: sexo anal, felação, masturbação, coito interrompido, homossexualidade. Outros vetos vão no sentido de se assegurar o limite das relações indesejáveis para a manutenção patrimonial - sexo extraconjugal, sexo grupal, poliandria. Quem comete o veto passa a ser, ele mesmo, o próprio veto. Pessoas impuras tornam impuras aqueles outros que o tocam, o que é algo muito doloroso. Talvez apenas as relações incestuosas possam ser consideradas mais aberrantes do que o sexo que não tem como principal finalidade a geração de filhos. Tanto é que a falta deles é considerada uma grande desgraça.

Os abraâmicos, se confrontados com Freud, vivem uma situação oposta com relação ao incesto estendido. O psicanalista entende que o tabu pode ser verificado não somente na relação direta com pais e irmãos, mas com os demais membros do clã. Se pensarmos em termos evolutivos, é bastante bom que os relacionamentos não se deem exclusivamente no clã, porque a variabilidade genética é favorável à resistência às intempéries, e isso ocorre com qualquer espécie, não só com os humanos. É claro que isso não fazia sentido a indivíduos que nem sonhavam com a existência de genes, mas se absorveu aos poucos com uma difusa observação empírica. Já as antigas tribos abraâmicas, com o conceito de povo escolhido, tendiam a se manter mais dentro de seu próprio território. Talvez a sanha reprodutiva do sexo lá praticado se dê pela necessidade de expansão demográfica, mas aqui ocorre o sumiço do limoeiro da Rua do Limoeiro. Os tabus se mantêm, ainda que não haja mais motivadores para eles.

A virgindade acaba se tornando um grande certificador de que as coisas estão se dando dentro das regras. Ela impede que se realize sexo antes do casamento, que se identifique aquelas que descumpriram a regra, que o par seja escolhido de acordo com os critérios familiares (e, por extensão, da tribo), sendo que inclusive haja na defloração um rito de passagem, como se fosse um batismo: a outrora menina é, doravante, uma senhora. Até hoje, esse é o efetivo cumprimento do sacramento do matrimônio, embora os catecismos ensinem que o “sim” dos noivos seja a sua matéria. Fosse diferente, não seria admissível a anulação do casamento por força de sua não consumação.

Há tanta força nesse tabu que a mais famosa de suas profecias, a vinda do Messias, passa pela virgindade de sua mãe. Isso não é só uma coisa extraordinária, mas um contrassenso, como captou Fernando Pessoa sob o heterônimo de Alberto Caeiro**, o que indica que ser virgem tem mais importância do que ser mãe. A virgindade é mais importante que a maternidade, impressionante.

Portanto, a virgindade é a garantia de que não se deu uma relação imprópria; não no sentido estrito dos laços sanguíneos, mas no sentido lato dos laços tribais. É ainda a garantia de que há um pertencimento, mesmo que involuntário. Pena que se aplique apenas às mulheres. Como vocês bem perceberam, eu vou me referindo ao longo deste texto a uma situação que é típica para mulheres, mas que não deveria ser exclusiva delas. A um homem, a virgindade é, quando muito, desejável, mas sabemos que culturalmente a religião é varrida para baixo do tapete e os próprios pais se encarregam de levar os filhos para “virarem homens”.

As coisas levam muito tempo para se desfazerem. O tempo é como aquela barca que manobra aos poucos, e não como o skate que gira em 180 graus em um golpe de pé de seu condutor. Em um momento do futuro, não só as mulheres terão liberdade plena sobre seus corpos e seus desejos, mas poderão fazê-lo sem julgamentos. Por enquanto, vivemos os duros tempos de transformação, os piores, aqueles em que não se deixou um lugar, nem se chegou a outro.

Mal falei de Virgínia em si mesma, cidade pacata e de ótima comida, com as belas paisagens típicas da Mantiqueira, mas é das pequenas coisas que nos surgem os pensamentos mais transformadores. Insisto que só me veio a inspiração para tratar do tema em razão de meus próprios devaneios, e procurei fazê-lo pelas coisas que estudei, e não por qualquer ponto que possa desabonar a pequeninha urbe que acabo de conhecer. Todas as coisas que falei acima, um dia estiveram nas minhas opiniões, e só um aprofundamento nos porquês faz com que questionemos se nossas convicções estão corretas. Bons ventos a todos!

Recomendação de leitura:

Vai para o livro de Freud, embora eu tenha o utilizado como um mero impulsionador.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. Contribuição à História do Movimento Psicanalítico e Outros Textos. Col. Obras completas. Vol. 11. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

* Sim, eu pesquisei e a tal mezinha constritiva ainda existe.

** Trecho do poema que trata do assunto:

“(...) Nem sequer o deixavam ter pai e mãe como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas

Um velho chamado José, que era carpinteiro

E que não era o pai dele;

E o outro pai era uma pomba estúpida, a única pomba feia do mundo

Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter

Não era mulher: era uma mala em que ele tinha vindo do céu 

E queriam que ele, que só nascerá da mãe 

E nunca tivera pai para amar com respeito 

Pregasse a bondade e a justiça.”

O guardador de rebanhos – VIII – Num Meio-dia de Fim de Primavera