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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ano velho, ano novo

Olá mais uma vez!

Este ano está na boca de acabar. O clima é festivo, já que acabamos de sair do Natal. Ontem, fui dar um rolê geral pela cidade para ver as iluminações, giro este que eu ainda não tinha dado. Tá tudo muito bonito, mesmo. Em especial a Avenida Paulista, onde o trânsito estava muito complicado, mesmo às 23:00, um pouco pelos carros que observavam os enfeites, um pouco pela organização da festa da virada de ano. Mas o sabor já está um pouco de pizza fria (adoro pizza fria!). O Natal já passou e o ano novo não tem o mesmo charme.



Já dei uma dica do que eu penso sobre a virada do ano. É um tanto desmotivada, não tem muuuuuuuuuuito sentido. Uma vez li um artigo da psicanalista Maria Rita Kehl que definia brilhantemente meu pensamento sobre esta data (Pena, não consegui achar o texto). Em resumo, ela questionava o seguinte: se o ano foi bom, por que estamos alegres pelo seu fim? E se o ano foi ruim, o que há a comemorar? É isso mesmo, a virada de ano tem de fato um componente melancólico, com seus fogos que parecem esconjurar o passado ou comemorar a chegada da incerteza.

Não há como não se reportar a Renato Russo, o nosso compositor mais filosófico: não há amanhã. E, por isso mesmo, é preciso amar as pessoas.
Em cada ato, é preciso colocar o amor. Procuro amar as pessoas ao meu redor, embora nem sempre seja possível ou não consiga fazê-lo como devia. Todos os dias, procuro falar “Boa noite” à minha esposa e meus filhos. Faço questão de levá-los até a porta quando vão sair, ou que façam o mesmo comigo. Beijo e abraço meus afilhados efusivamente, cumprimento pessoa por pessoa de meu convívio, tento exemplificar o que espero de cada um deles. Procuro, enfim, estabelecer o melhor convívio ao meu alcance. Tento ajudar a todos os que me pedem. Não sei até quando isso será possível, não há amanhã. Por isso, é imprescindível que o amor seja manifesto hoje.

Sou meio crianção, às vezes perco os parâmetros, mas quando alguém me impõe um limite eu procuro respeitá-lo. É preciso saber que não somente eu tenho sentimentos, e é preciso cuidado para não ultrapassar o ponto.

Ah, Schopenhauer e suas representações... Como é complicado adequar o que é desejado ao que é possível! De toda forma, e já que a data existe e é considerada tão importante, também me vestirei de branco, também brindarei, abraçarei às pessoas que estiverem comigo, as beijarei e desejarei um ano novo melhor. 2011 não foi grande coisa, 2010 foi terrível, é melhor crer que 2012 será verdadeiramente bom, que o amanhã haverá, que me será dada a possibilidade de continuar amando as pessoas como se não houvesse amanhã. 

Não adianta ficar especulando sobre a vontade inesgotável, sua insaciabilidade e conseqüente angústia. Não tenho vocação para asceta.

Um feliz 2012 a todos, fiquem com Deus!

Cultura coletiva e psicopatia

Olá,

Tenho recebido através de e-mail algumas manifestações sobre a conveniência e até mesmo a necessidade social do porte de armas. Compreendo essa posição, em especial em um país com leis frouxas e ineficiência estatal na gestão do combate à violência. Nessas circunstâncias, a defesa pessoal é a única coisa a ser feita mesmo. Porém, é preciso tomar cuidado com o uso indiscriminado de armas e com o acesso da população em geral a elas. As causas da violência são tão amplas que nenhuma lei ou regra será capaz de prever todas as circunstâncias possíveis.

Em abril deste ano, escrevi o texto abaixo em outro blog, baseado nos acontecimentos de triste memória em uma escola fundamental do Rio de Janeiro. Procuro correlacionar o desmanche das instituições coletivas com os casos de violência movidos pela alienação do mundo moderno. O texto está praticamente na íntegra. Vamos a ele:

"Já foi decidido o que será feito com relação à procissão do Domingo de Ramos: não haverá procissão de Domingo de Ramos. Teremos a Virada Cultural.
Peço, no entanto, cinco minutos de atenção.


Será que podemos fazer algum tipo de relação entre o que não acontecerá mais no próximo domingo e o que aconteceu esta semana no Rio de Janeiro?
(Abro parênteses: no dia 07/04/2011, um jovem de nome Wellington Menezes de Oliveira matou 11 crianças em uma escola no Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, em um ato muito semelhante a vários casos ocorridos pelo mundo afora, em especial nos EUA).

Infelizmente sim.

Em todos os casos semelhantes ao que aconteceu na escola carioca, só conseguimos achar um ponto em comum: foram delitos praticados por pessoas solitárias. Não é a solidão de quem contempla uma obra de arte, ou se absorve em um livro, ou se põe a refletir seriamente sobre uma questão. É a solidão de quem fracassou.

Que fracasso seria esse? Ora, vivemos em uma sociedade baseada na dicotomia individualismo-sucesso, um sucesso que precisa ser alcançado cada vez mais cedo, sem maturação, sem considerar a hipótese de que as coisas podem não dar certo. E são gerados ídolos como Justin Bieber, Neymar, Sebastian Vettel, Luan Santana, Miley Cyrus. Será que todos nós conseguimos nos enquadrar em um perfil desses?

A verdade é que o sucesso do indivíduo não representa o sucesso do coletivo. E nós perdemos a dimensão do coletivo. A maior prova disso é a Virada Cultural, que será realizada em pleno Domingo de Ramos.

Toda liturgia é realizada por uma comunidade, não existe celebração de uma pessoa só. Nas igrejas, resta um dos últimos espaços públicos que ainda temos ao nosso dispor. Uma cerimônia é sempre a realização de uma coletividade, de uma comunidade, como eram as partidas de futebol feitas na rua, ou uma festa junina, ou um cordão carnavalesco, coisas que já não existem mais. Lá, as gerações mais antigas transmitiam seus valores e seus costumes às gerações que estavam chegando, e assim era escrita a história de uma cidade, de uma etnia, de um povo.

Hoje, temos a Virada Cultural. Cultural... Não creio que veremos os pais levando seus filhos à uma rave, os avós levando seus netos à uma balada. Há uma desagregação, que nem mesmo o fato da formação de grupos de amigos resolve. A tradição se quebrou, a história se rompeu. Uma pista de tecno não é um salão de dança. Cada um dança por si, não há um entrosamento entre pares ou trios, ou pequenos grupos. Podem rir à vontade, mas uma quadrilha caipira contava uma história, era uma dança com significação, por mais ingênua que fosse. E uma rave, o que nos diz? Que legado nos deixará?

Deixará o legado da individualidade. Quem não deixará de participar do começo da Semana Santa por causa da Virada Cultural? Quem participará do coletivo, do comunitário, do compartilhado? A regra será se divertir ao máximo, conseguir tanto prazer quanto for possível. Qual o espaço do coletivo, se a satisfação é individual?

A quem não tem para si a comunidade, só resta o individualismo. Só que o individualismo traz consigo a solidão. Confundimos individualidade com individualismo. Um homem procura se formar sozinho, mas tem necessidade de se relacionar com o meio, um meio que cobra sucesso a qualquer preço. É preciso saber o quanto cada um consegue suportar de fracasso e solidão. Este rapaz carioca não suportou o peso de sua desgraça. Tenho muito dó do que aconteceu com as crianças, é inevitável que eu me coloque no lugar dos pais delas, tenho filhos e afilhados que acabaram de deixar de ser crianças. Morro de raiva dos Nardonis, do Misael, do Pimenta, do Chambinha e de muitos outros, mas não consigo ter raiva deste rapaz. Parece-me (veja, estou falando de um fato 'fresco', podem aparecer desdobramentos que mudem minha opinião) que o Wellington não teve suporte psicológico para fazer frente às suas dores, enlouqueceu. Não agüentou o fracasso que uma sociedade baseada no valor do indivíduo lhe impôs.

O que teria acontecido se este rapaz tivesse consciência de sua função na comunidade? Será que teríamos assistido a este ato tresloucado?

Uma comunidade tem a força de seus indivíduos somados, adicionado ao que ela por si só representa. A soma das partes, assim, é maior ainda que o todo. Impedir uma procissão de domingo de Ramos não representa apenas um insulto a uma coletividade religiosa. Significa, principalmente, que o nosso organismo social vive de fragmentos esparsos, que não se considera mais em seu todo. A Prefeitura tenta reunir as pessoas uma vez por ano, e, quando o faz, mete os pés pelas mãos, simplesmente desprezando um dos últimos atos que as pessoas ainda tem o prazer de realizar juntas.


PS: não sou contra a Virada Cultural, tanto que pretendo ir a alguns shows, mas lamento profundamente que a política de cultura da Prefeitura se limite a um evento anual, que se baseia mais na resistência física das pessoas do que na formação intelectual e na constituição de uma tradição cultural."

Recomendação de filme:

Por fim, recomendo um filme que investiga a fascinação dos estadunidenses com relação às armas de fogo, e dá enfoque aos casos em que são realizados grandes massacres por psicopatas. A semelhança é mais do que evidente.

MOORE, Michael. Tiros em Columbine. Filme. EUA, 2002. 180 min.

Selvageria e bailes funk

Mas a multidão não acompanhou a canção da garota. (...) A massa se movia devagar, como um único corpo, em direção à máquina que cintilava como prata. No rosto da multidão havia ódio. No rosto da multidão havia  um temor supersticioso. O desejo de aniquilação final estava no rosto da multidão. - Thea Von Harbou, in Metrópolis

Olá!

No final do mês passado, tivemos um caso muito triste que ocorreu em nossa cidade, o linchamento do motorista de ônibus Edmilson dos Reis Alves. Tive uma surpresa muito grande ao ver sua foto estampada nos jornais: eu o conhecia, dos tempos em que morava no Jardim Elba. Não associei seu nome de imediato; existem muitos Edmilsons e, na verdade, conhecia-o por seus apelidos: Paraná, Maringá ou Palmeirense. Peguei ônibus muitas vezes com ele, conversávamos em alguns momentos. Era um cidadão de boa paz, veterano daquela linha (314J – Liberdade/Parque Santa Madalena). Foi arrancado de seu ônibus e espancado porque se sentiu mal ao volante e colidiu com alguns carros e uma moto. Parece que chegou a ferir uma pessoa, o que motivou a barbárie.

Vamos tentar recorrer novamente a Freud para buscar uma explicação (Devo lembrar que escrevo, principalmente, para a juventude. Isso acaba por me levar a falar sobre alguns conceitos básicos. Àqueles mais letrados, peço um pouco de paciência).

Freud desenvolveu uma importantíssima teoria acerca do funcionamento psíquico. Para ele, o equipamento mental possui três divisões, com diferentes funções, a quem denominou de instâncias. A primeira, a mais ancestral, depositária dos instintos e desejos, foi chamada de Id. Nele residem os impulsos inconscientes, sede das atitudes impensadas, do imediato, das taras. É lá que estão situados os desejos, as pulsões agressivas e tudo o mais que nos torna semelhantes aos seres instintivos, que se movem sem articulações abstratas.

Em oposição à impulsividade do Id, temos o poder refreador do Superego, formado pela interiorização dos princípios e regras morais impostas pelo meio em que se vive. Também esta instância é inconsciente, e participa com um sentido de punição e de limitação à ação do Id.

Entre ambos, habita o Ego. Esta é uma instância consciente, racional, que busca estabelecer um equilíbrio entre o poder impulsivo do Id e a ação restritiva do Superego. Com isso, o Ego impede que haja o predomínio de uma das instâncias inconscientes sobre a outra. Um indivíduo com preponderância do Id assemelhar-se-ia a um animal, que busca atender seus instintos impensadamente; se fosse dominado pelo Superego, sofreria uma tal imobilização de suas ações que provavelmente procuraria a ocultação. Nesse sanduíche, portanto, o papel da fina camada de recheio do Ego é tornar a vida possível.



Ora, onde estavam a racionalidade do Ego e a repressão do Superego nesta hora? O assunto é muito complexo, e necessitaria de uma leitura muito mais profunda do que agora, mas vamos lá assim mesmo!

Como disse anteriormente, o Superego se forma a partir das contingências morais impostas pelo ambiente. Elas são absorvidas pelo indivíduo na medida em que suas ações, prioritariamente estabelecidas pelo Id, vão sendo reprimidas no decorrer de sua vida. O Superego breca o Id, e o faz de maneira inconsciente. Como nasce de circunstâncias externas ao indivíduo, é sumamente importante ter em mente que os freios do Superego dependem da sociedade em que se vive, e nesse ponto precisamos ter um olhar antropológico sobre a causa em questão. E, neste ponto, é preciso reconhecer que vivemos em uma cultura da violência. Vejamos alguns exemplos:

1. Em 2005, foi realizado um plebiscito para que se decidisse sobre o desarmamento. Em linhas gerais, sou contrário à consulta popular sobre temas tão pontuais, mas o recado passado foi tremendamente claro: a população brasileira prefere continuar ter à sua disposição um instrumento de defesa do que confiar na eficiência do poder institucionalizado para efetuar essa tarefa. Não discuto o resultado, mas tenho medo de que esse pensamento seja oriundo de uma tendência à violência residente no inconsciente coletivo do brasileiro;

2. Os filmes de ação estão prenhes de derramamento de sangue, de uma forma como nunca se viu antes. Não basta mais supor a situação de violência, é preciso que esta seja escancarada. Se as tripas não estão visíveis, se a cabeça não foi arrancada, se a arma não varou o corpo da vítima, não há satisfação, o filme é fraco, não é para “machos”;

3. O esporte da moda é o MMA, tanto que a própria rede Globo engoliu seus princípios e passou a transmitir estas lutas como eventos grandiosos, em que seu principal locutor é escalado para narrar as lutas. Não compreendo como esses espetáculos podem ser considerados esportes. O grande mérito do esporte está justamente em sua capacidade de exercer um combate simulado, onde a vitória não representa o massacre do adversário, mas sim a superioridade de uma das partes. Esse não é o objetivo do MMA, UFC ou coisa que o valha. O gozo só é atingido se o adversário cai desfalecido no chão. Se isso não é cultura da violência, então não sei qual é o nome.

Diante desse conjunto de circunstâncias, não é de se estranhar que as instâncias psíquicas limitadoras sejam mais laceadas, mais frouxas. E, em um grupo de funkeiros enfurecidos, basta que um deles saia do limite do razoável para que os demais o sigam, em um processo comum no ser humano chamado de mimese.

Mimese quer dizer imitação, e desta palavra originou-se o termo mímica. Já notaram que quando uma pessoa boceja várias outras também o fazem? É a mimese agindo, inconscientemente. O mesmo se presta à moda, às atitudes, é assim que se forma o inconsciente coletivo. Cerca de 20 pessoas, segundo os jornais, agiram no espancamento. Estas 20 pessoas agiram desmedidamente, desproporcionalmente, irracionalmente. E aí vem a minha grande questão: em um grupo de 300 pessoas, 20 foram para a porrada. Ok. E as outras? Por que não intervieram? O motivo é claro: também elas concordaram com a selvageria. E isso é o que mais me preocupa no caso.

Recomendação de leitura:

Como já disse anteriormente, Freud possui uma obra muito completa e complexa sobre a mente humana. Recomendo o seguinte livro para que se possa aprofundar um pouco mais em suas teorias:

FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. São Paulo: Círculo do Livro, 1985.

PS: que pena que o termo "funk" tenha se vulgarizado de tal forma. Tivemos excelentes artistas do gênero, como Parliament-Funkadelic, Earth Wind & Fire, Tim Maia e seu sobrinho Ed Motta...

Sobre as ilhas esparsas pelo oceano da indigência televisiva

Olá!

Eu tinha praticamente acabado este texto, mas dei uma recuada por conta do já famoso caso Rafinha Bastos X Wanessa Camargo, para aguardar os desdobramentos. Exageros de lado a lado e um final mais ou menos triste, na minha opinião. Os defensores do Rafinha dizem que o humor não pode ter limites, ele é transgressivo por natureza. Discordo.

Há alguns parâmetros que precisam ser seguidos, sim. Mesmo na guerra, os combatentes não bombardeiam as unidades da Cruz Vermelha, sob a desculpa de que estão tentando atender soldados inimigos. Idem quanto à honra e a segurança das pessoas. Espalhar um boato maldoso sobre uma pessoa, causar o mal a ela e depois se desculpar sob o escudo da liberdade do humor não é algo admissível. É irresponsável. Portanto, é preciso ter consciência de que se deve pagar o preço ético por sua subversão.

O pior de tudo é que foi apenas uma piada de mau gosto, sem propósito algum. Foi uma piada que, se feita em um boteco (e é feita aos milhares, sabemos disso), não teria consequência alguma, pois não sairia do campo do privado. Não procurou atingir a pessoa como artista (?), como filha de um famoso, como uma patricinha ou outra coisa qualquer. Atirar contra os políticos em questão de honestidade, por exemplo, tem todo o sentido. A classe faz por merecer, como podemos observar desde sempre nos noticiários. Mas não é o caso em questão. Por isso, vejo excesso em ambos os lados. Bastaria Rafinha pedir desculpas pelo inconveniente (como ele mesmo fez com a Daniela Albuquerque), e não precisaria gerar um processo judicial, sempre dolorosos, se houvesse alguma complacência do lado da Wanessa.

Bom, mas vamos ao texto em si. Há uns tempos atrás, comentei neste e neste post que gosto da programação da TV Cultura, e que os melhores programas da televisão brasileira são produzidos lá. Há vida inteligente fora do canal 2?
Há. Pouca, mas há. E o principal representante destes oásis nos desertos das idéias é capitaneado pela argentina Eyeworks, pelo CQC e seu melhor derivado: A Liga.


Vejam bem. Não há novidade propriamente dita nestes programas. Começando pelo Marcelo Tas, que desde o começo da década de 80 já fazia seu personagem Ernesto Varela embaraçar políticos, empresários e dirigentes esportivos com as perguntas mais cáusticas e inconvenientes. O mesmo vale para A Liga, importada do modelo argentino utilizado pela citada Eyeworks.

Qual é a mágica do formato, então?

Evidentemente, não há apenas um fator que influencia a qualidade dos programas. O fato de aliar humorismo e jornalismo abre aos repórteres/comediantes do CQC a possibilidade de chegar em pontos onde o jornalismo convencional não se permite. A reportagem sobre a televisão doada a uma escola em Barueri, que foi desviada para a casa de uma funcionária é um exemplo bem acabado do que estou falando. Procurem no Youtube e vejam. Não dá para imaginar a Globo mostrando uma reportagem deste tipo no Jornal Nacional. O reverso da medalha é que estas reportagens não são levadas tão a sério quanto deveriam, justamente por sua veia humorística. Acho que ainda vemos a realidade nacional pelos olhos da Vênus Platinada, e qualquer modelo que se oponha é visto com descrença. Mas os fatos são graves e reais, deveriam ser levados mais a sério, independentemente da abordagem ser sisuda ou humorística.

A Liga é mais temática, mais investigativa e melhor ainda como programa de televisão. Suas matérias investem no submundo de maneira menos sensacionalista do que fazem os Datenas da vida, mas muito mais próximas de nosso dia-a-dia do que as abobrinhas dos Domingos Espetaculares e Fantásticos (eca!). Afinal, a reportagem de relevo é aquela que gera conseqüências, como ocorreu na fantástica matéria sobre o trabalho escravo de bolivianos para as grandes confecções, inclusive multinacionais (pincelei esse assunto mui rapidamente neste post). A Zara, empresa espanhola que subcontratava prestação de serviços para sua marca, passou a ser muito mais criteriosa na escolha de seus parceiros após a exibição do programa, e essa é uma função social importante do jornalismo: denunciar à opinião pública que há crimes e contravenções sendo cometidas contra seres humanos.

Mas como A Liga consegue aproximação e desenvolvimento em temas tão polêmicos? Penso em muitos fatores, mas acho que a grande sacada é a inclusão do rapper Thayde na equipe de apresentadores. Com sua experiência nos diversos guetos oriunda de sua cultura rap, é de se supor que a sua opinião é decisiva no momento de conduzir a pauta. Isso é muito inteligente, principalmente se levarmos em conta que uma equipe jornalística/artística é composta em sua maioria por membros da classe média. Imagino que Thayde sabe, ao menos intuitivamente, os lugares e os momentos certos de encontrar os elementos adequados para desvencilhar os nós das reportagens às quais eles se propõem. Basta observar que muitas das matérias passam pela periferia, pelo centro degradado, pelo cortiço e pela favela. Ele fornece, desta forma, o “rebolado” necessário para pensar estas situações.

É por essas e por outras que a diferença entre as reportagens pasteurizadas do Globo Repórter e as desafiadoras d’A Liga são tão abissais.

Recomendação de audiência:

Procurem trechos dos programas citados no Youtube, em especial a reportagem sobre o sumiço da televisão na escola de Barueri. É nojento.

http://www.youtube.com/watch?v=8JEPp758JDE


PS: A bela ilhota que peguei para ilustrar este texto vem do endereço abaixo:

http://www.italia.it/fileadmin/src/img/cluster_gallery/mare/elba/Isola_d_Elba_-_Isola_di_Palmaiola.jpg

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Natal: três pontos para serem debatidos

Olá!

Tá chegando o Natal, época festiva em que a cidade fica ainda mais virada de cabeça prá baixo do que já é normalmente, por conta da correria das compras de presentes e guloseimas, já devidamente aí embutidas aquelas destinadas à virada do ano. Muitas atitudes, muitos modos diferentes de comemorar a data. Uns gostam mais, outros ligam pouco, mas quase ninguém é indiferente. O que o Natal representa para você?




Hoje vou mais de opinião e menos de Filosofia metódica. Para mim, há três pontos interessantes para observar nessa época do ano.

Primeiro: Há tempos que o Natal recebeu uma nova significação. Os princípios religiosos foram meio que deixados para trás, como exige nossa sociedade que vai a caminho da secularização. O grande barato agora são as regras de consumo, nossa nova (tá bom, nem tão nova assim) divindade. Vamos relembrar nossos cadernos de catecismo (não os do Carlos Zéfiro): o Natal é a data de nascimento do menino Jesus, que o cristianismo coloca como ente divino. O que é feito para celebrá-lo? Quase nada, percebo eu.

Em tempos em que a religião católica era preponderante no Brasil, a chamada “missa do Galo” era uma das comemorações mais centrais do ano litúrgico. Era celebrada à meia-noite, e estendida aos primeiros minutos da madrugada, em uma ritualização semelhante à espera do nascimento do Filho tão esperado. O culto espelhava a história do acontecimento, imbuía nas pessoas um espírito de pertença a essa história. A protestantização e sua conseqüente iconoclastia tiraram muito do caráter coletivo da celebração memorial do nascimento de Cristo, e minou as defesas do sentimento religioso para sua manutenção. O Catolicismo se enfraqueceu diante de um mundo cada vez menos espiritualizado, se desatualizou e já não consegue oferecer uma resposta atual à mecânica liberal-capitalista, que tomou de assalto esta e outras celebrações, como a Páscoa e seus chocolates. A distribuição de presentes era coisa secundária, derivada da visita dos Reis Magos, mas é isso que restou de fundo religioso, devidamente acomodada aos ditames comerciais. A própria figura do Papai Noel é originada de um santo, Nicolau de Mira, mas da figura original só resta a cor predominante das roupas, o vermelho.

Segundo, já que falamos de presentes: Tenho observado uma relação diferente entre o imaginário das pessoas e sua efetiva aplicação. Trocando em miúdos, percebo que as pessoas desprezam seus sentidos de criatividade e de ousadia em detrimento de uma maior segurança. Vamos ser claros, vai! As pessoas arriscam muito menos com presentes. Os amigos secretos das empresas são constituídos por um sem-fim de vales: vale-livro, vale-CD, vale-compras, vale-isso, vale-aquilo... Por que será, hein? Eu entendo que grande parte da graça em dar um presente está justamente em tentar adivinhar o que agrada à pessoa que o recebe, mede a percepção que eu tenho sobre os gostos e hábitos do outro e, no limite, demonstra uma preocupação maior de mim para com o próximo. Não é o caso de procurar, por exemplo, “puxar o saco” de determinado cidadão, mas de procurar respeitar um determinado modo de ser, de “esvaziar” meus gostos e preferências para tentar entrever a visão alheia. Creio que esse é um excelente exercício! Já pensou se tentássemos pensar um pouco mais com a cabeça dos outros, quantos problemas não conseguiríamos evitar? Mas estamos cada vez mais preferindo evitar um risco que PODEMOS correr. Errar um presente não é uma desgraça, é um aprendizado. É, de certa forma, um recado que mandamos, uma sugestão que damos. Por que não posso comprar um perfume para uma pessoa? Ah, perfume é pessoal demais. Ora, o que não é pessoal, cara-pálida? Mesmo na ditadura dos vales nós corremos riscos. Vale-livro para quem tem tio dono de livraria, já pensou que bacana?

E terceiro, já que falamos de Papai Noel: não tenho nada de especial contra o bom velhinho, por isso mesmo acho bom deixar bem claro à criançada seu verdadeiro papel no Natal: o legendário. Nunca me agradou a idéia de iludir meus filhos com a história de um senhor de barbas brancas vindo do pólo Norte que traz um saco de presentes para dar para as crianças boazinhas. Em primeiro lugar, isso é uma chantagem para exercer a (falta de) autoridade: eu compro sua obediência e você não precisa fazê-lo por minha ordem, mas em troca de um presente. Em segundo lugar, há o eterno problema da realização de um desejo que nem sempre é tangível. Não me refiro à arapuca do presente caro – isso se remedeia com o aumento da mentira, basta dizer que o Papai Noel estava com dificuldades financeiras – mas ao “presente” que o afeto pede: as crianças não têm articulação intelectual suficiente para discernir que é inócuo pedir concórdia entre os pais, ressurreição dos avós mortos, carinho do genitor ausente, mas a criança coloca tanta fé naquele mito que uma decepção pode marcá-la para o resto da vida. E não devemos subestimar a capacidade da criança em odiar. Tanto quanto o Papai Noel, a criança desprovida de sentimentos negativos é mítica. Para que, então, tratar da criança com uma mentira?

Ah, mas isso é estimulador para a fantasia da criança! Ora, que besteira. A criança CRIA as suas fantasias e articula com elas, SEM necessidade de que as incutamos em suas cabeças. O efeito é contrário. Vender uma ilusão pré-fabricada é justamente apostar na incapacidade da criança em produzir seu próprio imaginário.

Por esses motivos, optei por não atribuir ao Papai Noel o presente de Natal aos meus filhos. Prefiro fazer um agradecimento a Deus pela oportunidade de termos aquilo que pudemos ter.

O que eu acho do Natal, portanto? Ora, eu adoro o Natal. É um momento lindo, em que pensamos na caridade e na solidariedade, na união. Não repilo o Papai Noel neste sentido. É um símbolo belíssimo, se remontarmos suas origens: a da doação gratuita, sem necessidade de um relacionamento íntimo para a obtenção do amor. Gosto muito da alegria das luzes e dos enfeites, do espírito de reconciliação, do eterno recomeço, das pessoas reunidas em torno da mesa, da consciência do alimento como manifestação do sagrado. Gosto demais dos presépios, representação maior do Natal, último resquício material da religiosidade destes tempos de compras apressadas.

Por tudo isso, desejo sinceramente aos meus colaboradores, leitores, visitantes eventuais e a toda humanidade um feliz Natal. Em especial, aos jovens que lêem estas mal traçadas linhas e encontram nelas motivos para pensar, concordar, discordar, pedir mais. Que todos possam se encontrar mais felizes, e que possam visualizar na alegria alheia uma parte integrante da sua própria alegria.

Recomendação de leitura:

Para não passar em branco, indico um grande clássico de motivo natalino para meus seguidores. Trata-se de um conto de Charles Dickens, muitíssimo conhecido, e que talvez não seja novidade, mas que tem uma abordagem interessante na medida em que reputa como secundária a chave monetária para um bom convívio com o outro.

DICKENS, Charles. Um conto de Natal. LPM: São Paulo, 2003.

Agradeço à Ná, à Rê, ao Lucas, ao Azul, ao Bruno e ao Felipe por comporem o presépio que ilustra este texto.