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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Eu parei para pensar se há vida em outros planetas, e dei de cara com o Grande Filtro

Olá!

Começo este texto domingo à noite e estou em Taubaté. Vim trazer a mudança da filha mais nova, que finalmente conseguiu passar em um concurso e vem mudando de mala e cuia com o namorado, para tentar sua vida. Não é um grande salário, nem dela, nem do rapaz, mas a maior das caminhadas começou pelo primeiro passo, na manjadíssima frase atribuída a Confúcio. Quando eu casei, comparativamente ganhava bem menos, e eu me virei, ainda mais tendo os filhos para criar. Ao que me consta, não há netos a caminho, apenas o inefável Homem-Cueca, a quem dei a conhecer neste texto. Então, boa sorte aos dois!

Ela sabe dos meus projetos, e quer que eu já os leve a cabo, para ficar um pouco mais perto. Realmente, já estou bem prestes a procurar um recanto tranquilo, e tenho começado a procurar mais seriamente uma casa para mudar. Há entraves: a indefinição pelo home office permanente no trabalho e os sogros, mas penso que qualquer lugar onde eu possa chegar no máximo em quatro horas a São Paulo já satisfaça essa condição. Da lista de lugares que tenho pesquisado, as mais próximas de Taubaté são Santo Antônio do Pinhal e São Luiz do Paraitinga, e a mais longe é São Thomé das Letras. Puxa, tudo nome de santo.

Movido pela combinação entre a vida nos céus atribuída aos santos e pelo certo ar místico que estas cidades carregam, lembro dos relatos das visões de óvnis que tanto povoam o imaginário de quem procura esses lugarejos, assim como Curvelo, Corinto, Prudentópolis, Varginha, Peruíbe e mesmo Brasília. Embora não seja uma relação obrigatória, há uma certa associação com consumo de substâncias onde se relatam muitos avistamentos, principalmente pelos detratores das duas ideias.

Tudo isso é bobagem, evidentemente. Nunca vi óvnis, com ou sem substâncias. Mas o encantamento gerado por essas cidades revela uma grande curiosidade que se funde a um tanto de gosto pelo perigo. Afinal de contas, não foi só um filme que retratou os extraterrestres como forasteiros que tentam nos colonizar, pobres e inocentes terráqueos.

Existe uma área de pesquisa chamada ufologia. Dependendo de quem a exerce, pode ser plenamente científica, ou pode ser puro engodo, ou ainda aqueles claros casos em que o viés de confirmação está a milhão, aproveitando tudo o que confirma teses e descartando o que contradiz. É comum, né?

O que eu acho disso tudo? Bem…


Nesse momento é preciso se colocar no humilde posto de ser humano e tentar se quantificar como o mínimo átomo que sou. Pensando no universo como uma imensa bolha finita, porém tão gigante que foge à minha possibilidade de compreensão, parece a mim muito tentadora a suposição de que o planetinha não tem nada de especial que não possa ser reproduzido alhures. Não vou conseguir propor exemplos, porque nada do que eu conseguir pensar vai dar algum tipo de dimensão das possibilidades de números tão incomensuráveis. Mas sou teimoso e vamos lá.

Imagine que você é uma mocinha padrão, e haverá uma festa à noite. Mocinhas geralmente não gostam de se confrontar com roupas iguais às de suas confreiras, porque existe aquela história de liquidações e baciadas. Então digamos que você escolha uma cor que não seja tão comum, nem tão démodé. Digamos que você escolhe uma peça solferino, que fica entre o vermelho e o roxo, cujo nome se origina da comuna de Solferino, na Itália, onde se travou uma das mais sangrentas batalhas da Guerra de Independência Italiana. Na sua festinha, pode ser que a estratégia funcione às mil maravilhas, e você brilhe sozinha em sua cor inusitada. Mas supondo agora que você more em uma cidade grande, imagine se seria possível o mesmo sucesso em ser única em todas as festas desta mesma cidade. Já aqui teremos uma exclusividade mais difícil. Alongue sua imaginação e pense em todas as festas de seu estado. Não, não… pense nas festas do seu país inteiro,  de cada pequeno rincão até as mais populosas metrópoles. Será que mais ninguém usará algo semelhante ao seu alegre vestidinho solferino? Estenda o exercício mental ao continente e, finalmente, ao mundo inteiro. A possibilidade de que sua roupa seja um fenômeno único, irrepetível, sem igual vai se tornando muito, muito menor, a ponto de se achar impossível que mais ninguém tenha usado exatamente o mesmo estratagema, ou que seja comum uma peça deste gênero em outras plagas. E olha que eu estou usando uma amostra absolutamente desproporcional, ridícula em termos de comparação com o universo inteiro.

Serve bem para imaginar o quanto é uma visão egoísta supor que a vida seja um atributo único deste combalido planetinha azul, cercado das nuvens cada vez mais maléficas do efeito estufa. Em tanta extensão espacial, não existirá nenhum outro recanto onde haveria condições de se reproduzir as condições para o surgimento da vida?

No entanto, o fato é que não a vemos. Tirante os relatos episódicos e as falsificações grosseiras, não há nada materialmente concreto que possamos confiar sobre visitas à Terra. Por outro lado, nossas escapadinhas espaciais também não resultaram em descobertas. Julio Verne previu, ainda no século XIX, a chegada do homem à Lua, de um modo bastante próximo ao que de fato se deu, mas não achamos selenitas por lá. Os tão decantados marcianos também não, nem jupiterianos, saturninos, etc. Já não se buscam homenzinhos verdes, mas vestígios de micróbios, ainda que fósseis. Miram-se agora os satélites dos planetas exteriores, que parecem conter água e fumarolas, ingredientes que fundamentaram o surgimento da vida cá em planetinha.

Esse é o paradoxo de Fermi, ou o “Grande Silêncio”. Esse cara era um físico italiano importantíssimo na área das reações nucleares e da física de partículas, incluindo no âmbito teórico que levou às bombas atômicas, mas que não estava em um laboratório quando lançou exatamente essa questão, e sim em uma mesa de bar, filosofando com os colegas. Se temos um universo inimaginavelmente gigantesco, deve haver mais vida por aí. Mas cadê? Em que diabos de lugar estão nossos vizinhos cósmicos, que não fazem barulho, não acendem luzes radiantes, não martelam em nossa laje?

Eu faço a mesmíssima pergunta, sob os mesmos fundamentos. E a resposta que eu mesmo me dou tem mais de Filosofia do que de Ciência, pelos mais óbvios motivos: sou professor de Filosofia e a coisa ainda vai mais pelo campo da especulação do que das evidências.

É preciso dividir o problema em duas partes. Se levarmos em consideração qualquer forma de vida, coloco-me na posição da menina que escolhe a roupa da exótica cor. É praticamente inimaginável que não haja algum tipo de molécula que tenha se agrupado com outras e, por meio das reações químicas adequadas, tenha conseguido se multiplicar. Mas elas não dão em árvores, e tudo será muito diferente do que podemos comparar conosco. Já com relação a civilizações com um mínimo de semelhança à terráquea, coloco-me no posto rigorosamente cético. Não o ceticismo "dogmático" de alguns, que batem o martelo sobre a questão da inexistência, mas na dúvida quase infantil de quem aprende. E o que temos de empírico hoje sobre civilizações tecnológicas consiste apenas novamente nele, o planetinha azul cada vez menos verde. Para imaginar o que seria uma sociedade extraterrestre, temos somente nós mesmos como referência.

E o que isso significa? Que o tempo que levamos para chegar onde chegamos deve ser aproximadamente o mesmo tempo que outra civilização levará para chegar ao mesmo ponto. Em algum outro canto do universo, alguma forma de vida inteligente estará olhando para o céu e enviando coisas parecidas com foguetes para seu sistema local, imaginando que à distância sideral haverá povoação semelhante, talvez com os mesmos problemas filosóficos (garotas com vestidos solferino?). Eles estarão cercados da mesma impossibilidade de comunicação que nós temos hoje. Poderão estar mais avançados? Sim, mas isso não dá para adivinhar, e o fato continua sendo um só: não temos nenhuma evidência de vida extraterrena, nem porque nossos instrumentos foram incapazes de detectá-la, nem porque tenhamos recebido qualquer visita comprovada. Enquanto isso, eu vou me pondo na turma dos incréus.

O economista estadunidense Robin Hanson escreveu um interessante artigo que parece lançar um pouco de luz à ausência dos vizinhos espaciais. Há alguns marcos no desenrolar daquilo que chamamos de vida que são decisivos no destino de uma espécie. Um deles, ou mesmo vários, podem constituir autênticas barreiras para a expansão a longas distâncias, e, como as mesmas são sucessivas e dependentes do bom termo de uma para o início da outra, a dificuldade estaria na própria conjunção desses fatores, o que tornaria a vida e sua manifestação fenômenos muito raros.

Hanson enumera várias dessas barreiras, mas como ele mesmo não as coloca em um escopo fechado, tomo a liberdade de selecionar as mais importantes. A primeira é o próprio surgimento de alguma coisa que se pode chamar de vida: um tipo especial de agrupamento de moléculas que consegue reproduzir a si mesmo e trocar energia com o ambiente. É preciso que o astro em questão reúna algumas condições básicas para que os coacervados e aminoácidos possam se catalisar em algum tipo de meio (considerando, claro, condições semelhantes à Terra). O próximo salto é o aparecimento de microestruturas que vão tornar o agrupamento uma célula autêntica. Por exemplo, é preciso que haja algo como uma membrana para reter todos os elementos juntos, algo como organelas para exercer funções orgânicas e algo como um núcleo para reter as informações de reprodução. O próximo filtro é que essas coisas semelhantes a células possam se organizar e se agrupar, de forma a constituir organismos maiores e mais complexos. O que vem em seguida? Que alguma das espécies geradas por esses organismos cada vez mais complexos consiga adquirir consciência e reconhecer a si mesma como existente. Em resumo: vida inteligente. Por fim, no filtro seguinte temos a necessidade que essa vida inteligente seja movida a se organizar com seus semelhantes, de modo a formar uma sociedade, que ainda por cima olhe para o céu e sinta a mesma vontade de explorar o espaço que nós temos.

Pode ser que um ou vários desses fatores seja o Grande Filtro, uma etapa que seja absolutamente insuperável para qualquer forma de vida se dar a conhecer. Esse imenso obstáculo pode ser ainda alguma etapa que nem sabemos qual seria. E aí vem a grande pergunta: onde nós mesmos, seres humanos e planeta Terra, estamos com relação a este filtro? Se nós os ultrapassamos, é possível que outra civilização ainda o faça, e poderemos ainda ter algum tipo de comunicação, ou também pode ser que em outro sistema planetário onde a sonda Pioneer chegar e puder ser capturada, os nossos irmãos de cosmos leiam e interpretem os elementos distintivos lá colocados*, e, quem sabe, tenham referências para nos encontrar ou ao menos mandar sinais. Por outro lado, se nós ainda não enfrentamos o Grande Filtro, temos a notícia segura de que arcaremos com problemas como espécie. A pior delas é meio óbvia: não há estabilidade suficiente em uma vida planetária para que haja tempo de se desenvolver a tecnologia necessária para a comunicação com outras civilizações. Também é possível que haja um limite na evolução biológica, que faz com que o tempo de vida seja eternamente insuficiente para empreender viagens espaciais verdadeiramente longas, já que o silêncio de Fermi abrange certamente os astros mais próximos, e somente das distâncias menos mensuráveis é que viriam os tais sinais. Há também a expectativa de problemas no meio físico. Haverá materiais que resistirão a intempéries imprevisíveis quando vistas daqui da Terra? Haverá tecnologia de armazenamento ou meios de coleta de energia em todos os pontos do caminho para outras terras habitadas?

Sendo assim, temos duas dificuldades: a de assegurar a existência de outras civilizações e a de poder conhecê-las, e é exatamente aí onde encaixo meu ceticismo. Não se trata de duvidar que a vida exista fora daqui, ou, pior ainda, cair na falácia fácil da poça d’água, e achar que somos mais especiais do que realmente somos, e sim de que não temos como saber, mui simplesmente. Por isso, de um ponto de vista mais filosófico do que científico, creio ser altamente provável existir vida, mas não posso me tirar da dúvida que ela seja minimamente semelhante à que temos em nossa casa de paredes descascadas.

Bons ventos a todos!

Recomendações de leitura:

Como se diz por aí, Júlio Verne era um visionário. Em vários dos seus livros, ele acabou por dar predições do que viria pelo futuro, com um bom grau de acerto. Porém, diferentemente dos Nostradamus da vida, seus prognósticos se baseavam na evolução da Ciência que ele via no seu tempo, e não em transes místicos. Além disso, é ótima literatura.

VERNE, Júlio. Da Terra à Lua. Barcelona: RBA, 2018.

O artigo sobre o Grande Filtro, de Robin Hanson, está disponível na internet para que quiser consultar. Segue a citação.

HANSON, Robin. The Great Filter. Are We Almost Past It? Disponível em <https://mason.gmu.edu/~rhanson/greatfilter.html>. Acesso em 27.04.2021.

 

* Pioneer é o nome de um programa de sondas estadunidenses cujo objetivo era investigar o espaço sem a necessidade de levar astronautas a bordo. Uma delas se tornou célebre por carregar uma placa com uma série de dicas para ajudar uma eventual civilização a ter referências sobre nós. Na imagem acima, coloco uma cópia desta placa.

Ela tem as seguintes representações:

  • A transição do hidrogênio
  • Modelos de corpos humanos em tamanho comparativo com a sonda
  • A posição relativa do Sol através de pulsares
  • O Sistema Solar

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