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quinta-feira, 28 de março de 2019

Tá, só não saquei bem o que é essa tal de (25 – Psicologia)

Olá!


Uns tempos atrás, comecei a sentir engulhos recorrentes. Não chegava a ser aquelas ânsias com iminência de se botar os bofes para fora, mas um enjoo constante, que tirava o ânimo de comer até a porcaria mais apetitosa. Era uma coisa estranha, imotivada. Cheguei a perder uns bons quilinhos com a brincadeira, mas era preciso fazer alguma coisa. A princípio, lembrei que havia trocado de medicamentos para a diabete, e talvez a resposta viesse por aí. A médica dra. Ana Júlia achou improvável, mas, de toda forma, eu podia voltar às mezinhas anteriores, com a recomendação de procurar um gastro. Não deu certo, nem um, nem outro. Os engulhos continuavam, e a consulta só para trinta dias. Havia uma sobrevivência a ser tentada, e o jeito foi apelar para uma dieta à base de legumes e verduras sem tempero. Melhorei bastante, mas o desconforto voltava ocasionalmente, de maneira especial pela manhã, rumo ao batente.

Dia desses, eu estava perfeitamente bem, quando chega a ligação, lá pelo meio da tarde: reunião urgente, traga relatórios, mas eu não tenho, se vira, a chapa tá quente. Foi automático, ou melhor, somático. O enjoo voltou na hora, como se eu tivesse tomado um litro de chá de louro. Daí por diante, foi possível estabelecer todas as correlações que levavam à suposta patologia – acúmulo de stress, derivado da tensão no trabalho. A recomendação médica foi o mesmíssimo Plasil© que eu vinha tomando para controlar a náusea, tirar um bom período de férias e procurar um psicólogo. Na prática, como bom assalariado, só cumpri a primeira, com a promessa interior de me desligar o tanto quanto possível do mundo laborativo.

Essas ocorrências ajudam a reforçar algumas lições que aprendemos no curso da vida, especialmente em momentos nos quais nosso ímpeto por descobertas nos faz tirar conclusões apressadas e equivocadas, na maioria das vezes. Lembro-me muito bem do quanto eu ridicularizava a profissão de psicólogo, dizendo que quem se dispunha a estudar a matéria o fazia por ter conflitos interiores a resolver. Em outras palavras, o psicólogo tinha problemas psicológicos. É o que dá acreditar em estereótipos: o audiente soturno instalado atrás do divã, que parece pensar na janta enquanto o paciente verbaliza seus mais inconfessáveis recônditos da memória. A história da pessoa que se interessa por Psicologia por ter problemas psicológicos é uma das mais retumbantes bobagens que eu já pensei na minha vida. Afinal de contas, não é a dor de dente que leva ao interesse pela Odontologia, nem o carro quebrado pela Engenharia, mas uma inclinação a conhecer mais e melhor cada uma dessas áreas, a entender com mais propriedade um conhecimento específico, ao qual tínhamos uma predisposição mais sólida. É a mesma coisa comigo: eu não estudei Filosofia porque sou um lunático que passa o dia inteiro ensimesmado, pensando sobre o Ser e o não-Ser (chavão primeiro – mais clássico), ou um esquerdista petista comunista gayzista do globalismo muçulmano-gramsciano empunhando bandeiras vermelhas para dominar o mundo (chavão segundo – mais recente), mas pura e simplesmente porque gosto de Filosofia, punto e finito. O mesmo se aplica ao psicólogo, que não é um louco que procura se entender, mas um profissional que tem um campo de estudo como outro qualquer. Vamos entender, então, o que é essa tal de Psicologia.



Vocês que me acompanham com alguma frequência já leram inúmeras vezes textos nos quais eu me refiro a autores da Psicologia. Isto se dá pela estreita ligação que esta guarda com a Filosofia, talvez até mais que outras ciências em geral. De fato, é meio difícil discernir até onde vai a Gnosiologia e a Epistemologia, áreas filosóficas, transitando pela Filosofia da Mente, e onde começa a Psicologia, linha muito borrada que divide áreas interpenetradas. Gente importante, como o neurocientista Michael Gazzaniga (de quem lancei mão neste texto), considera que, à medida que o conhecimento sobre os processos fisiológicos nervosos avançarem, a Psicologia mais e mais será arremessada ao campo da pseudociência; não como uma simples crendice, mas como registro histórico superado, assim como a alquimia ajudou a química moderna a se estabelecer, para depois sair de cena.

Verdade é que a profecia de Gazzaniga parece exagerada e ainda vai longe de se cumprir. Os processos mentais são muitíssimo subjetivos, partindo da premissa que temos instrumentos que medem a temperatura, a pressão e o fluxo elétrico do cérebro, mas não há uma maquininha que reproduza as imagens que lá transcorrem. Dessa forma, o que temos ao nosso dispor são as interpretações, que passam pela capacidade descritiva de quem tem as impressões e pelo discernimento de quem as recebe. É tudo muito subjetivo para passar pelo filtro científico. Ou não?

É nesse ponto que a Psicologia difere da Filosofia: na obtenção dos resultados. A Filosofia não tem o compromisso de chegar a resultados empiricamente observáveis e mensuráveis, apenas de se manter em uma linha de lógica e racionalidade. Quando acontece uma eventual comprovação, a Filosofia vira Ciência, como tantas vezes já aconteceu na história. A Psicologia lida com disciplina que a arrasta bastante para o campo especulativo, já que, como falamos, é muito difícil traduzir com precisão os fenômenos mentais. No entanto, se eu não consigo “ler a mente” de um contribuinte qualquer, ainda me resta alguns métodos indiretos – observar os resultados das pesquisas que explicam os processos mentais, especialmente quando estendidas a um volume considerável de análises. Desse viés empírico, é possível medir a cientificidade da Psicologia. Em primeiro lugar, ela tem um objeto claro de estudo: as funções mentais. Esse estudo é feito de maneira racional, desconsiderando instâncias metafísicas que não possam ser experimentadas. Também possui métodos bem definidos, incluindo o estudo de casos clínicos, estatísticas, comparativos e etiologia; do bojo de suas hipóteses é possível estabelecer sistemas teóricos que permitem fazer previsões, que, por sua vez, tem resultados verificáveis. E, o mais importante de tudo, na medida em que uma afirmação é falseável, ela passa pela principal premissa do método científico. E estes dois últimos itens a diferenciam da Filosofia e a enquadram como Ciência. Simples assim.

Mas a Psicologia está no âmbito das Ciências Humanas, o que a coloca naqueles perigosos pântanos de discussão infinita. Ela não é tão afiliada à Matemática como a Física e a Química, que são mais redutíveis a fórmulas. Justamente por não lidar com um campo de estudo facilmente delineável, e por não ter bases unanimemente aceitas, a Psicologia trabalha com várias abordagens diferentes, o que faz um candidato à carreira ficar maluco (epa!) na escolha de sua filosofia de trabalho. Ora voltada para o funcionamento mental, ora para as suas manifestações, a Psicologia se origina de um tempo bem recente, nos fins do século XIX, quando Wilhelm Wundt lança as bases do estudo dos fenômenos que intermedeiam a natureza e a cultura, ou seja, como o homem atua no mundo e por quais motivos o faz. Seu nome significa “estudo do pensamento”, já que o termo grego psiqué significa alma, que, para aquele povo, era a sede dos pensamentos. Daí por diante, as escolas de Psicologia foram variando, tanto no tempo quanto no enfoque, e nós vamos falar rapidamente sobre as principais. Como já falei sobre várias delas em meu post sobre Filosofia da Educação, a pincelada será rápida.

Em um momento onde se convenceu da necessidade de se estudar a Psicologia, surge a primeira e mais fundamental de todas as perguntas: o que é a mente e como ela se organiza? Dada sua inegável complexidade, a mente se erige em uma estrutura, onde estão compartimentalizados os seus diferentes componentes. Neste momento, a preocupação da investigação científica está no funcionamento dos processos de consciência, como, por exemplo, como o indivíduo se reconhece em meio ao mundo no qual habita; nas memórias, seu armazenamento e resgate; na intencionalidade, ou seja, no modo como a mente volta sua atenção a um objeto; nas emoções e no próprio conteúdo dos pensamentos. Em síntese, a Psicologia tem uma orientação inicial de procurar o “esqueleto do prédio” mental, e por esse motivo essa escola ficou conhecida como Estruturalismo. Sua principal ferramenta era a introspecção, que é a observação dos fenômenos mentais do próprio pesquisador. Como esse método tem uma carga de subjetividade muito alta, esta escola teve muita resistência em ter reconhecimento como científica, embora adotasse uma prática laboratorial onde resultados eram coligidos e comparados.

Uma alternativa ao Estruturalismo veio com o Funcionalismo. Nessa linha de pensamento, a mente é investigada como um órgão do corpo. Da mesma forma que os pulmões realizam trocas gasosas, o estômago processa alimentos e a bexiga armazena e retém urina, a mente também possui uma especificidade para o conjunto harmônico do organismo, ou seja, uma função. Fortemente ligada à Teoria da Evolução, o grande interesse desta corrente estava no estudo dos processos psíquicos como ferramentas de adaptação ao meio, ou seja, como a mente fazia para realizar interações que lhe garantiriam não só a sobrevivência, mas maneiras melhores de viver. Dessa forma, o Funcionalismo já não se mostra muito preocupado com o trabalho interno da mente, mas em como o restante do organismo reage à sua função. Essa exterioridade do objeto de pesquisa a tornou muito mais objetiva que o Estruturalismo, e compôs a alternativa que veio a abrir os dois ramos que vieram daí para frente: um foco nos processos internos era derivado do Estruturalismo; nas manifestações exteriores, por sua vez, do Funcionalismo.

Mas a primeira grande escola a causar real burburinho nos meios acadêmicos foi o Behaviorismo, termo derivado do inglês behavior, que significa comportamento. Da mesma maneira que o Funcionalismo, os processos subjetivos estão fora do campo de interesse dos behavioristas, que se ocupam essencialmente do estudo dos comportamentos humanos. A mecânica básica é a investigação de como alguém responde a um estímulo, e como o faz quando este for positivo ou negativo. A grande linha de pesquisa do Behaviorismo foi também sua maior polêmica. Como uma pessoa reage a estímulos, é possível conduzir sua personalidade a um caminho determinado. Isso dá muita margem a manipulações, que vão desde uma simples chantagem emocional até a implantação de reforços ideológicos. Que medo!

Ao lado do estudo comportamental, nasceu na Europa a corrente que talvez seja a mais célebre desta ciência: a Psicanálise. Bebendo na fonte do Estruturalismo, e ainda mais subjetivo que este, os psicanalistas se aprofundaram nos recônditos da alma humana, para descobrir que a consciência nada mais era do que o aspecto perceptível de um arcabouço muito maior, que fugia do controle do indivíduo. A Psicanálise tinha um foco essencialmente terapêutico: essa abordagem construía suas teses principalmente sobre as patologias psíquicas. Fortissimamente calcada em ponderações filosóficas, a Psicanálise sempre teve dificuldades em convencer a academia de sua plena cientificidade, embora possua amplo cabedal de casos clínicos para apresentar como patrimônio empírico e experimental. É da sua formulação de escuta que nasceu o grande clichê do divã e do bloquinho.

Outra corrente de origem europeia veio trazer mais luzes sobre a interação do homem com o ambiente. Fundamentada na Fenomenologia, a Gestalt estuda a forma com a qual o mundo se apresenta à nossa consciência, ou seja, o núcleo de sua atenção está na percepção. Gestalt significa algo como “configuração” em alemão, e ela diz que nos apercebemos da realidade sempre como um todo, sendo que as partes isoladas possuem menos significado do que como participantes da totalidade. Nossa consciência procura desesperadamente por contextos que justifiquem um objeto visto isoladamente. Segundo seus pensadores, o cérebro possui esquemas simplificados do que é a configuração ideal de um todo, e, se alguma parte está em desacordo com o esquema, a mente se encarrega de suprir a falta ou desalinho. Por exemplo, não deixamos de reconhecer uma pessoa se a vemos em uma foto rasgada, porque nossa consciência trata de “costurar” sua imagem e fazer-se reconhecê-la.

A escola do Cognitivismo, por sua vez, refuta o mecanicismo estímulo-resposta do Behaviorismo e propõe que a obtenção do conhecimento é feita de modo muito mais complexo. O uso da inteligência não se limita apenas a receber recompensas ou evitar castigos, mas a organizar internamente os conceitos que são obtidos a partir de experiências novas e agregá-las ao acervo preexistente, e por isso esta corrente investiga todos os processos de memorização, de apreensão e de processamento de informações. Em resumo, os psicólogos cognitivos tentam compreender como se dá o aprendizado. Os cognitivistas estudaram com muito detalhe a destreza mental que cada indivíduo tem em diferentes etapas de sua vida, de modo a estabelecer uma classificação do que é possível a cada uma das faixas etárias conhecer, de acordo com a evolução de seu equipamento mental.

Por fim, vamos pincelar a vertente do Humanismo. Preocupada com a maquinização radical das demais escolas psicológicas, os humanistas estavam preocupados em tornar o analisando em um protagonista na sua relação com o mundo, de modo a não se fechá-lo como um mero fruto do ambiente ou como um possuidor de patologias. Estas ocorrem, em especial, justamente quando há uma incompreensão com a realidade circunstante. Esta é tão móvel quanto a história, que nunca é a mesma, e esse é o princípio que norteia a autorrealização: a consciência de que vivemos a cada dia com um conjunto não estanque de circunstâncias. De cunho mais otimista, os humanistas focavam-se em buscas de significações para a vida, trabalhando a motivação dos indivíduos. Tem cheirinho de auto-ajuda? Tem, mas a escola é séria. O seu uso posterior não é de responsabilidade de seus criadores.

Muitas outras correntes derivaram destas que mencionei, mas vai ficar chato e arrastado se eu ficar discutindo sutilezas. Por ora, dou por cumprida a missão de alimentar este humilde guia, trazendo um mínimo sobre uma área fascinante, que busca sistematizar algumas das questões mais recorrentes que fazemos desde que nos entendemos por gente. Bons ventos a todos!

Recomendações de canais:

As recomendações de hoje serão de alguns dos muitos canais que eu acompanho no YouTube que, evidentemente, tratam do assunto. Para quem quer uma visão rápida sobre diversos conceitos, a boa pedida é o canal Minutos Psíquicos:

Para quem quer uma visão mais próxima da interação que há entre Psicologia e Filosofia, indico o canal do João Vitor Wrobleski, o Filosofia da Psique:

E, finalmente, para tratar mais diretamente sobre temas da prática psicológica, a recomendação vai para o canal Mente Aberta, capitaneado pela Ana Carla.

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