Olá!
No meu primeiro post para valer, citei o ocorrido na corrida de Fórmula Indy em São Paulo: a reação do público frente ao hino cantado por um ídolo sertanejo. Os comentários chamaram-me a atenção, e fiquei com vontade de retomar brevemente o assunto.
No primeiro (Darci), transparece a questão da adoção de um símbolo que nem conhecemos, seja por famosos, seja pelo povo.
No segundo (Renata), é atribuído a um público específico (ou seja, a uma camada específica da população - o ingresso era bem caro) a capacidade de criticar o mau uso do hino.
Ambas tem uma boa parcela de razão. De fato, o hino não é muito bem conhecido pelo grande público. E, principalmente, não é muito bem compreendido. Também podemos deduzir que o público presente ao Anhembi é pertencente, no mínimo, à classe média. Estaríamos diante, pelo menos em tese, de um público mais esclarecido, não era o "povão" que estava lá.
Mas eu acho isso não explica tudo. Nossa relação com os símbolos é bem mais complexa.
Vou retomar um fato importante em minha vida. Meu filho mais velho nasceu, coincidentemente, no dia do aniversário do ex-presidente Fernando Collor. Para os mais jovens, é bom saber que aqueles dias estavam pegando fogo. O então presidente era acusado de uma série de crimes financeiros, e havia uma verdadeira enxurrada de denúncias. No entanto, a população, apesar de indignada, acompanhava os fatos meio que à distância. Collor então tomou coragem e fez uma grande besteira. Convocou toda a população para que demonstrasse apoio ao seu governo, saindo às ruas no dia do seu aniversário vestidos de verde e amarelo. Foi a gota que transbordou o balde popular. As pessoas saíram às ruas vestidas de PRETO, com o rosto pintado de preto (daí o nome do movimento, cara-pintadas). Eu presenciava tudo isso na Avenida Paulista, próximo à maternidade onde nascia meu filho. As pessoas andavam para cima e para baixo com sua paramentação negra, mas um deles chamou-me a atenção em especial: bandeiras do Brasil negras, em diversos tons de preto (existe tom de preto?). E estas bandeiras pretas lideravam a marcha alegre dos jovens, naquele que (ao menos em minha lembrança) talvez tenha sido o último ato político relevante conduzido pela juventude no Brasil.
Ora, como pode se admitir a adulteração do símbolo em um caso e não no outro (o hino distorcido pelo nosso herói sertanejo)? É que, no caso das bandeiras, não se trata da destruição do símbolo, mas do símbolo DENTRO do símbolo. É uma nova significação dentro do significante. E, com isso, atinge-se o consenso. As pessoas criaram a seguinte representação, no caso: a bandeira preta não é um símbolo do Brasil, mas do que estavam fazendo dele. A adulteração não é gratuita, é uma manifestação do sentimento coletivo. Não é o mesmo caso do hino. Ali, as pessoas viram sua representação ser tratada com descuido, com desprezo.
Tá, ainda pode-se argumentar que aqueles jovens pertenciam à mesmíssima classe média que foi ao circuito do Anhembi vaiar o cantor sertanejo. Então pergunto: Será que os militantes do MST, por exemplo, fariam diferente? Não estou me posicionando, neste momento, nem a favor nem contra o MST. Mas é inegável que nenhum movimento é tão atuante e organizado. Por isso o sentido de identidade deles é bastante forte. Portanto, eles prezam muito seus distintivos. Creio que não gostariam de ver sua bandeira mal tratada. E eles não são da mesma camada populacional que vaiou o Luan Santana.
Recomendação de leitura:
Para quem quiser conhecer melhor o desenrolar do caso Collor, recomendo o seguinte livro (fácil de achar nos sebos):
FARIA, Tales; KRIEGER, Gustavo; NOVAES, Luiz A. Todos os sócios do presidente. São Paulo: Página Aberta, 1992.
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