Olá!
Passou o dia das mães. Graças a Deus, eu ainda tenho a minha e pudemos comer uma bela lasagna com molho à bolonhesa, regada a uma cerveja uruguaia Norteña (não gostei – achei que deixa um resíduo amargoso demais). Já devidamente restaurado do consumo dos acepipes, pus-me a filosofar. O que significa exatamente o dia das mães?
Vejamos. O mais evidente é o velho chavão: "uma data criada especialmente pelos malditos burgueses para esgotarem seus estoques de flores e bombons à custa da fragilidade do sentimento das pessoas, já que a mãe é uma das instituições mais inamovíveis das relações familiares e blá, blá, blá". Bem, em grande parte é isso mesmo.
No entanto, é preciso compreender que esta É a sociedade em que vivemos. Mais. É a sociedade que ajudamos a construir dia após dia, marcadamente individual, e, por oposição, menos dada à manifestação coletiva, à vivência comum. Isso favorece a criação de obrigações. “Este é o dia de minha mãe” – dirão as pessoas. E os outros dias, são de quem? Em um bolo de dias iguais uns aos outros, a cereja deste bolo (o dia reservado) tem de ser especial. Isso é caro (pelo custo da festa e do presente), é obrigatório (porque é impensável que eu não proporcione à minha mãe um dia especial), é mesquinho (um dia apenas).
Mas, é tudo ruim? Nada vale? Por que diabos então, ó gordo desprezível, foste tomar de assalto as humildes porém abundantes iguarias em casa de genitora sua? Não fazeis exatamente aquilo que com inconteste desprezo manifestas nas retro escritas linhas?
Ora, claro que não! Vivemos numa sociedade pragmática e hedonista, mas as homenagens às mães, aos pais, namoradas, etc. AINDA são ferramentas do afeto. Isso significa que as pessoas ainda se importam umas com as outras, mesmo que a fome de lucro aproveite-se da situação. E é das poucas datas em que é possível juntar pessoas de várias gerações. Por isso, acho significativo que aproveite-se este dia para reavivar a oralidade das histórias contadas pelas avós, as memórias da infância menor contada pelas mães. É gratificante. Talvez essas celebrações devessem ser mais simples e mais constantes, a construção da história de cada um é tão importante para quem ouve quanto para quem conta. Faz com que todos se sintam participativos, que suas vivências tenham um sentido.
Por fim, fiz uma pesquisa mental para recordar qual a mãe mais significativa da literatura que eu pude alcançar.
Creio que tenha sido uma peça de Bertolt Brecht, chamada “Mãe Coragem e seus Filhos”.
O encanto da peça está no fato de que a Mãe Coragem não é uma sofredora que perde pouco a pouco seus filhos e derrama-se em lágrima e lamento, como em todo bom e velho melodrama. Em determinados momentos, temos dificuldade de nos posicionar a seu favor: ela alimenta a si e a seus filhos de modo pragmático, valendo-se de clientela dos soldados, servindo-se da guerra. Em outros momentos, a seu dedicação é tipicamente materna, ainda que enviesada. É profundamente materialista – seu apelido vem de um episódio em sua vida na qual atravessa um campo de batalha em pleno fogo cruzado, para salvar uma pequena carroça e cinqüenta pãezinhos. Em que medida não somos assim também? As contradições da Mãe Coragem assemelham-se a muitas das nossas: da mesma forma que a miséria humana nos alimenta, também nos atinge e nos torna impotentes.
Texto excelente. Voltarei a Brecht outras vezes.
Beijos a todos.
Recomendação de leitura:
BRECHT, Bertolt. Mãe Coragem e seu Filhos in Teatro Completo. São Paulo: Paz e Terra, 2001. v. 6.
Imagem da lasagna extraída de:
http://images2.houstonpress.com/imager/u/blog/6405588/hou_food_201502006_bucavdaylasagna_joannaoleary.jpg
Sabe... Já tinha pensado nisso. Mas você me ajudou a completar esse pensamento...
ResponderExcluirAs pessoas se animam quando essa data se aproxima, correm para comprar o devido e o melhor presente em busca de agradecer de outra maneira a pessoa que lhes originou à vida.
Maaas, pena que nessas horas, não vêem que não é necessário comprar uma geladeira nova pra nossa mamis para poder dizer "obrigado mãe!"
Só que tudo a nossa volta nos faz crer que é esta a única maneira.
Dééércio, obrigada!