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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Navegações de cabotagem - O Jardim Botânico Plantarum de Nova Odessa: entendendo visualmente a Evolução

Olá!


Com certeza já aconteceu com você. Algum tipo de explosão atômica é detonado no teu trabalho e lá vai você, junto com os desanimados e solidários colegas, ser admoestado a colaborar, suprimindo do calendário um ou mais finais de semana, feriados e/ou dias santos. Pois essa foi a aventura de um desses meus feriados prolongados do ano passado, no insucesso de alguma manobra planejada por meses, mas que um detalhe aparentemente inócuo fez provar sua solidez de castelo de cartas. Tudo bem, tudo bem, sei que essas coisas computacionais acontecem, e que o banco de horas formado certamente compensará.

Com essa ideia em mente, vou dar uma vasculhada nos meus cronogramas. Puxa, quanta coisa... Tudo tão apertado que o único momento mais folgado é justamente a quarta-feira pós-hecatombe, seguinte ao feriado, por conta dos adiamentos demandados pelo imprevisto na migração de plataformas. Encaixo a vindicação no chefe de maneira irrecusável, até mesmo porque eu trabalhei muito no fim de semana desviado, e fui pegar a patroa para ir a local longínquo o suficiente para evitar a fumaça do rescaldo e arrependimentos superiores. Já havia algum tempo que eu queria conhecer um jardim botânico particular chamado Plantarum, situado na próxima-mas-nem-tanto cidade de Nova Odessa, na região de Campinas, e é para lá que eu me mandei. Sigam-me!


Nova Odessa é uma cidade eminentemente industrial, e o parque fica exatamente no distrito reservado às fábricas, o que parece um contrassenso, mas esse fato chega a dar um certo encanto adicional: uma ilha verde no meio da fumaça.


O Plantarum é um daqueles raros empreendimentos privados de cunho científico, criado e mantido pelo biólogo catarinense Harri Lorenzi em uma área onde anteriormente ficava situado um imóvel fabril.


Em uma área de nove hectares, que correspondem a qualquer coisa como nove campos de futebol, um amplo projeto paisagístico mudou radicalmente a cara de mais uma das tantas plantas industriais de uma região dedicada à produção de tecnologia de ponta.


O projeto é bastante recente. O terreno foi adquirido em 1998, mas o jardim somente foi concluído em 2007, e aberto ao público em 2011. Vive basicamente da venda de ingressos, da contribuição dos associados e da realização de eventos, como exposições, feiras e até casamentos. Esta é a vista que se tem do seu centro de exposições, mostrando se tratar de um ambiente de cinema para agradar noivos e convidados, que podem contrair seus laços em um quiosque logo ali, ao lado.


Algumas das exposições internas são permanentes, e costumam ter tudo a ver com o escopo do empreendimento. Quando eu e a patroa fomos ao lugar, havia uma série de obras de arte feitas a partir da utilização de flora local, como este vaso de suculentas feito com o aproveitamento de um “barquinho” de folha de palmeira.


Em termos de construção, há também a bela casa que serve de recepção, onde existe uma loja de livros e artigos diversos, além de um café/restaurante que utiliza plantas alimentícias não convencionais (PANC’s) produzidas no próprio jardim.


O instituto ainda apresenta alguns conceitos que virão a auxiliar em uma renovação na maneira como vemos nossas edificações, mais simbiótica com o meio natural. Esta pequena cabana dá uma nova ideia de aproveitamento das paredes e do telhado como espaço útil para o cultivo e coleta de água.


Evidentemente, é nos espaços abertos ao ar livre que o Plantarum ganha o jogo, fundindo natureza e mão humana na constituição de conjuntos harmônicos, como a lagoa de vitórias-régias situada logo atrás da mansão de entrada, que é guarnecida por um contrastante jardim rústico.


Há muitos jardins temáticos, que concentram alguma característica comum, como o toque oriental da lagoa de carpas, que é cercada por um imenso bambuzal. O convite é para fazer um momento de meditação ao som das taquaras se movendo ao vento, o que causa uma certa apreensão. O rangido se assemelha a uma porteira se desmontando.


Outro tema explorado é o folclore brasileiro de origem tupi, neste tanque onde é reproduzida a lenda do Ipupiara. Apesar do bom humor da montagem, acreditava-se que este ser se alimentava do corpo dos incautos que se aproximavam dos rios e lagos.


Outros espaços espalhados pelo parque são erigidos especialmente para um momento de descanso, já que são mais de cinco quilômetros de via pavimentadas embaralhadas pelo parque, além dos gramados onde é permitido caminhar e esticar o cadáver.


Se pararmos de pensar no aspecto paisagístico, teremos ainda as coleções botânicas, de maior interesse científico e ainda assim com muito valor estético. Um dos melhores exemplos é o longo corredor que constitui o jardim das trepadeiras, bem no limite traseiro do imóvel.


Alguns ambientes são montados para obter a compreensão do visitante sobre como as espécies interagem, como ocorre no meliponário, um stand onde há colmeias que abrigam melíponas, abelhas sem ferrão típicas da América, algumas delas melíferas. A mais conhecida das cidades grandes é a arapuá, célebre por se enroscar nos cabelos das desesperadas meninas cacheadas.


Há espécies que impressionam não só pela beleza, mas pelo tamanho. É o caso desta palmeira talipote, extrema na largura e rigidez de seus ramos, diferentemente do que costuma ocorrer com seus parentes mais comuns...


... e deste agave, que faz as pequenas suculentas, como as rosas de pedra, parecerem chaveirinhos.


Outro aspecto interessante é a possibilidade de se conhecer itens da flora que você sabe que existem, mas nem desconfia como são. Eu, por exemplo, tenho um anel de tucum, serrado a partir do coquinho de um arbusto como esse da foto. Percebam que as informações das plaquetas são poucas, mas decisivas.


Já falei das PANC’s que são consumidas no restaurante, não é? Há um canteiro orgânico cheio dessas plantas, comuns outrora, como a araruta, a taioba e a ora-pro-nobis*, ou quase desconhecidas, como a maria-gorda, a beldroega e o mangarito, parente do inhame mais comum no Vale do Paraíba.


Outra característica é a diversidade das origens do acervo, que, na medida do possível, agrega espécies de várias partes do mundo. Este singelo “mato”, assemelhado a uma plumagem, vem da América do Norte e se chama capim-do-Texas-roxo.


E há aquelas que, em uma espécie ou outra, espalha-se pelo mundo inteiro. Por toda parte, há algum tipo de helicônia, como o caeté** abaixo. Seu parente mais conhecido? A banana.


Essa história de diversidade nas espécies já começa a me cutucar. De grau em grau, de mudança em mudança, de detalhe em detalhe, cada grupo vai progressivamente obtendo particularidades, guardando, no entanto, alguma característica que lhes permite serem consideradas aparentadas. Vejam estes filodendros...


... semelhantes, mas diferentes, certamente com algo em comum, um ancestral que originou a todos eles. Não existe melhor lugar no mundo para entender a Teoria da Evolução do que em um jardim botânico.


É preciso lembrar que, antes de mais nada, um jardim botânico é um lugar de estudos, um templo da Ciência. Se ele também é um bom lugar de lazer, melhor ainda, mas seu cerne é dispor um espaço de pesquisa e experiência. Eu não sou um cientista, apenas me interesso nas coisas que ela tem a dizer. E ela diz: eu desafio e sou desafiada. Aqui estão minhas armas – milhares e milhares de espécimes que demonstram a progressiva adaptação ao meio ambiente, realizada pelas mais diversas e ambiciosas estratégias de sobrevivência. Não, não há necessidade de que um desses matinhos tenha cérebro, basta deixar agir o delicado equilíbrio de seu habitat, e a “magia” da seleção natural fará com que os mais aptos se mantenham e se espalhem. Se há um deus por trás deste mecanismo, a girar todas as engrenagens, eu não sei. A evolução não descarta a divindade, e é mesmo tentador ver uma inteligência por trás de sistemas tão complexos, limitados que somos pela descontinuidade de nossas mentes. Mas a evolução prescinde dela e tem sua beleza própria. A epistemologia também pode ser estética.

Como eu já discuti neste post, Darwin e Wallace descreveram de maneira muito apropriada como os organismos evoluem através da seleção natural dos mais aptos. No entanto, não souberam discorrer sobre alguns detalhes importantes, o que deixou toda sua base meio capenga. Isso era natural que acontecesse. Em primeiro lugar, explicar a variabilidade das espécies é tarefa maior que os doze trabalhos de Hércules. E depois, a Ciência não carrega consigo uma verdade pronta e acabada, revelada a alguns eleitos. Por isso, toda teoria*** nasce para receber complementações e refutações, de modo a se aperfeiçoar o conhecimento disponível.

A grande pedra de tropeço da Teoria da Evolução era a maneira como um indivíduo poderia transmitir à sua descendência os caracteres mais vantajosos desenvolvidos nele. Darwin pensou em gêmulas, uma antiquíssima ideia existente ainda na Grécia antiga, e que atribuía a hereditariedade a estruturas diminutas, que estariam contidas nas células reprodutoras como microscópicas cópias dos órgãos dos pais. No processo de fecundação, as gêmulas misturar-se-iam entre si, ressaltando alguns caracteres maternos, outros paternos. Essa era uma explicação tentadoramente aceitável, mas ruim. Isso porque caracteres que há muito não ocorriam em uma determinada família poderiam ressurgir na descendência. Quantas gêmulas uma nova vida carregaria? Mais ainda: a mistura de gêmulas certamente traria uma tendência à uniformização, e não à diversidade.

A resposta estava se desenvolvendo lado a lado às teses de Darwin, sem que ele tivesse contato. Em um monastério de Brno, na atual República Tcheca, o padre Gregor Mendel realizava suas famosas experiências com ervilhas, que viriam a modificar o entendimento puramente empírico de como os caracteres se transmitiam de geração a geração.

O trabalho de Mendel consistia no seguinte: de posse de espécies puras de vegetais, em especial de ervilhas, o monge começou a realizar polinizações cruzadas, retirando o pólen de uma variedade para depositar nos estigmas de outra, de modo a obter descendentes híbridos. Ele investigou uma série de sete características de cada nova planta gerada – as cores da vagem, da semente e da flor, a altura da planta, a superfície da semente, a forma da vagem e a posição de implantação da flor em seu ramo. Ele percebeu que os cruzamentos resultavam em uma preponderância de determinada característica, porém, sem o completo desaparecimento da característica de segundo plano, que reaparecia constantemente nas descendências posteriores. Empiricamente, seria de se esperar um resultado intermediário entre as duas características, mas não – uma das duas sempre preponderava. Ao primeiro, foi dado o nome de traço dominante; ao outro, de traço recessivo. Aplicados a um modelo matemático, foi possível notar uma proporção de 3:1, ou seja, a cada quatro descendentes, três apresentavam característica de traço dominante, enquanto um expunha o traço recessivo. Vamos pegar, por exemplo, a característica “textura da vagem”.


Do cruzamento das espécies puras, somente teremos exemplares das vagens de traço dominante, que, no caso, são as rugosas. Sempre que um caracter é dominante, indica-se graficamente com uma letra maiúscula; recessivo, minúscula. Sendo que as rugosas são dominantes, vamos ver como ficará a hibridação:


Notem que os descendentes deste cruzamento entre espécies puras sempre resultarão em uma descendência igual ao dominante, mas que carrega consigo alguma coisa do traço recessivo. É por isso que representamos estes híbridos com uma letra maiúscula e outra minúscula. No próximo passo serão cruzados os híbridos, e eles terão quatro possibilidades: ter conteúdo puramente dominante e ser rugosa, ter duas hipóteses de conteúdo híbrido (o que lhe dará aparência do caracter dominante) e ser rugosa e ter conteúdo puramente recessivo, o que lhe trará a característica recessiva, de ser lisa.


Desta forma, Mendel percebeu que o cruzamento de híbridos sempre lhe dará uma proporção de 3:1, ou seja, a cada quatro descendentes, três terão a caraterística dominante e um terá a recessiva. Do cruzamento de duas ervilhas de vagem rugosa, poderemos obter exemplares de vagem lisa.

A conclusão de Mendel é que cada um dos pais contribui para as características dos filhos com partículas, unidades de heranças autônomas. Para encurtar a história, essas partículas tiveram suas descrições cada vez mais melhoradas, e hoje nós as conhecemos como cromossomos, fitas em forma de hélice que ficam no interior do núcleo das células, e presos a eles temos sequências de ácidos nucleicos carregados de informações hereditárias, os genes. Sim, Mendel criou a Genética, ainda que não lhe tenha dado esse nome.

Ok, mas de que forma a Genética pode ajudar a Teoria da Evolução a explicar como surgem espécies novas? Na natureza, as coisas possuem uma certa estabilidade e um certo dinamismo. Isso não é uma contradição, pelo contrário. É o bom sucesso de uma espécie que permite a ela se manter, e é a capacidade de ter modificações que faz com que as mudanças de condições do planeta não sejam uma pá de cal sobre a vida.

O que ocorre é que, pouco a pouco, os organismos sofrem mutações e recombinações em seu patrimônio genético. Somos frutos de processos mutagênicos, mas isso não significa que ser mutante nos dá raios nas mãos, capacidade de voar, visão infravermelha, garras de adamantium ou poderes de movimentar os efeitos climáticos. Isso é coisa da Marvel, e deixemos esse estilo de mutante para as suspensões da descrença. Na maioria das vezes, as mutações são um evento teratogênico, capaz de produzir aberrações que são contrárias à sobrevivência. Mas há pequenos rearranjos genéticos que produzem pequenas alterações em nosso genótipo, que, se forem vantajosos, podem ajudar na perpetuação da espécie. Como eu já disse, as mudanças não são coisas de heróis de quadrinhos; antes disso, é uma alteração discreta que pode fazer toda a diferença. O melhor exemplo que posso pensar agora é em uma tal alteração muscular nas pernas que lhe permita dar um passo meio centímetro mais longo do que a média de sua espécie. Meio centímetro, apenas isso. Ao cabo de um sprint de 100 metros, isso lhe dará, ora pois, meio metro de vantagem em relação aos demais membros da tribo. Isso não é quase nada, mas em uma savana, meu caro, você não precisa ser mais rápido que o leão; você precisa ser mais rápido que o seu companheiro. Essa sutil mutação terá a tendência a se espraiar mais e mais pelos vastos campos, percebe?

Portanto, Genética e Teoria da Evolução se entrecruzam e se complementam na tarefa de fazer as espécies se modificarem ao longo dos inúmeros anos. Nem uma, nem outra são suficientes para, isoladamente, dar cabo dessa tarefa, e é com isso que nasce a Teoria Sintética da Evolução, às vezes chamada de Neodarwinismo. É um nome estranho, porque o Darwinismo, desde que surgiu, nunca chegou a ser descartado como teoria, mas tinha suas falhas, que vêm sendo paulatinamente suprimidas por novas descobertas e evidências. Em resumo, a Teoria Sintética da Evolução agrega a seleção natural da evolução com as mutações e recombinações hereditárias da Genética. Tudo isso para demonstrar como a própria vida é o motor da diversidade que enxergamos por todo o nosso planetinha. Bons ventos a todos.

Recomendações:

A primeira é visitar o próprio Plantarum, evidentemente. Fica a 128 Km de São Paulo, pelo complexo Anhanguera-Bandeirantes. O endereço é Avenida Brasil, nº 2000 – Parque Industrial Harmonia – Nova Odessa/SP.

Depois, temos um livro que foi publicado em recordação aos 150 das leis de Mendel, que contém, inclusive, uma tradução do primeiro artigo deste cientista, além de dados biográficos e observações sobre suas experiências.

ARAGÃO, Francisco José Lima; MOREIRA, José Roberto. Mendel – das Leis da Hereditariedade à Engenharia Genética. Brasília: Embrapa, 2017.

 * Tenho uma em casa e sua flor é rara e belíssima:


** Também tenho um caeté na varandinha do apê:


*** Lembrem-se que quando falamos em teoria nas Ciências, não estamos pensando na mesma coisa que se diz no coloquial. Para saber mais, leiam este texto.

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