Olá!
Estourou a bomba! Não, não encontraram a prova definitiva
contra a Dilma, não descobriram que o Neymar é argentino, e também não houve
nenhum artefato que explodiu de verdade, como tanto gostam os terroristas de
plantão. Ocorreu algo mais grave: um grupo de hackers fez vazar o cadastro do
site Ashley Madison, especialista em relacionamentos. Com a garantia de sigilo
absoluto, a página em questão montava sua publicidade em cima das traições
conjugais, muito embora pudesse ser usado com propósitos mais... digamos...
inofensivos, como são outros sites de encontros. Mas o fato é que quem se
cadastrasse nele, já de pronto revelava sua predisposição em distribuir
madeiradas, sendo casados ou não, os garanhões indomáveis. Como o tal sigilo
virou um belo edital, com nomes, sobrenomes, endereços e telefones divulgados a
quem quiser conferir, tem um monte de gente que descobriu o porquê dos buracos
em seus bonés. Portanto, não se assustem ao verem gente pelada correndo por aí.
Não se trata de protestos a la Femen,
mas de outras pessoas que resolveram antecipar a saída do serviço.
O momento é propício para tratar do tema proposto no metapost
pela Eliana Souza, freguesa habitual deste espaço: por que os homens traem? Vou
assumir aqui a palavra “homem” como sinônimo de humanidade, já que ambos os
sexos traem, e o farei do ponto de vista matrimonial, porque o conceito de
traição é muito mais amplo do que isso.
Eliana e demais amigos, o homem trai por um motivo muito
simples: é natural. Infelizmente, é isso.
E por quê? Vamos a Darwin. Lendo a biografia do ilustre
cientista, descobrimos se tratar do proponente da teoria da evolução das
espécies por seleção natural. Não foi o único que o fez, já que outro
naturalista, Alfred Wallace, desenvolveu um trabalho independente que chegou às
mesmas conclusões. Também não foi o primeiro a teorizar sobre evolução, já que
o francês Jean Baptiste de Lamarck (citado neste post) havia pensado em
um mecanismo evolutivo das espécies baseado na lei de uso e desuso. Nesta
teoria, vemos que as espécies se originam umas das outras, como também pensava
Darwin, só que as modificações entre elas se dão pela atrofia/hipertrofia de
órgãos e membros de acordo com o uso que se faz dele – órgãos muito utilizados
tendem a se desenvolver, órgãos pouco usados tendem a desaparecer. A girafa é o grande exemplo.
Desta forma, já podemos corrigir um erro bastante usual.
Darwin não criou a teoria da evolução. Sua descoberta consiste no mecanismo que
faz com que a evolução ocorra, a tal da seleção
natural. Para chegar a tal conclusão, foi imprescindível a viagem que
realizou ao redor do mundo, principalmente nas ilhas Galápagos, arquipélago
localizado na região do Pacífico Sul, mais especificamente na costa do Equador.
Lá, ele encontrou um sortimento enorme de espécies desconhecidas pelo corpo
naturalista europeu, mas que guardavam a mesma estrutura dos animais existentes
em outras localidades. Mais claramente, ele percebeu que, em cada uma das ilhas
do arquipélago, as espécies se repetiam, mas com pequenas diferenças entre si.
Em alguns pássaros, por exemplo, percebia o bico fino e pontudo, bem adaptado
para a caça de insetos e larvas; o mesmo pássaro também estava presente em
outras ilhas, com a diferença fundamental de que seu bico era mais rombudo, com
a capacidade de quebrar castanhas. Estruturas idênticas, com exceção dos bicos.
Darwin percebeu que o isolamento entre as ilhas fazia com que cada uma delas possuísse características próprias; e que o próprio fato de que são acidentes geográficos distintos entre si constituía um obstáculo à
miscigenação entre espécimes de ambas, fazendo com que fossem altamente
endêmicas.
Isso o ajudou a concluir que todas as espécies tinham uma ancestralidade
comum – de uma forma ou de outra, somos todos irmãos, originados de um mesmo
ser primordial. Nenhuma espécie nasceu pronta, todas evoluíram a partir de
outras, sendo que as diferenciações são estabelecidas pelo meio em que vivem. Imaginem o tamanho da briga que uma afirmativa deste tipo gerou com a
Religião (gera até hoje, para dizer a verdade).
Mas é na descrição do modo como essa evolução ocorre que
Darwin é absolutamente original, e que vem sendo corroborada através dos tempos
com mais e mais evidências, fazendo com que, no campo científico, tenha se
tornado praticamente uma unanimidade.
Primeiramente, a seleção natural se dá pela melhor adaptação
ao meio. Disso, podemos descartar um segundo erro frequentemente cometido – a
seleção natural não é a lei do mais forte, mas da espécie que melhor interage
com os elementos constitutivos do ambiente em que vive. Às vezes, é mais
proveitoso biologicamente para uma espécie se tornar menor, para que possa usar
técnicas de fuga e ocultação com mais eficiência, ou se tornar menos rígida,
para se curvar melhor ao vento. Vamos fazer uma comparação tosca para tentar
entender melhor como funciona a seleção natural.
Imagine que você é um pai d’égua (ou mãe) e tem dez filhos.
Vamos descartar a solidariedade fraternal e pensar em um ambiente o mais
próximo possível do estado natural.
Eles não serão todos iguais. Naturalmente, alguns deles
serão mais fortes do que os outros. Poderão caçar melhor, consumir alimentos em
maior e melhor quantidade. Darão sensação de segurança às mulheres como um
todo, e poderão escolher as que melhor lhes convier, dando a você as mais belas
noras e mais robustos netos. Os filhos não tão fortes, mas não tão fracos,
terão para si o que sobrar; vão comer o que der, e as mulheres que lhe caberão
não estarão à sua livre escolha. Os mais fracos não conseguirão muito coisa.
Talvez não cheguem a procriar, ou nem atingirão a idade adulta. A tendência
destes últimos é se extinguir, enquanto os mais fortes espalharão sua prole com
maior eficiência. Os do meio precisarão desenvolver estratégias que lhes
permitam disseminar seus genes. Pode ser que alguma circunstância lhes seja
favorável, e, neste caso, haverá um caminho de adaptação onde possam manter a
espécie. Seria o caso, por exemplo, de uma melhor resistência à escassez de
alimentos. Com isso, poderiam viver melhor em regiões semidesérticas, e seus
netinhos migrariam para o Saara, onde os irmãos mais velhos não
precisariam/poderiam chegar.
É claro que a nossa noção de seleção natural padece de fácil
compreensão por causa do nosso problema de mente descontínua, o qual abordarei
muito em breve, mas podemos vê-la acontecendo à nossa frente, se descermos ao
nível microscópico, porque pequeníssimas alterações no organismo formam grandes
diferenciais. Pensemos no caso das bactérias. Muitas delas são patogênicas,
como bem sabemos, e a moderna farmacêutica nos coloca um arsenal de
antibióticos para combatê-las. Quando temos uma dor de garganta, apelamos para
um medicamento como a Amoxicilina, Ampicilina, Ciprofloxacino, Cefalexina ou
outra poção mágica moderna. A ação do antibiótico, grosso modo, é matar a maior parte das bactérias instaladas na
garganta, deixando um pequeno contingente para que as próprias defesas do
organismo completem o serviço. Ocorre que há uma dosagem correta para que o remédio
faça seu efeito. Muitas vezes, já não sentimos as agruras da doença, e com isso
interrompemos o uso. É um erro, porque caso as bactérias não estejam
minimizadas o suficiente para que o próprio organismo as elimine, a porção
resistente poderá crescer em quantidade, e o tal antibiótico não faz efeito
sobre elas. Daí, teremos as recidivas e suas amargas consequências,
necessitando mudar de medicamento para combatê-las.
Outro exemplo são os vírus de gripe. Já perceberam que todo
ano temos uma onda de contaminações que provocam diferentes reações em nossos
combalidos organismos? É que os vírus da gripe se modificam de um ano para o
outro. As vacinas destinadas a determinadas cepas não são eficientes para as
novidades. Essas pequenas modificações fazem com que os anticorpos não reconheçam
os vírus como agentes patogênicos e deixem-nos passar batidos. Alguns deles são
muito letais, como foram os casos da gripe espanhola (início do século XX) e da
gripe de Hong Kong (década de 60 do mesmo século). Outros causam sintominhas de
fim de feira, pouco afligindo o contribuinte. Mas, de uma forma ou de outra,
são os mecanismos de adaptação se demonstrando.
Essas modificações não ocorrem de maneira abrupta em seres
superiores. Aliás e falando nisso, pequena pausa para explicar que, na teoria
da evolução, não existe uma hierarquia conhecida com scala naturae, que significaria um rumo de um ser menos evoluído
para um mais evoluído, de forma a se achar que, por exemplo, todas as espécies
de macaco um dia se tornarão homens. Não, nada disso. Esse é outro erro comum
quando se pensa em evolução. Todas as espécies tem um mesmo nível de evolução,
bastando para prová-lo o fato de que estejam todas vivas no mesmo momento.
Nesse sentido, o termo seres superiores
não quer dizer seres melhores, ou mais bem adaptados. Quer dizer apenas e tão
somente que são seres que tem uma maior complexidade em seus organismos.
De novo. Nos seres superiores, as mudanças não ocorrem de
maneira tão repentina, como gostam de especular os opositores da ideia da
evolução. Vão se acumulando através de milhares e milhares de anos,
pequeníssimas mutações que, por representarem uma vantagem, acabam se
perpetuando. São transmitidas geneticamente aos seus descendentes, coisa que
Darwin não sabia. Isso quer dizer que estas características vão sendo inscritas
em nosso DNA. Quando se dá a reprodução, lá se vão elas se espalharem pelo
mundo. E uma das melhores maneiras de garantir a sobrevivência da espécie como
um todo é reproduzir-se o máximo possível. Isso é uma ferramenta de um dos
instintos mais primordiais de qualquer ser vivo, não é exclusivo dos humanos.
E agora começamos a nos aproximar mais essencialmente do
tema. Cada espécie desenvolve, de acordo com o que é possível, melhores
estratégias para se reproduzir. Quando os peixes se reproduzem, por exemplo,
geram milhares de indivíduos em um só ato. O nível de proteção que os pais
oferecem é muito baixo, e, em termos percentuais, os alevinos que chegarão à
idade adulta são muito poucos. Mas em condições normais serão em maior número
do que o casal que os gerou. Já outras espécies, como é o caso dos humanos, o
processo de geração da prole é completamente diferente. É uma gestação longa,
com índice de gemelaridade baixíssimo, que, quando ocorre, redunda em gestação
de alto risco. Pensando em um estado natural, o número possível de descendentes
que uma mulher pode gerar é bastante pequeno, se comparado ao de outras
espécies. Portanto, quanto mais se reproduzir, maior a chance de que a espécie
humana sobreviva. E isso implica na multiplicação de parceiros, lamento.
É pelo mesmo motivo que existem poucas espécies que adotam o
conceito de fidelidade “conjugal”. Águias, coiotes e alguns poucos mais. É
romântico, bonitinho, mas pouco eficiente. O fundamento desses bichos parece
ser algo como “em time que está ganhando não se mexe”. Ou seja, uma reprodução
bem sucedida com um parceiro parece conceder um alvará para que futuras cópulas
gerem novamente filhotes saudáveis. Mas essa é uma exceção.
Pois bem. Isso quer dizer que não há nenhuma vantagem biológica
na monogamia, e que a fidelidade ao parceiro é uma mera construção social
baseada no egoísmo? Não, de forma alguma. A monogamia é uma estratégia de
sobrevivência necessária ao ser humano. Vamos deslindar.
Para início, vamos fazer uma comparação. Para quem não sabe,
eu tenho uma criação de passarinhos. No dia em que publico este texto, há nos
meus viveiros oito canários, dois mandarins, um diamante, duas codornas, dois
manons e seus três filhotes, cujos ovos acabam de eclodir. Dos oito canários,
seis são parentes. A foto abaixo é de dois dias após a quebra do último dos
quatro ovos.
Se contarmos o tempo de vida dentro do ovo, em 40 dias esses
canários já estavam prontos para viver por conta própria, independentemente dos
pais.
Isso não acontece com os humanos, que nascem MUITO dependentes e ficam
assim por bastante tempo. A hipótese mais aceita hoje em dia é que nascemos
prematuros. Os mecanismos evolutivos levaram-nos a essa solução provavelmente
por causa do tamanho de nossos crânios, que, se aumentasse muito, geraria
sérios problemas para passar pelo canal vaginal de nossas mães, com grandes
riscos a todos – ao filho, porque a passagem ficaria muito estreita; à mãe,
porque teria que parir um ser para o qual sua anatomia não está bem preparada;
e ao pai, porque veria seu brinquedinho prejudicado (não resisti à tentação da
PÉSSIMA piada). Desta forma, tornou-se mais proveitoso nascer “antes do tempo”
e crescer externamente do que se dar ao perigo de “travar” na passagem para o
mundo, ou causar lacerações nas parturientes e compressão nos bebês.
Ocorre que, nascendo precipitadamente, o volume de cuidados
demandados pelos bebês é muito maior. A mãe, provedora de alimento, tem a
necessidade de dedicação praticamente absoluta: a criança não pode ficar
sozinha, não pode tomar friagem, não pode isso, não pode aquilo. E quem vai
prover a mulher? O homem, é óbvio! Também ele precisará dedicar atenção
exclusiva à sua família. Neste contexto, se ele possuir várias mulheres para
cuidar ao mesmo tempo, cuidará mal de todas, arriscando toda a sua prole
recém-nascida. Neste caso, a monogamia é arma de sobrevivência, e não uma
disposição que nasceu do nada.
E é aí que temos o grande busílis. Há uma força natural que
pulsa em homens e mulheres, arrastando-os para a necessidade de reprodução. O
orgasmo é a principal recompensa que recebemos por nossa disposição em
perpetuar a espécie. Isso torna o prazer o componente mais significativo na
relação, e não a reprodução. Percebam como a humanidade não tem um período
específico de atividade sexual, como é o caso do cio de outros animais. Como
tal, há uma predisposição permanente em saciar sentidos e instintos.
Por outro lado, a necessidade inata de se cuidar da família
causa uma retenção nesses impulsos, e acaba derivando em uma disposição ética,
o compromisso monogâmico do casamento, tão importante que dá base aos modelos
sociais hoje vigentes no ocidente, e que está presente na maioria das
religiões. Mas ela não é garantia de sucesso de fidelidade, há uma espécie de
“diabo na carne” que fica cutucando os seres humanos, instigando-os a quebrar
seus laços de confiança. O acordo de fidelidade que ambos chegam é frágil
quando outros componentes esmaecem, como a paixão e as necessidades filiais. A monogamia é transitória; explica-se bem enquanto há necessidade de cuidados. Após isso, só uma disposição ética pode tentar mantê-la, e não um componente do pacote instintivo.
A traição é sempre dolorosa porque afeta o amor-próprio da
pessoa enganada. Por mais que se tente compreender as causas que levaram a cabo
o fato, há sempre a sensação de inferioridade, aquela história de que “não
satisfiz aquela vagabunda”, “não tem a menor consideração, esse filho da puta”,
e à raiva se soma a frustração. A pessoa traída se reduz, se sente humilhada, o que é sempre o mais dolorido.
A pergunta, para mim e portanto, precisa ser outra: se é
verdade que há uma certa predisposição à traição no ser humano, até que ponto
vale a pena se arriscar a sair machucado de uma relação? E, caso se conclua que
vale a pena, que mecanismos devem ser utilizados por ambos para contornar os
riscos de uma infidelidade? Fala-se muito de amor, mas este é um sentimento
muito amplo e dúbio para dar lastro sozinho à confiança. Amam-se pessoas,
amam-se animais, amam-se coisas. É possível amar ao cônjuge e ao amante ao
mesmo tempo, mesmo que os românticos digam que não. O amor, portanto, deve
possuir quais ferramentas para garantir uma união duradoura? Paciência,
razoabilidade, um cuidado permanente? O que mais?
Só que, para estas perguntas, eu não vou me atrever a tentar
dar respostas.
Recomendação de leitura:
Mais do que óbvio: Darwin. É um dos maiores cientistas de
todos os tempos, que parece ter matado a charada da origem das espécies
definitivamente. Mas, como a Ciência é aberta e refutável, por enquanto é
apenas a melhor teoria para explicar o que somos hoje. O nome da obra é
comprido bagarai, mas, a quem interessar, é mundialmente abreviado para “A
Origem das Espécies”.
DARWIN, Charles. A
origem das espécies através da seleção natural ou a preservação das raças
favorecidas na luta pela sobrevivência. Leça de Palmeira: Planeta Vivo,
2009.
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