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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Sobre o conflito interior exposto pela quebra de sigilo de um sitezinho de relacionamentos traquinas (ou mais simplesmente: sobre a infidelidade)

Olá!

Estourou a bomba! Não, não encontraram a prova definitiva contra a Dilma, não descobriram que o Neymar é argentino, e também não houve nenhum artefato que explodiu de verdade, como tanto gostam os terroristas de plantão. Ocorreu algo mais grave: um grupo de hackers fez vazar o cadastro do site Ashley Madison, especialista em relacionamentos. Com a garantia de sigilo absoluto, a página em questão montava sua publicidade em cima das traições conjugais, muito embora pudesse ser usado com propósitos mais... digamos... inofensivos, como são outros sites de encontros. Mas o fato é que quem se cadastrasse nele, já de pronto revelava sua predisposição em distribuir madeiradas, sendo casados ou não, os garanhões indomáveis. Como o tal sigilo virou um belo edital, com nomes, sobrenomes, endereços e telefones divulgados a quem quiser conferir, tem um monte de gente que descobriu o porquê dos buracos em seus bonés. Portanto, não se assustem ao verem gente pelada correndo por aí. Não se trata de protestos a la Femen, mas de outras pessoas que resolveram antecipar a saída do serviço.


O momento é propício para tratar do tema proposto no metapost pela Eliana Souza, freguesa habitual deste espaço: por que os homens traem? Vou assumir aqui a palavra “homem” como sinônimo de humanidade, já que ambos os sexos traem, e o farei do ponto de vista matrimonial, porque o conceito de traição é muito mais amplo do que isso.

Eliana e demais amigos, o homem trai por um motivo muito simples: é natural. Infelizmente, é isso.

E por quê? Vamos a Darwin. Lendo a biografia do ilustre cientista, descobrimos se tratar do proponente da teoria da evolução das espécies por seleção natural. Não foi o único que o fez, já que outro naturalista, Alfred Wallace, desenvolveu um trabalho independente que chegou às mesmas conclusões. Também não foi o primeiro a teorizar sobre evolução, já que o francês Jean Baptiste de Lamarck (citado neste post) havia pensado em um mecanismo evolutivo das espécies baseado na lei de uso e desuso. Nesta teoria, vemos que as espécies se originam umas das outras, como também pensava Darwin, só que as modificações entre elas se dão pela atrofia/hipertrofia de órgãos e membros de acordo com o uso que se faz dele – órgãos muito utilizados tendem a se desenvolver, órgãos pouco usados tendem a desaparecer. A girafa é o grande exemplo.

Desta forma, já podemos corrigir um erro bastante usual. Darwin não criou a teoria da evolução. Sua descoberta consiste no mecanismo que faz com que a evolução ocorra, a tal da seleção natural. Para chegar a tal conclusão, foi imprescindível a viagem que realizou ao redor do mundo, principalmente nas ilhas Galápagos, arquipélago localizado na região do Pacífico Sul, mais especificamente na costa do Equador. Lá, ele encontrou um sortimento enorme de espécies desconhecidas pelo corpo naturalista europeu, mas que guardavam a mesma estrutura dos animais existentes em outras localidades. Mais claramente, ele percebeu que, em cada uma das ilhas do arquipélago, as espécies se repetiam, mas com pequenas diferenças entre si. Em alguns pássaros, por exemplo, percebia o bico fino e pontudo, bem adaptado para a caça de insetos e larvas; o mesmo pássaro também estava presente em outras ilhas, com a diferença fundamental de que seu bico era mais rombudo, com a capacidade de quebrar castanhas. Estruturas idênticas, com exceção dos bicos. Darwin percebeu que o isolamento entre as ilhas fazia com que cada uma delas possuísse características próprias; e que o próprio fato de que são acidentes geográficos distintos entre si constituía um obstáculo à miscigenação entre espécimes de ambas, fazendo com que fossem altamente endêmicas.

Isso o ajudou a concluir que todas as espécies tinham uma ancestralidade comum – de uma forma ou de outra, somos todos irmãos, originados de um mesmo ser primordial. Nenhuma espécie nasceu pronta, todas evoluíram a partir de outras, sendo que as diferenciações são estabelecidas pelo meio em que vivem. Imaginem o tamanho da briga que uma afirmativa deste tipo gerou com a Religião (gera até hoje, para dizer a verdade).

Mas é na descrição do modo como essa evolução ocorre que Darwin é absolutamente original, e que vem sendo corroborada através dos tempos com mais e mais evidências, fazendo com que, no campo científico, tenha se tornado praticamente uma unanimidade.

Primeiramente, a seleção natural se dá pela melhor adaptação ao meio. Disso, podemos descartar um segundo erro frequentemente cometido – a seleção natural não é a lei do mais forte, mas da espécie que melhor interage com os elementos constitutivos do ambiente em que vive. Às vezes, é mais proveitoso biologicamente para uma espécie se tornar menor, para que possa usar técnicas de fuga e ocultação com mais eficiência, ou se tornar menos rígida, para se curvar melhor ao vento. Vamos fazer uma comparação tosca para tentar entender melhor como funciona a seleção natural.

Imagine que você é um pai d’égua (ou mãe) e tem dez filhos. Vamos descartar a solidariedade fraternal e pensar em um ambiente o mais próximo possível do estado natural.

Eles não serão todos iguais. Naturalmente, alguns deles serão mais fortes do que os outros. Poderão caçar melhor, consumir alimentos em maior e melhor quantidade. Darão sensação de segurança às mulheres como um todo, e poderão escolher as que melhor lhes convier, dando a você as mais belas noras e mais robustos netos. Os filhos não tão fortes, mas não tão fracos, terão para si o que sobrar; vão comer o que der, e as mulheres que lhe caberão não estarão à sua livre escolha. Os mais fracos não conseguirão muito coisa. Talvez não cheguem a procriar, ou nem atingirão a idade adulta. A tendência destes últimos é se extinguir, enquanto os mais fortes espalharão sua prole com maior eficiência. Os do meio precisarão desenvolver estratégias que lhes permitam disseminar seus genes. Pode ser que alguma circunstância lhes seja favorável, e, neste caso, haverá um caminho de adaptação onde possam manter a espécie. Seria o caso, por exemplo, de uma melhor resistência à escassez de alimentos. Com isso, poderiam viver melhor em regiões semidesérticas, e seus netinhos migrariam para o Saara, onde os irmãos mais velhos não precisariam/poderiam chegar.

É claro que a nossa noção de seleção natural padece de fácil compreensão por causa do nosso problema de mente descontínua, o qual abordarei muito em breve, mas podemos vê-la acontecendo à nossa frente, se descermos ao nível microscópico, porque pequeníssimas alterações no organismo formam grandes diferenciais. Pensemos no caso das bactérias. Muitas delas são patogênicas, como bem sabemos, e a moderna farmacêutica nos coloca um arsenal de antibióticos para combatê-las. Quando temos uma dor de garganta, apelamos para um medicamento como a Amoxicilina, Ampicilina, Ciprofloxacino, Cefalexina ou outra poção mágica moderna. A ação do antibiótico, grosso modo, é matar a maior parte das bactérias instaladas na garganta, deixando um pequeno contingente para que as próprias defesas do organismo completem o serviço. Ocorre que há uma dosagem correta para que o remédio faça seu efeito. Muitas vezes, já não sentimos as agruras da doença, e com isso interrompemos o uso. É um erro, porque caso as bactérias não estejam minimizadas o suficiente para que o próprio organismo as elimine, a porção resistente poderá crescer em quantidade, e o tal antibiótico não faz efeito sobre elas. Daí, teremos as recidivas e suas amargas consequências, necessitando mudar de medicamento para combatê-las.

Outro exemplo são os vírus de gripe. Já perceberam que todo ano temos uma onda de contaminações que provocam diferentes reações em nossos combalidos organismos? É que os vírus da gripe se modificam de um ano para o outro. As vacinas destinadas a determinadas cepas não são eficientes para as novidades. Essas pequenas modificações fazem com que os anticorpos não reconheçam os vírus como agentes patogênicos e deixem-nos passar batidos. Alguns deles são muito letais, como foram os casos da gripe espanhola (início do século XX) e da gripe de Hong Kong (década de 60 do mesmo século). Outros causam sintominhas de fim de feira, pouco afligindo o contribuinte. Mas, de uma forma ou de outra, são os mecanismos de adaptação se demonstrando.

Essas modificações não ocorrem de maneira abrupta em seres superiores. Aliás e falando nisso, pequena pausa para explicar que, na teoria da evolução, não existe uma hierarquia conhecida com scala naturae, que significaria um rumo de um ser menos evoluído para um mais evoluído, de forma a se achar que, por exemplo, todas as espécies de macaco um dia se tornarão homens. Não, nada disso. Esse é outro erro comum quando se pensa em evolução. Todas as espécies tem um mesmo nível de evolução, bastando para prová-lo o fato de que estejam todas vivas no mesmo momento. Nesse sentido, o termo seres superiores não quer dizer seres melhores, ou mais bem adaptados. Quer dizer apenas e tão somente que são seres que tem uma maior complexidade em seus organismos.

De novo. Nos seres superiores, as mudanças não ocorrem de maneira tão repentina, como gostam de especular os opositores da ideia da evolução. Vão se acumulando através de milhares e milhares de anos, pequeníssimas mutações que, por representarem uma vantagem, acabam se perpetuando. São transmitidas geneticamente aos seus descendentes, coisa que Darwin não sabia. Isso quer dizer que estas características vão sendo inscritas em nosso DNA. Quando se dá a reprodução, lá se vão elas se espalharem pelo mundo. E uma das melhores maneiras de garantir a sobrevivência da espécie como um todo é reproduzir-se o máximo possível. Isso é uma ferramenta de um dos instintos mais primordiais de qualquer ser vivo, não é exclusivo dos humanos.

E agora começamos a nos aproximar mais essencialmente do tema. Cada espécie desenvolve, de acordo com o que é possível, melhores estratégias para se reproduzir. Quando os peixes se reproduzem, por exemplo, geram milhares de indivíduos em um só ato. O nível de proteção que os pais oferecem é muito baixo, e, em termos percentuais, os alevinos que chegarão à idade adulta são muito poucos. Mas em condições normais serão em maior número do que o casal que os gerou. Já outras espécies, como é o caso dos humanos, o processo de geração da prole é completamente diferente. É uma gestação longa, com índice de gemelaridade baixíssimo, que, quando ocorre, redunda em gestação de alto risco. Pensando em um estado natural, o número possível de descendentes que uma mulher pode gerar é bastante pequeno, se comparado ao de outras espécies. Portanto, quanto mais se reproduzir, maior a chance de que a espécie humana sobreviva. E isso implica na multiplicação de parceiros, lamento.

É pelo mesmo motivo que existem poucas espécies que adotam o conceito de fidelidade “conjugal”. Águias, coiotes e alguns poucos mais. É romântico, bonitinho, mas pouco eficiente. O fundamento desses bichos parece ser algo como “em time que está ganhando não se mexe”. Ou seja, uma reprodução bem sucedida com um parceiro parece conceder um alvará para que futuras cópulas gerem novamente filhotes saudáveis. Mas essa é uma exceção.

Pois bem. Isso quer dizer que não há nenhuma vantagem biológica na monogamia, e que a fidelidade ao parceiro é uma mera construção social baseada no egoísmo? Não, de forma alguma. A monogamia é uma estratégia de sobrevivência necessária ao ser humano. Vamos deslindar.

Para início, vamos fazer uma comparação. Para quem não sabe, eu tenho uma criação de passarinhos. No dia em que publico este texto, há nos meus viveiros oito canários, dois mandarins, um diamante, duas codornas, dois manons e seus três filhotes, cujos ovos acabam de eclodir. Dos oito canários, seis são parentes. A foto abaixo é de dois dias após a quebra do último dos quatro ovos.

Menos de um mês depois, já os tínhamos praticamente formados, comendo autonomamente e tenteando os voos para lá e para cá, atabalhoados.


Se contarmos o tempo de vida dentro do ovo, em 40 dias esses canários já estavam prontos para viver por conta própria, independentemente dos pais. 

Isso não acontece com os humanos, que nascem MUITO dependentes e ficam assim por bastante tempo. A hipótese mais aceita hoje em dia é que nascemos prematuros. Os mecanismos evolutivos levaram-nos a essa solução provavelmente por causa do tamanho de nossos crânios, que, se aumentasse muito, geraria sérios problemas para passar pelo canal vaginal de nossas mães, com grandes riscos a todos – ao filho, porque a passagem ficaria muito estreita; à mãe, porque teria que parir um ser para o qual sua anatomia não está bem preparada; e ao pai, porque veria seu brinquedinho prejudicado (não resisti à tentação da PÉSSIMA piada). Desta forma, tornou-se mais proveitoso nascer “antes do tempo” e crescer externamente do que se dar ao perigo de “travar” na passagem para o mundo, ou causar lacerações nas parturientes e compressão nos bebês.

Ocorre que, nascendo precipitadamente, o volume de cuidados demandados pelos bebês é muito maior. A mãe, provedora de alimento, tem a necessidade de dedicação praticamente absoluta: a criança não pode ficar sozinha, não pode tomar friagem, não pode isso, não pode aquilo. E quem vai prover a mulher? O homem, é óbvio! Também ele precisará dedicar atenção exclusiva à sua família. Neste contexto, se ele possuir várias mulheres para cuidar ao mesmo tempo, cuidará mal de todas, arriscando toda a sua prole recém-nascida. Neste caso, a monogamia é arma de sobrevivência, e não uma disposição que nasceu do nada.

E é aí que temos o grande busílis. Há uma força natural que pulsa em homens e mulheres, arrastando-os para a necessidade de reprodução. O orgasmo é a principal recompensa que recebemos por nossa disposição em perpetuar a espécie. Isso torna o prazer o componente mais significativo na relação, e não a reprodução. Percebam como a humanidade não tem um período específico de atividade sexual, como é o caso do cio de outros animais. Como tal, há uma predisposição permanente em saciar sentidos e instintos.

Por outro lado, a necessidade inata de se cuidar da família causa uma retenção nesses impulsos, e acaba derivando em uma disposição ética, o compromisso monogâmico do casamento, tão importante que dá base aos modelos sociais hoje vigentes no ocidente, e que está presente na maioria das religiões. Mas ela não é garantia de sucesso de fidelidade, há uma espécie de “diabo na carne” que fica cutucando os seres humanos, instigando-os a quebrar seus laços de confiança. O acordo de fidelidade que ambos chegam é frágil quando outros componentes esmaecem, como a paixão e as necessidades filiais. A monogamia é transitória; explica-se bem enquanto há necessidade de cuidados. Após isso, só uma disposição ética pode tentar mantê-la, e não um componente do pacote instintivo.

A traição é sempre dolorosa porque afeta o amor-próprio da pessoa enganada. Por mais que se tente compreender as causas que levaram a cabo o fato, há sempre a sensação de inferioridade, aquela história de que “não satisfiz aquela vagabunda”, “não tem a menor consideração, esse filho da puta”, e à raiva se soma a frustração. A pessoa traída se reduz, se sente humilhada, o que é sempre o mais dolorido.

A pergunta, para mim e portanto, precisa ser outra: se é verdade que há uma certa predisposição à traição no ser humano, até que ponto vale a pena se arriscar a sair machucado de uma relação? E, caso se conclua que vale a pena, que mecanismos devem ser utilizados por ambos para contornar os riscos de uma infidelidade? Fala-se muito de amor, mas este é um sentimento muito amplo e dúbio para dar lastro sozinho à confiança. Amam-se pessoas, amam-se animais, amam-se coisas. É possível amar ao cônjuge e ao amante ao mesmo tempo, mesmo que os românticos digam que não. O amor, portanto, deve possuir quais ferramentas para garantir uma união duradoura? Paciência, razoabilidade, um cuidado permanente? O que mais?

Só que, para estas perguntas, eu não vou me atrever a tentar dar respostas.

Recomendação de leitura:

Mais do que óbvio: Darwin. É um dos maiores cientistas de todos os tempos, que parece ter matado a charada da origem das espécies definitivamente. Mas, como a Ciência é aberta e refutável, por enquanto é apenas a melhor teoria para explicar o que somos hoje. O nome da obra é comprido bagarai, mas, a quem interessar, é mundialmente abreviado para “A Origem das Espécies”.

DARWIN, Charles. A origem das espécies através da seleção natural ou a preservação das raças favorecidas na luta pela sobrevivência. Leça de Palmeira: Planeta Vivo, 2009.

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