Olá!
Quando pensei em ir a São Thomé das Letras, estando
hospedado em Caxambu, comecei a procurar os melhores caminhos, conforme
expliquei no texto citado. Uma das vias possíveis empurrava-me mais a leste, de
forma a cruzar duas cidades antes de chegar ao meu pretendido destino. Uma
delas não fazia parte do meu roteiro mental, mas como houve algo que me chamou
a atenção nela, fiz sua adição ao meu circuito. Trata-se da cidade de Cruzília.
Esse nome, evidentemente, significa Terra da Cruz, mas não
deriva simplesmente do sentimento religioso. O lugarejo que lhe deu origem era
o cruzamento de duas estradas que levavam à região de extração de ouro em Minas
Gerais, e, por isso mesmo, era conhecido como Encruzilhada. Acho que para dar
uma aliviada na perspectiva umbandista do termo, foi acrescentado o nome do
padroeiro do local à sua frente, e passamos a ter São Sebastião da
Encruzilhada, até chegar ao nome hodierno, em sua emancipação municipal. Mas o
padroeiro ficou, e é o patrono da cidade e da igreja matriz.
Sebastião, aliás, foi um daqueles mártires dos primeiros
tempos do Cristianismo, que costuma ser representado em seu momento de
condenação. O sincretismo com a Umbanda associou-o com uma divindade própria:
Oxóssi, orixá da caça. Como é o padroeiro da cidade do Rio de Janeiro, é um
santo dos mais conhecidos no Brasil.
Sua reverência não para por aí. Na entrada da cidade, há uma
imagem do santo abençoando os transeuntes ainda na estrada, e há uma série de
referências no comércio local e em outros estabelecimentos, como esta escola,
com prédio antigo e muito bonito.
A igreja matriz tem outros qualificativos. Ela é um
santuário, que, na estrutura católica, significa se tratar de igreja destino de
peregrinações, especialmente no caso em que possua algum tipo de objeto
sagrado, como uma imagem ou relíquia. No caso, temos a cruz que fica no mirante
da serra, e uma erigida bem na frente da igreja. É o Santuário da Santa Cruz.
O interior da igreja é fartamente decorado, com o estilo
colonial típico destas cidades do interior. Chamou-me a atenção uma decoração
especial feita ao redor do ambão, com jarros de argila, flores e tecidos, além
dos detalhes do móvel em si.
O culto ao Padre Vitor e a Nhá Chica se estende por aqui,
como por toda região. No próximo texto, finalmente vou me aprofundar um pouco
mais na história de ambos, de como se originaram e persistem seus cultos até os
dias de hoje. Desculpem pela foto com qualidade vergonhosa.
Do lado de fora da igreja, a tradicional praça, com o tradicional
coreto, com a tradicional calma e com a tradicional limpeza, no topo de um
morro que impera sobre as casinhas das ruas adjacentes.
Na parte de trás da mesma igreja, há uma outra praça,
dedicada ao monsenhor João Câncio, primeiro padre daquele distrito, que se
encarregou de cuidar não somente da parte espiritual, mas da educação do lugar,
ao fundar sua primeira escola. Há um busto em sua homenagem, que está merecendo
uma reforminha.
Cruzília é conhecida pela alta qualidade dos queijos que
produz. Um deles, inclusive, foi classificado em quarto lugar em uma seleção
dos melhores queijos do mundo. Seu empório é o local onde se vende tal acepipe,
mas há vários outros produtores espalhados pela zona rural do município.
A bem dizer da verdade, o queijo é verdadeiramente
sensacional, com um preço até que razoável, dada sua fama, e com uma variedade
bastante farta. Mas há um probleminha: como queijo é uma coisa naturalmente
onerosa, mesmo que não se pratiquem preços abusivos, é necessário que o
comprador tenha critério. Somos um país pobre, infelizmente é isso. Dessa
forma, sugerimos que os vendeiros não se aborreçam quando pedirmos uma prova.
São limitações do orçamento, e não uma mera sanha em se aproveitar para provar
de tudo e forrar o bucho.
Mas não há dúvida que o mais pitoresco que existe na cidade
é o seu Museu do Mangalarga Marchador. É um lugar único, que se dedica a contar
a história e de demonstrar como é essa raça de cavalos desenvolvida no Brasil,
mais especificamente nesta região de Minas Gerias.
A casa em si já é um atrativo a parte. Era sede da Fazenda
Bela Cruz, e é uma daquelas grandes construções que os fazendeiros mais
endinheirados costumavam levantar para passar seus dias nas zonas urbanas
próximas às suas terras, onde podiam fazer seus negócios mais confortavelmente.
O edifício é construído na base mais comum à época: taipa de pilão, uma espécie
de mistura de barro batido com substâncias aglutinantes, como a gordura.
Moldava-se rigidamente às armações de madeira das paredes, formando uma
estrutura bastante sólida, ainda que muito sujeita à umidade.
A casa em questão era pertencente a Gabriel Francisco
Junqueira, mais conhecido como Barão de Alfenas, que tem o mérito de ter
desenvolvido essa nova raça de cavalos, o Mangalarga Marchador, que dá nome ao
espaço. Além disso, foi influente figura política dos tempos do império e
proprietário de muitas, mas muitas posses.
O museu é dividido em duas partes. No andar inferior, temos
um espaço destinado a exposições temporárias, chamado Espaço Cultural
Beija-Flor.
Neste local, são realizados saraus, apresentações musicais,
palestras e mostras temáticas. Na ocasião de nossa visita, tínhamos a exposição
“Memórias da Casa Bela Cruz e Fazendas Tradicionais”.
Trata-se de uma ampla gama de objetos, utensílios domésticos
diversos, artigos de uso pessoal e fotografias distribuídos pelo porão de forma
a dar coerência nos seus contextos de utilização.
A ideia é retratar um conceito de época, fazendo o
transporte histórico aos tempos em que casas como essa ainda eram residência dos
proprietários de terra, do modo como viviam, como recebiam suas visitas, como
se alimentavam e se levavam momentos de lazer.
Já o andar de cima é dedicado propriamente ao cavalo e a
tudo o que o cerca. Há vídeos e painéis que explicam sua origem e padrões.
Devido ao relevo da região, achou-se necessário produzir um cavalo veloz para o
galope sem perder um mínimo de comodidade. Um cavalo rápido, mas
desconfortável, acabaria com a espinha de qualquer peão; e um cavalo cômodo,
mas lento, levaria qualquer viagem por esse jardim de morros ao infinito e além,
interminavelmente.
O museu, além do cavalo em si, expõe um acervo considerável
de equipamentos destinados à montaria e ao trabalho de campo, como estribos,
rédeas, freios, bridões e selas.
E também são exibidas rouparias típicas dos peões que
precisavam atravessar estradas e matagais, com a preponderância de artigos de
couro cru. Com o calor que fazia naquela manhã de setembro, eu passava mal só
de ver aquele montante de peças grossas, pesadas e impermeáveis.
Renilda e Luana são os nomes das guias do museu, tão
simpáticas e receptivas como é a própria instituição (ABCCMM – Associação
Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador), mantida pela
associação de criadores da espécie-tema. Um belo cafezinho com bolachas para
fechar a visita.
Como eu já devo ter falado neste blog, sou um ser
eminentemente urbano. Nasci na Mooca, cresci na Vila Ema, casei no Parque São
Lucas, tive filhos no Jardim Elba e hoje moro na Sé, tudo na cidade de São
Paulo, o maior conglomerado urbano desta Latinoamérica. Meu contato com as
zonas rurais se limita aos meus parentes do Paraná e, embora não seja
exatamente um nó cego nessas coisas do interior*, há certas lógicas que me são
estranhas. Uma delas é o uso comum de leilões. Na cidade, leilão é uma coisa do
imaginário ou do judiciário. Este último para, principalmente, quitar dívidas
dos tristes insolventes, e o outro vindo das comédias de erros, onde um idiota
qualquer compra involuntariamente algo aparentemente inútil. O roteiro
geralmente se fecha com a tranqueira se revelando valiosa, depois de causar um
monte de percalços ao seu abobado comprador. Mas no campo a prática é muito
mais frequente, inclusive para comerciar o tal do cavalo Mangalarga Marchador.
Assisti uma vez a um leilão beneficente em Paraibuna,
mas que, justamente pelo seu caráter caritativo, serve unicamente como amostra
do que são os leilões de gente grande. A coisa é cercada de uma aura de
combate, como se os contendores calçassem luvas de boxe. E isso tudo me fez
pensar na Teoria dos Jogos, que estuda as estratégias e comportamentos das
partes envolvidas para obter os melhores retornos possíveis, e que anda muito
em voga nesses tempos de empreendedorismo e autoajuda.
Falando francamente, por mais que eu estude a tal teoria,
não consigo me convencer da plenitude de sua validade, principalmente pelo seu
uso profuso por aquela galera que gosta de jogar ciência no seu discurso como
forma de convencer uma incauta audiência do mundo empresarial (aqui tem
um bom exemplo), mas ela não me parece plenamente nula de valor, muito pelo
contrário. É que talvez eu não manje tanto de Economia quanto deveria. Mas
sigamos.
Para entendê-la, é preciso fazer alguns ajustes. Em primeiro
lugar, o nome “Teoria dos Jogos” pode dar uma impressão de fundo lúdico, já que
seu termo raiz, o latino jocus,
significa zombaria, troça, escarnecimento, brincadeira, de onde vem a palavra
“jocoso” e o termo inglês joker, que
significa palhaço. Mas a teoria, em tese, cuida de coisas sérias, então é
melhor pensar em termos mais duros, como certame ou disputa, que fazem pensar
em confronto entre adversários.
Outra coisa é ter o cuidado de ter em mente que o valor
preditivo da Teoria dos Jogos é zero, o que faz com que o próprio termo
“teoria” seja impróprio (teoria, no sentido científico, tem o caráter que
esmiucei neste texto). Seus defensores alegam que seu valor mais
autêntico está na capacidade de gerar escopos de possibilidades, e não
prognósticos, e aceitarei tal alegação, para o bem da concisão deste texto.
Feitas estas considerações, vamos ao cerne, como o faminto
avança ao prato de comida. A Teoria dos Jogos tenta aplicar um modelo
matemático às circunstâncias em que há uma disputa onde não há certeza de que
será possível adotar estratégias colaborativas entre seus partícipes, mormente
aplicáveis a questões econômicas e de negócios, mas também atribuíveis a outros
campos. Com isso, a aplicação séria desta teoria visa fornecer os elementos
estruturais de uma determinada relação competitiva. A Teoria dos Jogos pela via
da autoajuda, por outro lado, tenta convencer o contendor de que lhe podem ser
providas ferramentas para vencer qualquer tipo de embate financeiro. Deu para
perceber a diferença de propósitos? Esse último tipo de baboseira, nós vamos
deixar de lado.
Seguindo. Seres humanos, diferentemente do que ocorre com
ursos ou toupeiras, gostam de viver em comunidade, e, se são assim, estabelecem
relações que obrigatoriamente possuem interatividade (porque de nada adianta
viver conjuntamente sem alguma forma de comunicação) e interdependência (onde
cada um dos membros desempenha um papel necessário, que traz proveito para si e
para os demais). Essa teia de relações, vistas como um todo, parecem funcionar
bem, haja vista à própria existência da comunidade. No entanto, quando descemos
aos subgrupos ou às individualidades, há situações de desequilíbrio, e não
estou falando aqui de mazelas sociais, mas de um ganha-perde relativamente
normal, até mesmo esperado. Todas as relações humanas envolvem algumas
flutuações, onde, por exemplo, um lado cede e outro se beneficia; talvez o
movimento se reverta em uma próxima ocasião. Isso significa que as interações,
sejam no foro íntimo, sejam no mundo dos negócios, envolvem estratégia de ação.
Por exemplo: há dois jogos no final de semana no mesmo horário – um do Juventus,
outro da Portuguesa. Eu quero ir ao primeiro, a patroa ao dos patrícios. Para
não colidir, podemos chegar a um acordo. Vamos no do Juventus esta semana, e na
Lusa no domingo seguinte. Isso parece OK, mas pode haver algumas táticas por
trás disso. A cara-metade cede hoje, sabendo que o jogo vindouro tem mais
importância para o campeonato; eu faço questão hoje, tendo em mente que há
previsão de chuva para a próxima rodada. E, assim, cada um de nós segue um tipo
de decisão mais ou menos raciocinado. Isso é o que se pensa quando se fala em
“jogo” na teoria ora analisada. Colocamos na mesa as hipóteses viáveis para a
resolução de um determinado conflito e sopesamos cada uma delas, da melhor
maneira possível. Para ambos? Nem sempre. Se sim, ou seja, quando ambos ganham
e trabalham para isso, temos uma interatividade cooperativa. Mas há situações
onde, para alguém ganhar, é preciso que outro perca. E por isso é que temos a
disputa, a interação competitiva.
O que a Teoria dos Jogos preconiza é que essas estratégias
podem ser reduzidas a esquemas, portanto. E, uma vez esquematizadas, as
interações passam a oferecer um desenho lógico, de modo a se explicitar os
rumos que estão tomando e para onde podem ser desviadas. E aqui a comparação
com os jogos torna essa capacidade de se desenhar a lógica das situações um
pouco mais fácil de entender. Vamos pegar o futebol de novo. Nele, você sabe
exatamente quem são os disputantes, há um conjunto de regras bem determinado, há
uma certa quantidade de informações sobre o que se disputa e o que é preciso
fazer para se obter resultados positivos. Os envolvidos na disputa são os
jogadores: onze para cada lado, com direito a três substituições e orientação
de uma comissão técnica. As regras são aquelas famosas dezessete, que envolvem
campo, bola, árbitros, duração da partida, faltas, impedimento, córner e etc.
As informações dizem respeito ao que a partida vale: um campeonato e o quanto
ele paga, um torneio amistoso, uma pelada de solteiros versus casados. E vencer
ou perder depende de gols, esse é o meio que se tem para preponderar sobre o
contendor. Em resumo, temos o quem, o como, o porquê e o para quê. De um modo
tosco e sem considerar diferenças de placar, podemos correlacionar todas essas
situações da seguinte forma:
Desta forma, podemos delinear graficamente as situações
possíveis de uma partida entre os tradicionais times desta capital das terras
de Piratininga. Cada quadradinho representa um placar possível, sendo que,
quando os dois resultados são iguais, temos um empate. Do contrário, há um
vencedor e um perdedor. Com isso, estão esquematizadas as possibilidades em uma
matriz dois por dois e finito. Cada
um dos quadradinhos é o que se chama de pay-off,
que nada mais é do que um dos resultados possíveis, ou seja, o que cada um dos
contendores paga ou recebe pela concretização de uma das hipóteses. No primeiro
pay-off, a Portuguesa faz um gol e o
Juventus toma um gol (isso é chamado de jogo de soma zero, que ocorre quando uma
circunstância positiva para um player
é obrigatoriamente negativa para o outro), e a Lusinha tão gloriosa outrora vence
o embate. Temos dois pay-offs que
preveem empates e um outro ainda que indica vitória do Moleque Travesso. Mas
isso é só um exemplinho boçal. A coisa é muito mais profunda, e tem muito a ver
com a incapacidade de se prever o que o pessoal do lado de lá vai fazer. E isso
fica claro no problema mais clássico da Teoria dos Jogos: o Dilema do
Prisioneiro. Seu enunciado:
Sejam dois meliantes
que foram pegos com a boca na botija na cena de um crime qualquer, mas sem que
se possa determinar com exatidão qual deles realizou a ação. Para tentar
elucidar o delito, a polícia prende ambos em celas separadas e faz a cada um a
seguinte oferta: se você acusar seu companheiro pelo crime e ele se calar, você
será libertado e o infeliz ficará preso por dez anos. Se ambos ficarem quietos,
a condenação será de um ano para cada um. E, se ambos acusarem-se mutuamente, a
pena ficará em cinco anos.
Esquematicamente, teremos o seguinte (os números referem-se
ao tempo de pena):
Vejamos o que há de características no problema. Como a
decisão de cada um dos prisioneiros será simultânea e desconhecida para o
outro, a estratégia a ser adotada deverá levar em consideração uma das duas
seguintes opções: sendo certo que o ideal é ficar preso pelo menor tempo
possível, melhor seria delatar e concorrer a uma pena zero ou silenciar e arriscar
a pegar a pena mais leve, de um ano? Neste caso, é preciso procurar os pontos
de equilíbrio do sistema, e, em um caso simples como esse, eles são dois.
Um deles é o Ótimo de Pareto, de quem já falei em um antigo post sobre a cidade de Arapeí. Seu princípio básico é a chegada em
um ponto onde não há para onde se mover sem que se prejudique a posição de outrem.
Em outras palavras, é aquele famoso caso em que um governo afirma não poder
gastar mais em educação sem tirar dinheiro da saúde; se o fizer, haverá
prejuízo nas filas de hospital, ainda que as mesmas diminuam nas creches. Como
já falei sobre o tema, não vou me aprofundar. Na matriz, o ótimo de Pareto é
representado pelo silêncio mútuo: não há como ser melhor para a situação de
ambos conjuntamente, bastando somar as penas conjuntas das quatro situações,
que, no caso, é igual a dois. Nenhuma outra situação proporcionará menos tempo
de cadeia, mesmo que um dos prisioneiros fique livre.
O outro é o chamado equilíbrio de Nash, em referência ao
matemático e economista John Nash, cuja epopeia de vida foi romanceada no filme
Uma Mente Brilhante. Nash não foi o criador da Teoria dos Jogos (John Von
Neumann, o criador do computador moderno, é quem primeiro sistematizou esquemas
de estratégia de decisão), mas a aperfeiçoou ao ponto de ser laureado pela
Academia Sueca pelo seu feito. Ele observou que, aparentemente, os oponentes em
um sistema tenderiam a optar pelo melhor pay-off
possível. No caso do Dilema do Prisioneiro, sem dúvida, seria delatar o rival,
pois só assim seria possível conseguir a liberdade. Isso é o que se chama de
estratégia dominante. Mas a adoção da estratégia dominante por todos os
contendores encaminha a solução para fora da intenção de cada um, porque não há
como ter dois vencedores em jogos não-cooperativos, assim como não dá para
saber o que se passa na cabeça dos demais, e chegamos a uma situação de
equilíbrio diferente do ótimo de Pareto. Aqui, não temos a melhor solução
possível, mas uma situação em que nada mais pode ser feito no embate para que a
situação dos adversários se modifique. Voltando ao Dilema do Prisioneiro,
teremos que ambos os safardanas, optando pela estratégia dominante,
alcaguetarão seu êmulo, na esperança de saírem livres. Mas o resultado será a
condenação de ambos por cinco anos, pena para o mútuo dedo de seta. E esta se
torna uma situação de equilíbrio, porque, considerando que o Prisioneiro 1
tenha delatado o prisioneiro 2, nada pode este fazer de melhor a não ser delatá-lo
também. Ser delatado já faz com que cinco anos seja a pena mínima, com o risco
de pegar dez, caso mantenha-se a quietude. Ser delatado significa
impossibilitar a liberdade e a leve pena de um ano. Essa situação é o tal de Equilíbrio de Nash, e é o segundo ponto
de equilíbrio de um jogo em que a colaboração não é viável.
No filme mencionado, há mais um bom exemplo de como Nash
encara a Teoria dos Jogos e como chega ao seu equilíbrio, na guerra de
conquista da loira linda. Outro filme que demonstra claramente o uso da Teoria
dos Jogos, ainda que não a mencione explicitamente, é Jogos de Guerra, que
assisti em seu lançamento no Brasil, algo raro na minha história. Ali, o peso
maior está em decidir se vale a pena ou não atirar a primeira pedra. No caso, a
pedra é um míssil nuclear. Vou recomendá-los mais abaixo.
E isso tem tudo a ver com os leilões de cavalos, que, como
já comentei, é um dos principais meios com os quais o pessoal das coudelarias
comercia seus simpáticos bichinhos. Quando estamos colocados para um leilão, é
perfeitamente possível esquadrinhar, ainda que mentalmente, um diagrama de
jogos, que seria tão mais complexo quanto maior for a quantidade de
concorrentes. Os concorrentes presentes possuem estratégias que são, ao mesmo
tempo, sucessivas e simultâneas. Quando um determinado lance é dado para um
animal, já temos a concretização de uma estratégia. A decisão dos demais
contendores em suplantá-lo ou não é outra, e assim sucessivamente, até o arremate
final. Tudo é estratégico dentro do certame: reservar fundos para um cavalo
específico, espalhar lances em diversas rodadas para valorizar os lotes, tentar
fazer alguns dos itens fracassar para reduzir os preços globais, vistoriar os
semoventes, fazer lances às cegas confiando no leiloeiro, arrematar lotes
mistos para aproveitar as peças melhores. Isso faz com que as variáveis dos pay-offs sejam muito mais numerosas, e a
matriz de cada um desses jogos fica muito mais múltipla do que o inocente
esquema do Dilema do Prisioneiro. A imprevisibilidade das decisões faz com que,
na minha humilde opinião, um leilão de cavalos se aproxime muito mais da
não-linearidade dos sistemas da Teoria do Caos (veja aqui) do que da
matematização proporcionada pela Teoria dos Jogos, e acho que é isso que me faz
resistente, mas Matemática e Economia não são minhas áreas, por isso não
fecharei vereditos. Prefiro me restringir aos parâmetros estéticos dos cavalos
e da casa que abriga sua história, visita tão inesperada e agradável quanto a
pequena cidade que os abriga.
Recomendações:
O livro abaixo é usado academicamente por contar com muitos
exemplos de jogos com visão econômica:
BIERMAN, H. Scott; FERNANDES, Luis. Teoria dos Jogos. Campinas: Pearson, 2011.
Como eu disse, há um filme que contém uma biografia
romanceada sobre John Nash. Sendo uma peça de livre autoria, é preciso ter
certas reservas, mas Nash tinha mesmo alguns problemas, como a esquizofrenia.
De qualquer forma, é um bom filme, mesmo que fosse de ficção.
HOWARD, Ron. Uma Mente
Brilhante. Filme. Universal Pictures, 2001. Cor. 134 min.
E o outro filme citado, que parece uma aventurinha da Sessão
da Tarde, mas não é. Em uma época de plena Guerra Fria, ver como era fácil uma
potência disparar um saco de ogivas na cabeça da outra (com a reação óbvia) era
assustador.
BADHAM, John. Jogos de Guerra. Filme. United Artists, 1983.
Cor. 114 min.
* Bastando lembrar que, quando eu era um alegre petiz, a
área onde hoje fica a Anhaia Melo era composta de chácaras de fora a fora, e eu
era uma espécie de estafeta da casa, inclusive para comprar legumes e verduras,
o que me fazia frequentar aquela mancha rural em plena cidade frequentemente.
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