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Pequena, no caso, é eufemismo. A cidade é realmente minúscula, a menor de todas as que visitamos. Sua população não passa de 2500 habitantes. É bastante nova como município, já que se desmembrou de Bananal apenas em 1991. O motivo de sua emancipação provavelmente foi porque se trata de um lugarejo distante da sede do município.
Bom. Aqui, em contraste com as cidades visitadas
anteriormente, permanece o mesmo respiro histórico, mas ele é proporcional ao
tamanho da cidade. Um dos exemplos mais marcantes é um casarão na beira da
estrada, um tanto abandonado, e que provavelmente se tratava da sede de alguma
fazenda.
Pela pequena região urbana, as casas são tremendamente
simples, de poucos cômodos e todas emendadas e incrustradas nas ladeiras, mas,
em geral, razoavelmente bem preservadas em sua singeleza, o que não deixa de
ter sua beleza peculiar.
Todo o equipamento público também é bastante acanhado (e
bonito). Na foto abaixo, temos uma imagem da sede da Prefeitura Municipal...
... e do Conselho Tutelar, um imóvel com a estranha ausência
de calçada em sua lateral.
Bom, a rigor, o tráfego não é mesmo o pior dos problemas da
cidade, onde pudemos observar algumas pessoas andando a cavalo, de carroça ou
de bicicleta. O coreto da cidade foge um pouco do padrão do que costumeiramente
observamos. Tem o formato mais semelhante ao de uma tribuna, em seção quadrada,
e provavelmente deva ser utilizada não só para música, mas também para as
manifestações políticas locais.
No caso específico de Arapeí, a igrejona matriz é o que há
de mais interessante. E, neste caso, interessante mesmo. Postada no alto de um
morro, é visível em quase toda a cidade.
É um edifício de bela feitura, com passagens para o coro
bastante largas, o que torna possível uma ocupação bastante significativa nas
solenidades mais relevantes.
A igreja é dedicada a Santo Antônio de Pádua, meu santo
padroeiro, e seu nome completo é Santo Antônio do Barreiro de Baixo. Como já
disse anteriormente, fica no alto de um morro íngreme, bem daqueles que eu já
mencionei nos textos anteriores, e de seu adro é possível observar uma boa
parte da paisagem da cidade, como o campo de futebol abaixo, a corroborar a sua
altitude.
A igreja contém uma relíquia curiosa e um tanto macabra. Um
pedaço de pele de seu padroeiro, Santo Antônio! Ela fica depositada em um
relicário em forma de ostensório, que, por sua vez, está colocado em um nicho
amparado por uma vidraça. Ela não foi consumida pelo tempo porque se encontra
completamente desidratada.
Pela fotografia, não dá para perceber muito bem do que se
trata, já que é uma relíquia bastante diminuta. Fiquei sabendo da existência de
outra igual na cidade de São Pedro, estância hidromineral situada próxima à
região de Piracicaba.
Lá, encontramos a Márcia, que é a sacristã da igreja e que
nos deu informações bastante valiosas. Além de nos contar sobre as questões da
reforma da igreja e da chegada da relíquia, explicou-nos que a cidade padece
bastante com o êxodo dos jovens, que procuram outros municípios em busca de
boas oportunidades de emprego. O artesanato em Arapeí é muito mais humilde do
que nas restantes cidades do Vale Histórico, a indústria inexiste e o comércio
é restrito à venda de poucos bens de consumo. As principais atividades
econômicas são a agricultura e a pecuária, sendo que, pelo que pude observar
nas estatísticas do IBGE, apenas a produção de leite tem alguma relevância.
Muito pouco para representar uma perspectiva de futuro. O ecoturismo poderia
ser mais bem explorado, isso é fato, e creio que os dirigentes dessa cidade
deveriam pensar mais seriamente sobre isso.
Pensei logo de cara: “Bom, é mais uma daquelas cidadezinhas
sustentadas pelo governo federal, e que não justificam sua existência”. Ledo
engano. Fiquei surpreso ao descobrir que o município consegue se sustentar
adequadamente, conforme pode ser visto no estudo realizado pela Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN. Achei muito legal isso. A
maioria dos municípios vive em situação de penúria, e os mandantes de Arapeí
podem ser considerados exemplares, pelo menos até prova em contrário. Mas, a
princípio, meus parabéns.Que legal! Boa gestão pública, segundo os grandes
especialistas, é a chave do sucesso para a construção de uma sociedade funcional.
Parece suficiente. Só que não.
Vamos olhar para outros aspectos. Colhi a informação do IDH
da cidade. O Índice de Desenvolvimento Humano é um parâmetro que combina renda,
escolaridade e expectativa de vida para balizar o grau de eficiência social de
um determinado grupo, geralmente unidos em comum por um mesmo conjunto de
políticas públicas. Desta forma, é razoavelmente comum medir o IDH de países,
estados e municípios. Quanto mais próximo de 1 for o índice, melhor é o
indicador. No caso específico de Arapeí, este índice é de 0,716, composto por
0,628 na renda, 0,676 na saúde e 0,845 na educação, o que, convenhamos, não é
grande coisa, já que é visível que o fator educação puxa o índice para cima.Falta alguma coisa. Se as contas estão equilibradas (o que é altamente louvável, eu repito), isso pode significar que não são suficientes para fazer a cidade crescer. O resultado é a estagnação e o consequente êxodo. Afirmei ainda há pouco que o turismo ecológico pode ser uma saída. Não sei qual seria a disponibilidade para investir nisto de forma responsável. Toda informação turística que encontrei foi a placa abaixo:
O que travará o desempenho da cidade? Pesquisei algumas
teorias econômicas a respeito e encontrei uma interessante, do sociólogo e
economista franco-italiano Vilfredo Pareto.
Nosso caro amigo pertence à escola neoclássica da economia.
A diferença básica entre os neoclássicos e seus antecessores é a que diz que
a riqueza de um país provém, para os clássicos, do que a terra produz e do
trabalho exercido para transformar o que dela é possível extrair, enquanto para
os neoclássicos esta fonte é mais subjetiva, devendo ser levados em
consideração fatores de utilidade de cada forma de riqueza. Um exemplo bastante
clássico é a água. Em um país desértico,
ela é um bem valiosíssimo, dada a sua escassez. Para sua obtenção, é necessário
que se lance mão de processos caríssimos, como a perfuração de poços profundos,
dessalinização de água marítima ou extensos aquedutos. Já em um lugar como o
Brasil, a água é tratada quase que com banalidade, em vista de sua abundância.
Somente quando o sapato aperta – como acontece com a atual fase de estiagem –
damos conta da ineficiência do transporte, da insuficiência das represas, das
consequências da falta de tratamento, do desperdício, da falta de manutenção
dos dutos... Tudo isso porque temos água demais e nosso descaso (NOSSO, não
somente das autoridades) é quase natural.Pareto é bem famosinho por duas coisas: o apoio que deu ao
fascismo de Mussolini (abramos os parênteses para fazer justiça. Este apoio se
devia ao fato de que os fascistas apresentavam um projeto republicano – a
Itália de então era uma monarquia. Como era um economista neoclássico, não via
como alternativa as propostas dos socialistas. Mas, ao se dar conta da
violência fascista, muda completamente de ideia) e pela regra 20/80, ainda
hoje muito utilizada pelos picaretas consultores para justificar a
necessidade de seus mui caros milagres diagnósticos. Para fins
didáticos, explico que essa regra supõe que um pequeno número de causas (20%) é
responsável por um grande número de consequências (80%). Assim, podemos
exemplificar: 20% das pessoas provoca 80% da sujeira; 20% dos cidadãos detém
80% da riqueza; 20% das falhas causam 80% dos prejuízos e via discorrendo.
Mas o que nos interessará para este texto é um princípio
conhecido como “ótimo de Pareto”, uma lei de eficiência econômica baseada em
condições ideais de equilíbrio. Vamos a ela.Uma sociedade pode ser reconhecida como Pareto-eficiente se
cumpre três requisitos básicos:
a) Há eficiências nas trocas: tudo o que produzido pela
economia é distribuído pelos agentes econômicos (aí entendidos os consumidores,
o comércio, etc.), sem necessidade de suplementação externa nem de exportação
de excedentes – exemplo: todos os sabonetes que são produzidos pela indústria
ou adquiridos pelo comércio de um local são vendidos, sem que haja sobras
significativas de estoques ou falta nos banheiros das asseadas residências, não
por falta de poder de compra, mas por ausência do tal sabonete nas prateleiras;b) Há eficiência na produção: ocorre quando é possível
produzir mais de uma espécie de bem sem que, para isso, seja necessário reduzir
a produção de um para ampliar a produção de outro – neste caso, suponhamos que
uma fábrica de sabonetes decida produzir velas. É necessário que haja área e
maquinário suficiente para tanto. Do contrário, as velas e os sabonetes
compartilharão os recursos disponíveis, e será necessário reduzir as horas de
fabricação de um produto e, por tabela, reduzir a quantidade de sabonetes para
que tenhamos as tais velas;
c) Há eficiência no mix de produtos: acontece quando há
produção adequada de tudo o que os agentes econômicos necessitam, sem falta ou
excesso de algum destes produtos. Assemelha-se ao primeiro item, com a
diferença de que o ponto discutido aqui se refere à diversidade de produtos
disponíveis, e não às quantidades. Não basta que exista sabonetes. É preciso
toalhas, xampus, cremes e outras perfumarias para tomar um banho completo.Trocando em miúdos, a economia de uma localidade é eficiente
se há equilíbrio entre tudo o que é ofertado e tudo o que é demandado. O ótimo
de Pareto denota que nada sobra nem falta em um determinado aspecto econômico.
Se sobra dinheiro, falta produto. Se sobra produto, é porque falta dinheiro. Se
há excesso de um produto, há falta de outro. E assim por diante. O ponto de
equilíbrio é tal que, havendo qualquer modificação para mais, necessariamente
haverá uma modificação para menos em outro aspecto.
Há algo muito importante para se compreender essa
parafernália toda e fazer com que ela produza sentido. Um ótimo de Pareto é um
ponto de equilíbrio econômico, e não um indicador de excelência social. Uma
economia equilibrada não é sinônimo de situação social avantajada. Tudo tem a
ver com a quantidade de recursos disponíveis e da capacidade dos agentes
econômicos fazerem girar a economia.E aí nós podemos encaixar o caso de Arapeí. Se é verdade que
sua economia é equilibrada, seu limite de investimento é muito baixo. Imagine
instalar uma grande concessionária na cidade. Quantos automóveis venderia por
ano? Seria suficiente para manter uma estrutura robusta? Neste aspecto, é
preciso tomar cuidado para não tropeçar, condenando o lugar a ser eternamente
mal equipado, por conta da manutenção do equilíbrio das contas. Não quero dizer
que Arapeí deva se endividar, destruir seus recursos naturais ou sua história,
mas deve estruturar projetos eficientes que aumentem sua possibilidade de
atingir índices sociais mais atrativos, e que diminuam o êxodo de sua
juventude.
No final das contas, acho que Arapeí faz muito bem em se
manter como é, mas precisaria olhar com cuidado para sua própria população. É
um lugarejo muito tranquilo, como nos contou a Márcia, mas que pode se tornar melhor
nos demais aspectos, utilizando bem seus recursos naturais e acolhendo
investimentos que a permitam se tornar ainda melhor. O bom índice educacional
já aponta para isso.Finalmente, apenas por curiosidade. Eu tinha tanta certeza
que Arapeí era uma cidade com sérios desequilíbrios financeiros que bolei o
título deste texto antes mesmo de escrevê-lo. Resolvi mantê-lo unicamente por
conta da baixa renda de seus habitantes, mas é sempre bom tomar uns tombos para
perceber como funciona o mecanismo do preconceito.
Recomendação de leitura:
Eu não sou um especialista na área, mas a Economia é sobrinha da Filosofia, e, como tal, acaba por despertar algum interesse em quem curte
pensar. Pareto é bacana de ler, porque suas teses econômicas foram construídas
para dar base a um contexto maior, que é o viés sociológico. Sugiro o que
segue:PARETO, Vilfredo. Manual
de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1984
Este é o site de onde extraí as informações da produção de
Arapeí:
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=350315&idtema=3&search=sao-paulo%7Carapei%7Ccenso-agropecuario-2006E este é onde encontrei a pesquisa da Firjan:
http://oglobo.globo.com/infograficos/gestao-fiscal-firjan/
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