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terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Os verdes mares de onde não há mar – 2ª parada: Santa Rita do Sapucaí e o debate sobre o melhor regime para o país

(Às vezes as coisas dão tão errado no país que dá vontade de virar tudo de cabeça para baixo. Não sei se daria certo)

Olá!

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No segundo dia deste curto périplo, eu estava em pleno feriado de 15 de novembro. Há algumas maneiras de encarar datas cívicas sem nenhum civismo, de acordo com a localidade onde nos encontramos. Nas cidades turísticas, é momento de bombar: fazer o comércio encher seus cofres, as atrações virarem formigueiros e disputar as vaguinhas possíveis em praias, cachoeiras, o que for. Nas maiores, como é a Terra da Garoa, sem vocação turística, o negócio é pegar um parque ou uma das inúmeras atrações culturais, que redobram seu movimento nesses dias. Em São Paulo, verdadeiramente há equipamentos culturais suficientes para preencher semanas de visitação, e, por menos que se goste da Capital da Solidão, é de uma felicidade incomparável pegar um dia morto e poder ir aos inúmeros museus e centros culturais da cidade, o que é sua maior virtude (ao lado da gastronomia).

Foi neste espírito que reservei esse dia para conhecer Santa Rita do Sapucaí, cidade desta região que possui o simpático título de Vale do Silício Brasileiro. Mas algo não funcionou.

É que os museus e áreas culturais da cidade não abrem fora de dias da semana, e eu dei com a cara na porta delas. Para não perder a viagem, fomos dar uma volta por aqui e ali, para conhecer a pequena urbe e comer alguma coisa.

Santa Rita é banhada pelo Rio Sapucaí -Mirim, o que explica tantos nomes que o tem na composição, como São Gonçalo do Sapucaí, São Bento do Sapucaí, Sapucaí-Mirim e outras. Apesar das águas barrentas, tem muita gente que fica pescando nas suas margens.

O restante do nome é explicado pela padroeira do município, Santa Rita de Cássia, uma freira do século XVII popularizada por ser considerada a santa das causas impossíveis.

A igreja tem a condição de santuário, dado o número de peregrinos que aqui acorrem por conta dos milagres atribuídos à santa, pelo motivo óbvio de haver muitos desesperados que buscam seus favores.

Como se trata de uma cidade meio antiguinha, há distribuição de uma certa quantidade de construções históricas espalhadas pela mancha urbana.

A fama de cidade tecnológica vem das entidades de ensino lá localizadas, dedicadas à área de eletrônica fina e telefonia. A principal delas é a Inatel, cujo campus, à moda do que ocorre com a Cidade Universitária de SP, é área de visitação pública. Ao contrário dessa, porém, não abre em dias que não sejam úteis. Lá, há vários espaços de visitação, como o Museu da Eletrônica e o Espaço Memória. Há também o campus da ETE, também fechado.

Igualmente fechado estava o Museu Delfim Moreira, que tem seu nome em homenagem ao oitavo presidente da história do Florão da América.

Apesar de haver nascido em Cristina, é reverenciado aqui por ter sido seu local de falecimento, além de ter sido também governador do estado de Minas Gerais.

Como a família era bastante influente no sul mineiro, também seu irmão Francisco Moreira da Costa tem sua recordação na cidade. Foi prefeito de Santa Rita por mais de 20 anos, e sua filha, Sinhá Moreira, foi a grande incentivadora da instalação do polo tecnológico nestas terras.

Além disso, foi o fundador do Banco Santarritense, que financiou todo esse processo de modernização, ao lado do Coronel Joaquim Ignácio, outro político local.


Toda essa região do sul de Minas, como já pudemos ver neste texto, esteve no centro do comando político brasileiro nos tempos da política do café com leite, e esse é um bom motivo para tantas homenagens. Afonso Penna, Wenceslau Braz e Delfim Moreira são apenas três exemplos extremos, daqueles que chegaram à presidência, o posto máximo do exercício do poder no Brasil até os dias de hoje. Bom… não preciso dizer que volta e meia temos problemas políticos em Terra Brasilis que nos fazem questionar o que estamos fazendo de errado, e não é de agora. No começo do século XX, uma boa quota de discussão se dava na então novel forma de governo, recém saída da monarquia para a república. Hoje em dia, tirando alguns eméritos malucos, ninguém mais cogita reis e suas cortes, mas o regime governamental é posto muitas vezes em discussão. Falo do confronto presidencialismo versus parlamentarismo.

Primeiro precisamos formar a boa e velha contextualização. Tanto um quanto o outro só fazem sentido quando colocados sob o foco do Iluminismo. Com honorabilíssimas exceções, os governos nacionais sempre se pautaram em uma figura central, chamada de rei ou imperador, dentre outras variantes menos votadas. A grande característica de um reinado é a acumulação de poderes decisórios em um estrato muito pequeno de uma sociedade, quando não de uma só pessoa. Problemas essenciais: a formação de uma elite improdutiva e imutável, a submissão às idiossincrasias de um soberano que pode não governar no interesse público, o envelhecimento das cabeças governamentais, que nem sempre trazem soluções boas, a falta de vocação administrativa de alguns herdeiros e por aí vai. Esses problemas não eram ocasionais, especialmente no que diz respeito à discricionariedade do exercício do poder.

Os ares do Iluminismo vieram tornar claro que o Absolutismo era eivado de injustiça social e imutabilidade na gestão, tendendo a eternizar a questão. Pensadores do período, com destaque para Montesquieu, detectaram o excesso de poder concentrado nas mãos de uma só pessoa como principal objeto a ser desmantelado para uma sociedade mais estruturada. Isso acontece porque a sociedade não nasceu para ser fruto de uma vontade única, que legisle de acordo com seu arbítrio para a população inteira, e sim para que reflita as necessidades de seus diferentes estratos. A população, ao menos em tese, deve ser representada como um todo, e o Absolutismo vai na mão oposta. Por mais que um monarca procure governar no interesse da população, a longa duração de seu reinado obrigatoriamente o carrega para uma marca pessoal, e sabemos que a sociedade não é unívoca e não pode ser conduzida por paradigmas únicos.

É por isso que a nova forma republicana pressupõe uma divisão entre a responsabilidade do exercício do poder. Desde a antiga Grécia já se tinha sedimentação da função do governo: executar as ações do Estado, criar e aperfeiçoar a legislação e distribuir justiça. A grande sacada de Montesquieu e demais iluministas é que exatamente aí deveria se dar a separação entre os poderes, que trabalhariam independente e harmonicamente entre si, sem uma hierarquia e sem distinção entre a relevância de suas funções, um limitando o outro, de modo a, mesmo separados, constituírem uma unidade governamental. E aí temos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Vamos para o futebol. O técnico estabelece a forma como o time vai jogar, os jogadores a executa e o analista de desempenho vai verificar se tudo foi colocado em prática. Legislativo, executivo e judiciário. Misturar funções faria com que o técnico tentasse chutar a gol, jogadores cuidassem da performance uns dos outros e o analista desse pitacos na formação das linhas. Não, não pode ser assim. O time é feito de todos eles, cada um em sua função e com sua importância. Os jogadores limitam o técnico pela própria característica de cada um e o analista pela demonstração de que certa tática não funcionou, e assim por diante.

O problema seguinte é como compor cada um dos poderes. Nas democracias representativas modernas, o mais comum é que a população seja representada por membros eleitos pelo voto, de forma a reproduzir, em ponto menor, a composição social. Pode ser feito em uma única instituição (o congresso) ou duas (câmara e senado). A estrutura bicameral do Brasil visa dar representativa popular (deputados) e estadual (senadores), e, também entre si, há divisão de poderes e tarefas. Já o judiciário é exercido por especialistas reconhecidos em Direito, que, em tese, exercem seu mister com o máximo de isenção, havendo vários dispositivos legais que buscam assegurá-la, como a competência territorial, as suspeições e impedimentos, a ampla defesa, e, principalmente, o duplo grau de jurisdição: sempre será assegurado o direito ao recurso para aqueles que não se sentirem conformados com uma decisão do juízo singular, e sua causa será reapreciada pelos órgãos colegiados de segunda instância.

Bem balizados os poderes legislativo e judiciário, resta o executivo. Basicamente, o mundo se divide entre monarquias e repúblicas e, nestas, há dois regimes de exercício: o presidencialismo e o parlamentarismo. Este último teve uma curtíssima experiência no país, e, por isso, quase não dá para avaliar o quanto funcionou ou não, até porque já vai longe. Por isso, podemos considerar que, desde a proclamação da República, sempre estivemos sob regime presidencialista, e este acaba por receber bastantes críticas em momentos de crise. Mas vamos dissecar melhor.

O chefe do poder executivo é encarregado de colocar em prática as políticas públicas e executar o orçamento e as disposições legais que são elaboradas pelo poder legislativo. Se, por exemplo, o legislativo elaborar uma lei que obrigue a concessão de ingressos gratuitos em jogos do campeonato nacional, caberá ao chefe do executivo providenciar seu cumprimento. Lembrem-se: o legislativo legisla, o executivo executa. Sedimentado isso, resta saber a quem cabe escolher o comandante do governo.

A diferença primordial entre um e outro está na relação existente com o poder legislativo na escolha do chefe do executivo. Quando temos uma monarquia constitucional, que não possui presidente, a escolha sempre será do legislativo, mas o mesmo não acontece nas repúblicas. Em um sistema parlamentarista, considera-se que, ao serem escolhidos os representantes populares, já está compreendida sua incumbência de selecionar a chefia do governo, exercida por um primeiro-ministro ou chanceler, conforme se queira denominá-lo. Já no presidencialismo, é sabido que essa é uma atribuição popular direta. O presidente é titular e chefe de outro poder, exercendo as chefias de Estado e de governo, e não é responsável perante o Congresso, na medida em que não está vinculado ao mesmo poder. Cuidado para não confundir isso com os crimes de responsabilidade: o Parlamento pode e deve fiscalizar a conduta presidencial, mas não pode cometer ingerência em sua gestão, como ocorre nos regimes parlamentaristas (na prática, o mundo é outro, bem menos cor-de-rosa).

Uma das pedras de toque do sistema parlamentarista reside na maior facilidade em se trocar o gabinete, contornando crises com maior facilidade do que quando a escolha do chefe do governo é de atribuição popular.

Minhas opiniões. Como um todo, o sistema parlamentarista me parece mais moderno e com atributos que o torna mais impessoal que o presidencialismo, e isso é uma virtude que, por si só, já o coloca irremediavelmente à frente deste outro regime. Mas há fatores que o tornam inadequado ao país que ainda temos.

Percebam que, quando alguém contrário ao parlamentarismo diz que teríamos governantes como Arthur Lira, Severino Cavalcanti, Eduardo Cunha, David Alcolumbre e outros nomes polêmicos, comete um erro considerável em sua crítica. Estes são líderes que se valeram de sua capacidade de articular com o governo, e não SER o governo. Não há nenhuma indicação que essas figuras seriam escolhidas para governar, caso fosse outro o regime por estas bandas. Portanto, não caiamos na fácil tentação de colocar isso como um demérito do regime. Então, vamos por partes.

Em primeiro lugar, o parlamentarismo pressupõe uma divisão ideológica que nosso congresso não tem. Em um país com mais de vinte partidos políticos, com três quartos deles apostando no fisiologismo e na conveniência, é impossível desenharem-se nomes com perfil administrativo que consigam carregar, por si mesmos, uma direção governamental. Em um regime destes, é preciso que os partidos possuam uma personalidade forte e bem marcada, com ideologias identificáveis já em sua denominação.

Outro caso é a falta de estabilidade política que grassa o impávido colosso. Se tivéssemos bem delineadas as correntes políticas que dividem espaço no congresso, teríamos como prever o tipo de governo que teríamos. Novamente. Com mais de vinte partidos no espectro, essa tarefa se torna impossível. Além disso, a instabilidade faz com que decisões rápidas tenham de ser tomadas. Embora o chanceler ou primeiro-ministro tenham um raio de ação bastante amplo, há situações em que longas negociações se tornam necessárias, e é preciso uma oposição muito consciente para não empacar atitudes urgentes. Se mesmo em democracias maduras esse atravancamento não é impossível, que fará no Brasil e seus hábitos cartorários?

Por fim, e principalmente. O brasileiro costuma escolher muito mal seus representantes no Parlamento. O que ocasiona isso é objeto para longas discussões, e não farei isso aqui, mas o fato é que ter um Tiririca eleito por três mandatos consecutivos é algo inexplicável, embora seja apenas a ponta de um iceberg imensurável. Há coisas ainda mais graves, como a absoluta impermanência dos parlamentares em seus partidos. Isso faz com que a composição do congresso mude do dia para a noite, e a representatividade obtida das eleições seja completamente subvertida. Em uma situação assim, ao menos o presidente é uma representação que traduz melhor a vontade popular, e, em um mundo ideal, teria a legitimidade para ser um interlocutor válido. Vai demorar muito tempo, mas o Parlamentarismo depende de uma transformação na consciência política do brasileiro. Vejam como, na última eleição, a presidência foi para uma mão, e a maioria do congresso foi para outra. Em um sistema parlamentarista, o rumo iria para o lado oposto da vontade popular. E, embora adotemos um presidencialismo de coalisão, onde o governo central depende de muito toma-lá-dá-cá nas negociações com os partidos fisiológicos, o fato é que ainda há como sintetizar uma espécie de vontade popular nessa figura. Em um Parlamento, o governo ficaria ainda mais distante do povo.

Enfim, é uma questão de maturidade política do país. Ela deverá chegar algum dia, mas ainda não está no nosso espectro visível, e a primeira coisa a fazer é ter mais consciência no voto legislativo. A partir daí, podemos começar a pensar em migrar de regime. Por enquanto, já será um bom começo se lembrarmos do nome do candidato em que votamos na última eleição. Bons ventos a todos!

Recomendação de leitura:

É o escrito iluminista por excelência, que definiu a maior parte das democracias representativas até hoje em dia.

MONTESQUIEU, Barão de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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