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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Dos dias em que o vento nos afasta do mar - 2º sopro: Passa Quatro e os ecos da Revolução de 32 perdidos na paisagem

"... o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão. Ao vencedor, as batatas".
Machado de Assis - Quincas Borba

Olá!


A passagem por Pouso Alto foi bastante rápida, meio que na base do aproveitamento daquilo que restava da viagem de ida. Para lá chegar, passamos pela cidade de Passa Quatro, primeira cidade de Minas Gerais para quem acessa o estado pela região de Cruzeiro, no Vale do Paraíba. Não deixamos de considerar uma primeira estadia por lá, mas os preços dos hotéis eram desanimadores. Preços de pousada para fazer pernoite, não dá. Com isso, resolvemos procurar outro canto e voltar depois, o que fizemos. E descobrimos uma cidade cujo eixo histórico gira em dois planos: a Revolução de 32 e a ferrovia, que não deixam de se relacionar, além da típica água mineral.


O curioso nome da cidade, segundo se conta, diz respeito às primeiras incursões feitas pelos bandeirantes. Vindos do litoral paulista, ao tomar o rumo norte para avançar pelo interior, encontraram um rio sinuoso, que, para ser vencido, precisou ser atravessado quatro vezes em pontos diferentes. Esse é o rio a quem deram o nome de Passa Quatro, e que acabou por emprestar o topônimo à região. Também a bem preservada gare carrega este nome.


Passa Quatro é entremeada por região montanhosa, com bastante área preservada. Como a galera gosta de aprontar suas artes para expandir sua disponibilidade de terra, uma parte do município foi transformada em reserva ambiental, com um acesso muito próximo do seu centro urbano. Trata-se da Floresta Nacional de Passa Quatro, administrada pelo Instituto Chico Mendes.


É um local muito bem preservado, que contém áreas para descanso com lagoa e postos de atendimento ao público, onde se conta um pouco da história e da geografia do local. Há uma trilha ascendente que leva à cachoeira do Iporã, relativamente curta, que tem um poço para refresco de corpos e mentes.


Visitando a parte urbana, chama a atenção o calçamento feito quase inteiramente de pedras e a companhia dos trilhos da linha férrea. De qualquer lugar do horizonte, desponta a igreja matriz de São Sebastião...



... no alto de uma escadaria com adro enfeitado por um curioso coreto feito de troncos retorcidos.


Em seu interior, duas imagens incomuns para paulistas como eu e a patroa, acompanhados por suas respectivas relíquias: o Beato Padre Victor...


... e a Nhá Chica, muito queridos na região inteira. Guardem bem estes nomes para os outros textos desta epopeia, vou detalhar melhor suas presenças.


Passa Quatro, além de fazer parte da região das Terras Altas da Mantiqueira, também é estância hidromineral, sendo sua água engarrafada bem famosa. Há alguns lugares onde se pode obter o líquido, como a fonte Padre Manoel, pegada à ferrovia.


Por falar nisso, não há dúvidas que a sua maria-fumaça é um dos principais atrativos da casa. Mesmo a um preço salgado, a antiga locomotiva tem um valor histórico intrínseco muito relevante, não só pelo equipamento em si, mas por quesitos que veremos logo adiante.


Não são disponibilizadas viagens todos os dias, mas é possível visitar a máquina e os vagões na garagem que fica ao lado da antiga estação ferroviária. Aproveitei, inclusive, para acompanhar toda a manobra necessária para realizar o estacionamento das composições, já que eu estava por ali mesmo.


Para além da natureza e da história da cidade, um pequeno museu guarda consigo não só um interessante acervo de maquetes e quinquilharias de época, mas que contém um belíssimo trabalho associado a si. Trata-se do Brasil Nota 10, um espaço onde são reproduzidos os ambientes e as paisagens de diversos eventos da história nacional, com a utilização de menores carentes que são aprendizes dos trabalhos manuais e da apresentação dos trabalhos. Fica na antiga casa de engenheiros da estação de Passa Quatro, e é capitaneada pelo Professor Carlos, que nos contou dos apuros e aperreios da instituição.


O mais legal é o nível de detalhe conseguido nas maquetes, que são utilizadas não só para retratar os fatos históricos a que se referem, mas também para dar ofício a adolescentes com poucas oportunidades de aprendizado, com a utilização de elementos criativos, como gelatinas, ramagens, papel-machê, tingimentos e outros mais. Mais ainda: as crianças que lá operam acabam por ficar craques nos acontecimentos que descrevem.


Uma das maquetes principais, que vem acompanhada de grande número de material de época e de painéis explicativos, é a que retrata a batalha do Túnel da Mantiqueira, um dos eventos mais nervosos da chamada Revolução Constitucionalista de 1932, que opôs o estado de São Paulo ao restante do país. Os passaquatrenses são muito orgulhosos desta passagem, que ocorreu nas franjas de sua cidade. O trem turístico tem como destino exatamente esta localidade.


Já vão 85 anos da Revolução de 32, polêmico motivo de orgulho para os paulistas. Dizem que estes comemoram uma guerra que perderam, ao que respondem que a vitória foi política, e não militar. Bom, para entender isso, é preciso recorrer, no mínimo dos mínimos, aos compêndios de História, ainda que este não seja o escopo deste espaço. Vou tentar fazê-lo.

Não vou regressar ab ovo na História do Brasil, bastando deslocar os ponteiros até a Proclamação da República, inicialmente atribuindo o comando do país aos militares, para logo em seguida dar início ao que se chamou de “política do café com leite”, epíteto bem-humorado para designar a alternância no poder das oligarquias cafeeiras de São Paulo e pecuárias de Minas Gerais. Nesta tabelinha, ora tínhamos um presidente paulista, ora um presidente mineiro, ou algum “estrangeiro” indicado por eles. A coisa muda de figura quando, gulosamente, o presidente Washington Luiz, politicamente paulista, rompe a vez mineira e indica o paulista Júlio Prestes para sucedê-lo, o que deveria ter efetivamente acontecido, já que este último acabou sendo eleito (lá do jeito que acontecia antigamente: voto aberto de homens de posses, sem acesso a mulheres e analfabetos e demais que-tais). A insatisfação mineira, ao perder a vez, quebrou a couraça da República Velha. Os políticos de lá foram buscar um nome do movimento tenentista, membros da baixa oficialidade das Forças Armadas que tinham propostas ousadamente socializantes. Pode até parecer contrassensual que oligarcas se dispusessem a ceder o poder a um movimento que defendia voto universal e secreto, reformas trabalhistas e educacionais, além da distribuição agrária, e que se opunham ao sistema de detenção do poder que eles, membros da elite agropecuária, tanto amavam; mas os tenentes dispunham de algo imprescindível: armas. A ideia básica era velha e repetida tantas vezes, inclusive mais tarde, em 1964 – utiliza-se o poderio militar para a derrubada do atual comandatário, para depois obtê-lo eles próprios, com o regresso das forças armadas à caserna. Só que a História ensina que as coisas não funcionam assim, como exemplifica bem o nome originado do Tenentismo, Getúlio Vargas, político e militar gaúcho, e indicado para concorrer à presidente com Júlio Prestes.

O quadro era o seguinte: Getúlio era apoiado pelos conterrâneos gaúchos, pelos chateados mineiros e pelos paraibanos liderados por João Pessoa*, que seria o vice na chapa oposicionista. O restante do país se alinhou à candidatura chapa branca, com o Rio de Janeiro (então Distrito Federal) mantendo a neutralidade. Em 01 de março de 1930, a eleição proclama o que já era esperado. Júlio Prestes é eleito presidente, devendo tomar posse no novembro vindouro. O resultado não é aceito pacificamente, com acusações de fraudes de lado a lado. Um fato insufla ainda mais os ânimos: o assassinato de João Pessoa, em uma querela pessoal, mas fartamente usada pela oposição para causar um vínculo com o recém realizado pleito, para dar algum fundamento popular à causa, na base do apelo à emoção. Nos bastidores, fervilhava a conspiração, no sigilo que era possível. Os militares mobilizados começam a agir em 03 de outubro de 1930, com a tomada sucessiva de quarteis generais, até a formação de tropas que se puseram a marchar à sede do governo. Em 24 de outubro, antes de transmitir o governo ao presidente eleito, Washington Luiz foi deposto e exilado.

Essa é a origem de Getúlio Vargas como chefe do governo revolucionário. Uma de suas ações imediatas foi a imposição de interventores federais nos estados, com exceção dos aliados mineiros. A São Paulo, coube o tenente João Alberto, militar e pernambucano. Não é preciso dizer que isso desagradou em cheio as elites cafeeiras, que perdem o poder não só a nível nacional, mas no próprio quintal de casa. Como Vargas aboliu a constituição de 1891, passando a governar por decretos, os políticos paulistas exigem cada vez mais duramente a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que, por fim, era uma das bases de apoio para o golpe varguista, bem como a convocação de novas eleições presidenciais, para suprimir a malograda campanha de Júlio Prestes.

A insatisfação paulista tinha motivos óbvios, mas mesmo os estados que apoiaram o golpe de 30, sequiosos, começaram a se sentir traídos pela permanência cada vez mais prorrogada de Getúlio Vargas, num daqueles costumeiros episódios de “provisórios definitivos” tão típicos destas paragens del sudamerica. Os protestos vão se avolumando, com campanhas aciduladas da imprensa paulista, que passa a incitar cada vez mais a população, reavivando a simbologia do bandeirante para construir uma metáfora do combate e da conquista. É preciso frisar que os movimentos revoltosos não tinham base popular, sendo que algumas das medidas do interventor João Alberto tinham alcance aos interesses do operariado, como o aumento dos salários e limitação das jornadas de trabalho (o que, por outro lado, causou um desconforto ainda maior aos industriais). Faltava um elemento catalisador, que consolidasse a propaganda do orgulho ferido e trouxesse uma adesão mais significativa à causa, indo além da classe média. Esse elemento, mais uma vez, veio em forma de martírio.

Eram tempos duros, em que muita coisa era resolvida na base da bala, e não havia crime em se carregar armas para cima e para baixo. A classe estudantil, com ventos liberais, havia se alinhado à causa constitucionalista e, impetuosos, eram a camada mais efervescente de todos os protestos, muitas vezes debelados com violência. Como a grita se tornava cada vez maior, Getúlio Vargas cede e nomeia um interventor civil e paulista, Pedro de Toledo. No entanto, seu campo de ação é limitadíssimo, o que torna a medida inócua. A aliança entre os partidos paulistas dá uma vitaminada extra no movimento, a ponto de se iniciarem agressões cada vez mais frequentes e violentas contra apoiadores do governo. Em um comício realizado na Praça da República, no dia 23 de maio de 1932, chega-se ao paroxismo das hostilidades pré-guerra. Um grupo de estudantes ameaça invadir a sede da Legião Revolucionária, associação originada na Revolução de 30, varguista, e que respondeu à bala. Quatro estudantes morrem na hora: Mario MARTINS de Almeida, Euclides MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Souza e Antonio CAMARGO de Andrade, cujas iniciais formaram o acrônimo MMDC, que nomeou uma organização civil revolucionária atuante na guerra vindoura. Um quinto estudante, Orlando de Oliveira Alvarenga, viria a morrer três meses depois, vítima dos ferimentos sofridos no mesmo ato, após, portanto, a formação do grupo, e este é o motivo pelo qual sua inicial não foi adotada pelo movimento.

Era o sangue que faltava para amalgamar o apoio necessário ao combate armado. Outras unidades da federação gradualmente vão oferecendo adesão à causa revolucionária, especialmente Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Minas Gerais – ambos, ironicamente, apoiadores do golpe de 30. Em 09 de julho, a batalha eclode. As tropas paulistas, formadas pelos batalhões do exército local e pela Força Pública (a PM de então), se encaminham para o teatro de operações, tomando, a princípio, o Túnel da Mantiqueira, um escoadouro ferroviário na divisa entre São Paulo e Minas, exatamente na cidade de Passa Quatro, reproduzido na maquete abaixo:


O objetivo era bloquear o acesso de tropas governistas do Rio de Janeiro e aguardar as tropas mineiras para se encaminharem juntas contra a sede do governo. O mesmo foi feito no Vale do Ribeira, na cidade de Itararé, desta vez esperando recepcionar as tropas gaúchas.

Ledo engano, triste ilusão. Os paulistas foram ingênuos? Os mineiros e gaúchos foram traidores? Difícil dizer, sem cair no nível da conversa de boteco. O fato é que São Paulo perdeu a guerra já aí, nem bem havia começado. Sem apoio militar de outros estados e com o bloqueio marítimo imposto na região de Santos, os paulistas se defenderam o tempo todo. Cunha, São José do Barreiro, Silveiras, Chavantes, Buri, Conchal, Itararé, Campina do Monte Alegre, Cruzeiro, Aparecida e tantas outras contam as histórias de seus muros crivados de balas. O Túnel da Mantiqueira, aquele da primeira ação de guerra, foi palco de combates sangrentos, onde foi pontuada uma presença que viria a se tornar ilustre: o então jovem Juscelino Kubitscheck, médico que viria a se tornar um dos mais conhecidos presidentes da terra brasilis.


Como em toda guerra, sua atuação se deu em condições precárias para atender muita gente ferida gravemente. Há em Passa Quatro uma reverência muito grande à sua figura, porque trabalhou empenhadamente com os poucos recursos disponíveis na Casa de Caridade, onde fazia cirurgias de emergência acompanhado pelas poucas freiras que se dispunham a auxiliá-lo. O lugar existe até hoje, e é parte do patrimônio histórico municipal.


Para resumir a história, em 03 de outubro do mesmo ano tudo já havia acabado. São Paulo até hoje canta vitória nessa guerra, pelo fato de que a Constituição que lhe deu causa (pelo menos como motivação primaz) tenha sido efetivamente realizada dois anos depois. Perdeu, mas levou; essa é a tese. Mas é estranho. Vargas já havia convocado a Constituinte antes da revolução eclodir, e, apesar do controle rigoroso das funções do interventor, o fato é que as cordas vinham sendo afrouxadas. Por que a guerra foi necessária? Ou, melhor ainda, a guerra era realmente necessária?

Esse é um pensamento complexo, como todo fato histórico. A guerra, no final das contas, é uma das derivações políticas possíveis, como são as negociações, os embargos, os acordos, as decisões multilaterais e muitas outras. A guerra é, como dizia Carl von Clausewitz, a continuação da política por outros meios.

Clausewitz foi um militar prussiano da época das guerras napoleônicas, e fez um estudo inédito sobre o desenvolvimento das belicosidades, uma autêntica Filosofia da Guerra. Para ele, há dois elementos a serem considerados na formação de um embate, sendo um que se pode verificar em todas as guerras e outro que guarda as especificidades de cada uma. No que diz respeito às semelhanças, todas as guerras são como um duelo com mania de grandeza, e tem uma estrutura irritantemente simples: um meio – o combate – e uma finalidade, que é tornar o inimigo incapaz de reação. Em termos teóricos, essa simplicidade pode levar a crer que uma guerra absoluta faria com que as duas partes dispendessem todos os seus esforços unicamente com o objetivo de aniquilar o lado oposto, mas esta situação é impossível, principalmente pelo fato de que a guerra nunca deixa de ser um ato político. Há uma guerra real, em que as contingências impedem a guerra absoluta, e que lhe consigna a parte variável, que torna cada uma delas única. É o caso das clássicas tempestades de neve que assolaram as tropas francesas (e mais tarde as alemãs) nas invasões em terreno russo. Diante de um inimigo aparentemente invencível, o famoso General Inverno entrou em ação protegendo uma defesa bem mais frágil. Se pudesse prever, Napoleão certamente não cairia na esparrela de invadir a Rússia durante os rigores invernais. Dessa forma, aquém da guerra absoluta, temos a guerra real, que não perde seu caráter de duelo, mas que encontra limites em seu desenrolar. A guerra absoluta é apenas um referencial, como os tipos ideais de Max Weber, que não existem, mas que servem para balizar seus estudos.

Eis que a guerra, portanto, não tem uma lógica unificada, porque se depara com o imprevisível, inclusive com fenômenos não geográficos, como no exemplo das invasões à Rússia, mas a componentes humanos, como a Política. Clauzewitz, no entanto, entende que a guerra possui uma gramática, ou seja, regras que prescrevem o que ela é, mas que esta mesma gramática não circunscreve seu significado, que varia de conflito a conflito. Desta forma, toda a guerra possui certas características comuns. Uma espécie de guerra pura, existente unicamente para proposições analíticas, possui três elementos:

  1. A violência, a hostilidade e a animosidade. Termos como “Guerra Fria” são meramente metafóricos, já que não há uma guerra, na acepção do termo, sem a utilização de violência. Uma guerra tem como caráter a ação que buscar causar prejuízo físico, um ódio e uma vontade de combater;
  2. Um jogo de probabilidades. Como já dito, não há guerra sem elementos imprevisíveis e sem contingências que mudem o seu curso. Diante disso, há espaço para a introdução das táticas bélicas. Aqui, há uma variabilidade, mas as táticas adotadas em decorrência das probabilidades estão sempre presentes na guerra;
  3.  A subordinação à Política, já que uma guerra não nasce do nada e é dada ao prosseguimento ou ao encerramento de acordo com interesses interestatais.
Tudo o mais que costura esses três itens estruturais é o que torna cada guerra um evento único. E é no sentido do terceiro item que temos uma resposta (ou nova questão) à Revolução de 32. A guerra é uma decisão política. A política poderia direcionar os eventos de 32 para um sentido de espera, para verificar se as promessas varguistas seriam cumpridas; poderia ter a consolidação dos apoios dos outros estados, caso houvesse renitência do governo provisório; poderia até mesmo tirar da gaveta um suposto caráter separatista, como chegou a ser aventado pelo governo federal, com o fim de insuflar a revolta do restante do país. Mas a opção política foi a guerra. Há mais três considerações de Clausewitz para emoldurar melhor o painel:

- A guerra nunca é um ato isolado: ninguém começa a lutar do nada. É sempre possível vislumbrar um horizonte de onde surgirão hostilidades. No caso em questão, havia uma série de ocorrências das quais se podiam extrair previsões de desacertos – a perda de poder por parte dos paulistas, a tomada violenta da presidência na Revolução de 30, a crescente onda de protestos e outros acontecimentos;

- A guerra não consiste de um único golpe brusco: não existe guerra em que fogo divino cai do céu e extermina de uma só vez um adversário. A guerra, mesmo desconsiderando seus antecedentes, se faz em etapas, que podem ser mais ou menos violentas. No começo da Revolução de 1932, temos um mero deslocamento e a tomada de um ponto estratégico; depois, há a mudança de lado dos supostos aliados de São Paulo, que, em seguida, passa a se concentrar em sua própria defesa, e assim sucessivamente. Nenhuma guerra é tomada em sua totalidade de uma só vez;

- Na guerra, o resultado nunca é definitivo: se há o pré, há o pós. Prova disso é que a própria Revolução de 32 pode ser considerada um desdobramento da Revolução de 30, e, como ela, tantas outras guerras. O vencido raramente encontra condições favoráveis para admitir uma derrota em definitivo. Neste caso, um novo conflito armado pode ser deflagrado (a Segunda Guerra, pensa-se, foi a continuação de uma Primeira Guerra mal resolvida), ou caminhar por outros meios da Política, como eu já disse logo atrás.

Dessa forma, não há como não chamar a Revolução de 32 de guerra civil, já que ela atende todos os requisitos necessários para tanto. Os motivos que levaram à Revolução de 32 são difíceis de se concluir, mas tenho a impressão geral de que foi uma tentativa de contragolpe, em que os verdadeiros interessados estavam a milhas e milhas da frente de batalha, como sói acontecer nesses casos, mobilizando vontades em ambas as frentes, que, estas sim, puseram a cabeça a prêmio. A pauta constitucionalista era mais um motivador do que propriamente uma intenção – caso se regressasse à condição anterior, tudo bem, às favas com a constituição. E, em algum momento, a galera que oferecia apoio a São Paulo vislumbrou maior vantagem em se mobilizar rumo ao poder eles mesmos, virando de lado e ensacando os valorosos bandeirantes em um beco sem saída. Mas eu não sou historiador, essa é só uma impressão geral que eu tenho.

É muito interessante, observando o orgulho do pessoal de Passa Quatro, como os mineiros são ufanos de sua participação no conflito, assim como os paulistas, mas com sinal trocado. Os mineiros são orgulhosos de sua vitória no campo de batalha, física, conservadora. Já os paulistas são orgulhosos dos seus efeitos mediatos, políticos, revolucionários. Vejam nestes dois vídeos, um mineiro e outro paulista, a diferença de visão que há entre ambos. Observem especialmente a sutileza da matraca, como um lado despreza seu uso e o outro o valoriza.

Só para lembrar: nada disso adiantou, no final das contas. Getúlio Vargas, é verdade, admitiu uma Constituição que foi promulgada em 1934, mas tornou a aplicar um golpe em 1937, onde endureceu muito o regime autoritário, no chamado Estado Novo, mas isso é história para outro momento, porque eu já estou me alongando demais.

Recomendação de leitura:

Clausewitz não é tão popstar quanto Sun Tzu, cuja Arte da Guerra virou, infelizmente, um clássico da autoajuda e do empreendedorismo (ainda falarei sobre essa obra), mas sistematizou uma filosofia da guerra com mais robustez que qualquer outro autor. Segue sua referência.

CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979.


* A bandeira da Paraíba tem escrita em si a palavra “nego”, referente à recusa de João Pessoa, então mandante de lá, em aceitar a candidatura de Júlio Prestes à presidência do Brasil. Daí há uma amostra do orgulho paraibano com o fato. Eu, quando menino, achava extremamente curiosa essa bandeira, achando que a escrita não se referia ao verbo negar. Achava que o que estava lá escrito era nêgo, corruptela tão comum da palavra “negro”, ao que meu avô, pérfido, zombava dizendo que se tratava da alta concentração de afrodescendentes o que motivava a homenagem. “Não vê que a bandeira tem um lado preto? Pois então!”, argumentava o sacana. Tem seu cheirinho racista, admito. Mas o velho é de outros tempos, e já está comendo capim pela grama há tempos, não se preocupem.

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