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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A dissonância cognitiva e as mentiras que se tornam verdades

Olá!

O que você faria se tivesse em suas mãos um objeto que emitisse luz, e presenciasse, pela primeira vez em sua vida, um artefato idêntico, mas espalhasse sombras ao seu redor? Qual seria a sua reação?


Vamos contar mais uma historinha da minha vida. Comecei a trabalhar bastante jovem, aos 14 anos, acreditando na balela que dizia ser bom começar cedo para aposentar cedo. O tempo passou, a lei mudou e eu vou ter que trabalhar uns doze anos a mais do que estabelecia o projeto original. Passons.

Entre um emprego e outro, meu pai recomendou que eu procurasse a empresa onde ele era torneiro mecânico, uma metalúrgica fabricante de máquinas que vivia tempos de glória. Fi-lo e fui contratado.

Bom... Nessa empresa, foi organizado um grêmio que tinha aquelas coisas de grêmio: um bar, algumas mesas para jogar dominó e baralho, uma mesa de ping-pong, uma de pebolim, uma de sinuca e duas de bilhar, essas coisas para fazer em companhia na hora do almoço ou após o expediente.

Eu costumava almoçar bem correndo para poder chegar à concorridíssima mesa de pebolim, onde eu era mais habilidoso, enquanto meu pai preferia jogar truco. Chamei-o algumas vezes para jogar bilhar, mas ele sempre recusava. Eu sabia que ele era meio grosso, mas, um pelo outro, eu era ruinzinho também, dando plena valia ao ditado “filho de peixe, peixinho é”.

Havia caras que eram bons de verdade no ofício: o Miltão, o Capoeira, o falecido Gervásio. Era estranho, mas todos eles eram insistentes em me pedir para que eu convencesse meu pai a jogar. Alguns deles garantiram (não estou brincando) que fizeram grandes parceiradas com o velho em priscas eras, chegando a cogitar se tornarem federados. Um belo dia, estando a sós, ocorreu-me de apertá-lo, de onde obtive a seguinte confissão:

“Eu vendi essa história e eles acreditaram. Queriam jogar a dinheiro e eu disse que só jogaria valendo o salário inteiro, com cheque assinado na frente. Não ia dar exibição de graça. O primeiro a quem eu propus isso, amarelou na hora, e a coisa acabou virando uma lenda”, concluiu o sacripanta genitor, rindo-se às escâncaras.

Que coisa! Parece mentira, mas não é. Meu pai tem a reputação de ser uma cobra no bilhar, sem nem saber passar giz no taco. Quando eu falei por alto a bazófia, muitos disseram que o mentiroso era eu. Acharam, provavelmente que eu não gosto das “glórias” do meu pai, por que tenho inveja de quem eu deveria me orgulhar e outras frases congêneres. Duvidam? Pois vou contar uma história bem mais famosa, que pode ser conferida em rápida pesquisa na internet.

Corria o ano de 1972, momento grandioso na história do rock mundial. Ano do lançamento de algumas obras vis e desprezíveis, como “Foxtrot” do Genesis, “Machine Head” do Deep Purple, “Ziggy Stardust” do David Bowie, “Volume 4” do Black Sabbath, “Acabou Chorare” dos Novos Baianos, “Caravanserai” do Santana, “Close to the Edge” do Yes, “Storia de um Minuto” do Premiata Forneria Marconi, “Demons & Wizards” do Uriah Heep, “Obscured by Clouds” do Pink Floyd e, por fim, o espetacular álbum “Thick as a Brick”, do Jethro Tull, uma das melhores bandas do rock progressivo de todos os tempos, capitã de um sub-estilo denominado Folk Prog, que busca elementos nas raízes culturais de um país e mescla-as a uma sonoridade elaboradíssima. Era uma obra incomum, composta de uma só música, que se baseia em uma estranha história. Vamos a ela.

Em um concurso de poesia infantil, um pequeno gênio chamado Gerald Bostock, cuja peça, “Thick as a Brick” (espesso como um tijolo), demonstrava um lirismo e uma maturidade rara de encontrar até mesmo em adultos. Sua escrita era tão intrincada e multifacetada que o menino ganhou o epíteto de “Little Milton”, em referência ao poeta setecentista inglês John Milton.

Acontece que o júri, assustado com a prematuridade de um menino que dizia que desceria da “classe superior para consertar os seus caminhos podres”, e que ia “ensinar os homens sábios a enganar o resto dos outros homens”, e por se mostrar rebelde nos programas de TV em que era convidado a comparecer, resolveu desqualificá-lo, premiando uma garota que redigiu uma poesia religiosa, compatível com a mentalidade infantil.

Os membros do Jethro Tull não se conformaram com o resultado do concurso, mais especificamente com a desclassificação arbitrária do menino Gerald, e resolveram encampar sua causa, transformando sua poesia em música e lançando um álbum com o mesmo título. Em sua capa, uma reprodução do jornal que anuncia o resultado do concurso e expressa a mesma indignação que comoveu a banda, que resolveu trazer como encarte todos os detalhes possíveis para divulgar o caso ao maior número alcançável de pessoas.

Final feliz? Sim! E irreal. A história nunca existiu de verdade. Fez parte de todo o contexto criativo que cercou o lançamento do álbum. Tudo é fictício: o garoto, o concurso, a matéria no jornal. A poesia era de verdade, mas composta pelo próprio Ian Anderson, líder da banda, que é mesmo um poeta genial, mas que não tem oito anos!!!

Mas a verdade é que, mesmo com os desmentidos oficiais da banda, há quem acredite na história até hoje! Já li até mesmo uma teoria conspiratória que diz que o desmentido se dá por conta de questões de direito autoral, que a família Bostock se ressentiu de ver o nome do menino espalhado ao vento, e outras parlendas e parlatórios.

Por que será que isso acontece?

Bom... Vamos começar observando que, nos dois casos, temos a refutação de um conhecimento que julgávamos ter. Tem-se pacífica uma determinada condição e, do nada, surge uma contradição que a põe abaixo. Ambos os casos são desmentidos, mas há uma descrença de boa parte dos receptores. Mas há também aqueles que creem. São duas maneiras de reagir a uma característica de nossa mente conhecida como dissonância cognitiva.

A dissonância cognitiva é uma resposta mental que ocorre quando nos confrontamos com algo que desmente nosso conjunto de conhecimentos. Dissonância, traduzindo diretamente, significa um desacordo, uma falta de harmonia entre duas ou mais instâncias. Quando armazenamos em nossa mente uma correlação que podemos chamar de conhecimento, observamos uma correspondência entre um objeto e sua descrição, entre uma causa e sua consequência, ou estabelecemos uma coerência entre as narrativas que exprimem um acontecimento. Essa associação é o que chamamos de cognição. Esse processo contínuo é a argamassa do nosso aprendizado.

Acontece que, mesmo devendo ser céticos e duvidar daquilo que não forma nexos, ou colocar entre parênteses todo conhecimento que não está fortemente respaldado com evidências, precisamos ter alguns dados mais basilares fundeando outros. Para compreendermos uma teoria avançada da física, precisamos de muito conhecimento matemático e necessitamos ter confiança nele. É como se apostássemos que nossa cognição fundamental está correta, e sobre ela podemos erigir coisas mais sólidas e complexas.

Por isso, quando defrontados com uma situação em que há discrepância entre o que sabemos e o que nos é demonstrado, sofremos uma crise. Não, não me refiro a nada que necessite de psicanálise: é um desequilíbrio que precisa ser, de alguma forma, recomposto.

Portanto, uma crise sempre é estabelecida quando há dissonância entre o que vemos e o que julgamos saber. É uma reação psíquica absolutamente natural. O que pode ser problemático é o que nós vamos fazer com o desequilíbrio causado. A reação imediata é tentar reduzir a dissonância, buscando restabelecer algum tipo de coerência. Só que, nesta tentativa, é possível acontecer alguns estranhos tropeções.

A razão e o bom senso indicam para nós que a estranheza deve ser bem apurada. Se algo fere nosso conjunto de conhecimentos, primeiramente enumeramos as variáveis que podem levar à discrepância. Por exemplo: uma televisão permanece ligada quando falta luz na casa. Pela minha cognição, isso é impossível. Neste momento, vou iniciar algumas verificações – se a TV não vem equipada com no-break, se ela não possui um banco de baterias, se há ainda energia na tomada em que ela está conectada, se não há nenhum “gato” trazendo energia do vizinho. O fato de que ela se mantenha ligada causa em mim uma dissonância que preciso resolver. Quando consigo, resolvo a disparidade e durmo em paz. Quando não, a boa prática da humildade nos indica que devemos dizer: “não sei”. Isso é o que deveria acontecer normalmente.

O problema ocorre quando esse ajuste se dá assumindo uma mentira como se fosse uma verdade. Pior ainda: assumir uma mentira sabendo-se que é mentira. Vou descrever o experimento de Leon Festinger, psicólogo estadunidense criador do termo.

Ele juntou em seu laboratório algumas pessoas e as colocou para fazer uma tarefa tediosa qualquer. Em seguida, deveriam passar a tarefa para outras pessoas. Para uma parte deles, foi solicitado que contassem o quanto a tarefa era divertida, mediante o pagamento de 20 dinheiros ianques. Para outros, era oferecido apenas uma única e módica doleta, algo facilmente recusável. Feito isso, seguiram-se as entrevistas com os membros de cada grupo. Os que pegaram mais dólares, ao conversar com os pesquisadores, admitiram que o fizeram pelo dinheiro, dada a chatice da tarefa. Já uma boa parte dos que não auferiram boa quantia se mostraram convencidos de que o experimento era desafiador e enigmático. Percebam que a questão da remuneração impede a dissonância. Eles sabem que a tarefa era tediosa, mas a recompensa financeira justificava mentir. Dessa forma, não há desequilíbrio. Mas quem não tinha essa muleta monetária dizia que o experimento não era tedioso sem recompensa. AQUI nós temos a dissonância. A pessoa se convence de algo contrário à sua convicção para devolver consonância ao seu raciocínio. É algo assim: “se o pesquisador diz que é interessante, então deve ser interessante de fato”.

Mas se você quer exemplos mais simples, vou dar. Quantas e quantas vezes você já ouviu falar de profecias fatalistas, em especial as apocalípticas. No período de 30 segundos, lembrei-me do calendário maia, de Nostradamus, das escatologias de certas religiões e de alinhamentos planetários. Como o mundo não acabou, nenhum desses profetas e quase ninguém que acreditava nessas pantomimas deu o braço a torcer. O mais normal a acontecer nesses casos é adaptar a teoria e descartar o furo, dizendo que “foi obtido mais um tempo de oportunidade”, ou que “houve problemas de tradução”, ou ainda que será necessária uma revisão de cálculos. E, como acreditam de fato, essa conduta resolve a dissonância. Quando não é possível alterar a realidade, altera-se a cognição.

A maior dificuldade, no entanto, ocorre quando a dissonância cognitiva implica, em seu reequilíbrio, na necessidade de mudanças comportamentais. Nosso médico nos diz, por exemplo, que carne demais faz mal. O que fazemos? Reduzimos seu consumo e resolvemos a parada. Podemos até pesquisar o assunto para não acreditar piamente no médico, mas esse é o rumo do bom senso. Ou então desacreditamos do médico, procuramos nutricionistas que prescrevam dietas com amplo consumo de proteínas, diminuímos o consumo de todos os demais alimentos. Também tem a mudança de comportamento político – acreditamos em uma proposta e nosso candidato nos frustra, mostrando-se ineficaz e corrupto. Ou deixamo-lo de lado, para nunca mais votar naquele que, em Filosofia, chamamos de filho da puta; ou procuramos mil e uma chicanas para justificar seu comportamento, dizendo que é mentira da oposição, que é perseguição da imprensa, que é intriga plantada. Qualquer semelhança é mera coincidência.

Recomendação de leitura:

Nada melhor do que ir direto à fonte. Recomendo o livro em que o próprio autor da teoria da dissonância cognitiva desenvolve suas teses. Livro chato de achar.

FESTINGER, Leon. Teoria da Dissonância Cognitiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975.

Agradeço mais uma vez à Jazz por emprestar seu talento em segurar objetos luminosos.

4 comentários:

  1. não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Seja sempre bem vindo a este espaço. Fique à vontade aqui para embasar sua opinião, com o respeito necessário.

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  2. não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
    não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
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    não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra




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