Olá!
O que você faria se tivesse em suas mãos um objeto que
emitisse luz, e presenciasse, pela primeira vez em sua vida, um artefato
idêntico, mas espalhasse sombras ao seu redor? Qual seria a sua reação?
Entre um emprego e outro, meu pai recomendou que eu
procurasse a empresa onde ele era torneiro mecânico, uma metalúrgica fabricante
de máquinas que vivia tempos de glória. Fi-lo e fui contratado.
Bom... Nessa empresa, foi organizado um grêmio que tinha
aquelas coisas de grêmio: um bar, algumas mesas para jogar dominó e baralho,
uma mesa de ping-pong, uma de pebolim, uma de sinuca e duas de bilhar, essas
coisas para fazer em companhia na hora do almoço ou após o expediente.
Eu costumava almoçar bem correndo para poder chegar à
concorridíssima mesa de pebolim, onde eu era mais habilidoso, enquanto meu pai
preferia jogar truco. Chamei-o algumas vezes para jogar bilhar, mas ele sempre
recusava. Eu sabia que ele era meio grosso, mas, um pelo outro, eu era
ruinzinho também, dando plena valia ao ditado “filho de peixe, peixinho é”.
Havia caras que eram bons de verdade no ofício: o Miltão, o
Capoeira, o falecido Gervásio. Era estranho, mas todos eles eram insistentes em
me pedir para que eu convencesse meu pai a jogar. Alguns deles garantiram (não
estou brincando) que fizeram grandes parceiradas com o velho em priscas eras,
chegando a cogitar se tornarem federados. Um belo dia, estando a sós,
ocorreu-me de apertá-lo, de onde obtive a seguinte confissão:
“Eu vendi essa história e eles acreditaram. Queriam jogar a
dinheiro e eu disse que só jogaria valendo o salário inteiro, com cheque
assinado na frente. Não ia dar exibição de graça. O primeiro a quem eu propus
isso, amarelou na hora, e a coisa acabou virando uma lenda”, concluiu o
sacripanta genitor, rindo-se às escâncaras.
Que coisa! Parece mentira, mas não é. Meu pai tem a
reputação de ser uma cobra no bilhar, sem nem saber passar giz no taco. Quando eu
falei por alto a bazófia, muitos disseram que o mentiroso era eu. Acharam, provavelmente
que eu não gosto das “glórias” do meu pai, por que tenho inveja de quem eu
deveria me orgulhar e outras frases congêneres. Duvidam? Pois vou contar uma
história bem mais famosa, que pode ser conferida em rápida pesquisa na
internet.
Corria o ano de 1972, momento grandioso na história do rock
mundial. Ano do lançamento de algumas obras vis e desprezíveis, como “Foxtrot”
do Genesis, “Machine Head” do Deep Purple, “Ziggy Stardust” do David Bowie,
“Volume 4” do Black Sabbath, “Acabou Chorare” dos Novos Baianos, “Caravanserai”
do Santana, “Close to the Edge” do Yes, “Storia de um Minuto” do Premiata
Forneria Marconi, “Demons & Wizards” do Uriah Heep, “Obscured by Clouds” do
Pink Floyd e, por fim, o espetacular álbum “Thick as a Brick”, do Jethro Tull,
uma das melhores bandas do rock progressivo de todos os tempos, capitã de um
sub-estilo denominado Folk Prog, que busca elementos nas raízes culturais de um
país e mescla-as a uma sonoridade elaboradíssima. Era uma obra incomum,
composta de uma só música, que se baseia em uma estranha história. Vamos a ela.
Em um concurso de poesia infantil, um pequeno gênio chamado
Gerald Bostock, cuja peça, “Thick as a Brick” (espesso como um tijolo),
demonstrava um lirismo e uma maturidade rara de encontrar até mesmo em adultos.
Sua escrita era tão intrincada e multifacetada que o menino ganhou o epíteto de
“Little Milton”, em referência ao poeta setecentista inglês John Milton.
Acontece que o júri, assustado com a prematuridade de um
menino que dizia que desceria da “classe superior para consertar os seus
caminhos podres”, e que ia “ensinar os homens sábios a enganar o resto dos
outros homens”, e por se mostrar rebelde nos programas de TV em que era
convidado a comparecer, resolveu desqualificá-lo, premiando uma garota que
redigiu uma poesia religiosa, compatível com a mentalidade infantil.
Os membros do Jethro Tull não se conformaram com o resultado
do concurso, mais especificamente com a desclassificação arbitrária do menino
Gerald, e resolveram encampar sua causa, transformando sua poesia em música e
lançando um álbum com o mesmo título. Em sua capa, uma reprodução do jornal que
anuncia o resultado do concurso e expressa a mesma indignação que comoveu a
banda, que resolveu trazer como encarte todos os detalhes possíveis para
divulgar o caso ao maior número alcançável de pessoas.
Final feliz? Sim! E irreal. A história nunca existiu de
verdade. Fez parte de todo o contexto criativo que cercou o lançamento do
álbum. Tudo é fictício: o garoto, o concurso, a matéria no jornal. A poesia era
de verdade, mas composta pelo próprio Ian Anderson, líder da banda, que é mesmo
um poeta genial, mas que não tem oito anos!!!
Mas a verdade é que, mesmo com os desmentidos oficiais da
banda, há quem acredite na história até hoje! Já li até mesmo uma teoria
conspiratória que diz que o desmentido se dá por conta de questões de direito
autoral, que a família Bostock se ressentiu de ver o nome do menino espalhado
ao vento, e outras parlendas e parlatórios.
Por que será que isso acontece?
Bom... Vamos começar observando que, nos dois casos, temos a
refutação de um conhecimento que julgávamos ter. Tem-se pacífica uma
determinada condição e, do nada, surge uma contradição que a põe abaixo. Ambos
os casos são desmentidos, mas há uma descrença de boa parte dos receptores. Mas
há também aqueles que creem. São duas maneiras de reagir a uma característica
de nossa mente conhecida como dissonância
cognitiva.
A dissonância cognitiva é uma resposta mental que ocorre
quando nos confrontamos com algo que desmente nosso conjunto de conhecimentos.
Dissonância, traduzindo diretamente, significa um desacordo, uma falta de
harmonia entre duas ou mais instâncias. Quando armazenamos em nossa mente uma
correlação que podemos chamar de conhecimento, observamos uma correspondência
entre um objeto e sua descrição, entre uma causa e sua consequência, ou
estabelecemos uma coerência entre as narrativas que exprimem um acontecimento.
Essa associação é o que chamamos de cognição. Esse processo contínuo é a
argamassa do nosso aprendizado.
Acontece que, mesmo devendo ser céticos e duvidar daquilo
que não forma nexos, ou colocar entre parênteses todo conhecimento que não está
fortemente respaldado com evidências, precisamos ter alguns dados mais
basilares fundeando outros. Para compreendermos uma teoria avançada da física,
precisamos de muito conhecimento matemático e necessitamos ter confiança nele.
É como se apostássemos que nossa cognição fundamental está correta, e sobre ela
podemos erigir coisas mais sólidas e complexas.
Por isso, quando defrontados com uma situação em que há
discrepância entre o que sabemos e o que nos é demonstrado, sofremos uma crise.
Não, não me refiro a nada que necessite de psicanálise: é um desequilíbrio que
precisa ser, de alguma forma, recomposto.
Portanto, uma crise sempre é estabelecida quando há
dissonância entre o que vemos e o que julgamos saber. É uma reação psíquica
absolutamente natural. O que pode ser problemático é o que nós vamos fazer com
o desequilíbrio causado. A reação imediata é tentar reduzir a dissonância,
buscando restabelecer algum tipo de coerência. Só que, nesta tentativa, é
possível acontecer alguns estranhos tropeções.
A razão e o bom senso indicam para nós que a estranheza deve
ser bem apurada. Se algo fere nosso conjunto de conhecimentos, primeiramente
enumeramos as variáveis que podem levar à discrepância. Por exemplo: uma
televisão permanece ligada quando falta luz na casa. Pela minha cognição, isso
é impossível. Neste momento, vou iniciar algumas verificações – se a TV não vem
equipada com no-break, se ela não possui um banco de baterias, se há ainda
energia na tomada em que ela está conectada, se não há nenhum “gato” trazendo
energia do vizinho. O fato de que ela se mantenha ligada causa em mim uma
dissonância que preciso resolver. Quando consigo, resolvo a disparidade e durmo
em paz. Quando não, a boa prática da humildade nos indica que devemos dizer: “não
sei”. Isso é o que deveria acontecer normalmente.
O problema ocorre quando esse ajuste se dá assumindo uma
mentira como se fosse uma verdade. Pior ainda: assumir uma mentira sabendo-se
que é mentira. Vou descrever o experimento de Leon Festinger, psicólogo
estadunidense criador do termo.
Ele juntou em seu laboratório algumas pessoas e as colocou
para fazer uma tarefa tediosa qualquer. Em seguida, deveriam passar a tarefa
para outras pessoas. Para uma parte deles, foi solicitado que contassem o
quanto a tarefa era divertida, mediante o pagamento de 20 dinheiros ianques.
Para outros, era oferecido apenas uma única e módica doleta, algo facilmente
recusável. Feito isso, seguiram-se as entrevistas com os membros de cada grupo.
Os que pegaram mais dólares, ao conversar com os pesquisadores, admitiram que o
fizeram pelo dinheiro, dada a chatice da tarefa. Já uma boa parte dos que não
auferiram boa quantia se mostraram convencidos de que o experimento era
desafiador e enigmático. Percebam que a questão da remuneração impede a
dissonância. Eles sabem que a tarefa era tediosa, mas a recompensa financeira
justificava mentir. Dessa forma, não há desequilíbrio. Mas quem não tinha essa
muleta monetária dizia que o experimento não era tedioso sem recompensa. AQUI
nós temos a dissonância. A pessoa se convence de algo contrário à sua convicção
para devolver consonância ao seu raciocínio. É algo assim: “se o pesquisador
diz que é interessante, então deve ser interessante de fato”.
Mas se você quer exemplos mais simples, vou dar. Quantas e
quantas vezes você já ouviu falar de profecias fatalistas, em especial as
apocalípticas. No período de 30 segundos, lembrei-me do calendário maia, de
Nostradamus, das escatologias de certas religiões e de alinhamentos planetários.
Como o mundo não acabou, nenhum desses profetas e quase ninguém que acreditava
nessas pantomimas deu o braço a torcer. O mais normal a acontecer nesses casos
é adaptar a teoria e descartar o furo, dizendo que “foi obtido mais um tempo de
oportunidade”, ou que “houve problemas de tradução”, ou ainda que será
necessária uma revisão de cálculos. E, como acreditam de fato, essa conduta
resolve a dissonância. Quando não é possível alterar a realidade, altera-se a
cognição.
A maior dificuldade, no entanto, ocorre quando a dissonância
cognitiva implica, em seu reequilíbrio, na necessidade de mudanças
comportamentais. Nosso médico nos diz, por exemplo, que carne demais faz mal. O
que fazemos? Reduzimos seu consumo e resolvemos a parada. Podemos até pesquisar
o assunto para não acreditar piamente no médico, mas esse é o rumo do bom
senso. Ou então desacreditamos do médico, procuramos nutricionistas que
prescrevam dietas com amplo consumo de proteínas, diminuímos o consumo de todos
os demais alimentos. Também tem a mudança de comportamento político – acreditamos
em uma proposta e nosso candidato nos frustra, mostrando-se ineficaz e
corrupto. Ou deixamo-lo de lado, para nunca mais votar naquele que, em
Filosofia, chamamos de filho da puta; ou procuramos mil e uma chicanas para
justificar seu comportamento, dizendo que é mentira da oposição, que é
perseguição da imprensa, que é intriga plantada. Qualquer semelhança é mera
coincidência.
Recomendação de leitura:
Nada melhor do que ir direto à fonte. Recomendo o livro em
que o próprio autor da teoria da dissonância cognitiva desenvolve suas teses.
Livro chato de achar.
FESTINGER, Leon. Teoria
da Dissonância Cognitiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975.
Agradeço mais uma vez à Jazz por emprestar seu talento em
segurar objetos luminosos.
não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirSeja sempre bem vindo a este espaço. Fique à vontade aqui para embasar sua opinião, com o respeito necessário.
Excluirnão existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
ResponderExcluirnão existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra
não existe nenhuma dissonância cognitiva ou social ou psicológica... não existe certos e errados ou bem e mal... aff não existe verdade ou mentira porra