Olá!
Efeméride importante. Há exatos cinco anos eu inaugurei este
espaço, dadas as facilidades proporcionadas pela internet gratuita e a
necessidade de desenvolver um projeto pedagógico. Gostei da brincadeira e a
mantive até hoje, já com uns novos propósitos.
Nunca pretendi fazer deste blog um espaço puramente
acadêmico, e sim um humilde norte para estimular a interpretação filosófica de
espertos rapazes e cultas garotas, apoiado em duas constatações: ainda que
surpreendente, há muita juventude interessada no pensar filosófico, mas que não
sabe exatamente onde achá-lo. Por isso mesmo, vou dando minhas dicas de livros,
filmes e etc. para que nossos mancebos e moçoilas possam tomar gosto pela
coisa.
Um lustro! Deu tempo de produzir bastante coisa. Mas
confesso que tem horas que bate um certo desânimo. Às vezes fico pesquisando um
tema por meses a fio, principalmente aqueles que geram textos concatenados
entre si, para ter, como resultado, quinze ou vinte visualizações. De vez em
quando, alguém compartilha um desses textos nas redes sociais (devo agradecer
muito ao Fernando Faria, que tem feito um grande trabalho de divulgação do meu
blog) e o tal acaba ganhando um pouco de respiro, mas é raro. Fico com aquele
encafifamento típico de quem acha que está falando muito, falando difícil,
falando merda... Mas, raciocinando, chego à conclusão de que o formato blog
está perdendo a força. A média de visitas a este espaço tem aumentado, pelo
óbvio motivo de que há cada vez mais postagens, mas a consulta a textos novos
declinou bastante.
Talvez eu devesse migrar de plataforma, usar o Tumblr ou o Wordpress, mas minha inabilidade atual com edição para internet
chega a causar pena. Sou do tempo dos frames
e do Front Page, tecnologias que se
vão longínquas nesses tempos atuais (longínquo, no caso, são dez anos). Também
pensei em criar um canal no YouTube, mas posso garantir a vocês, meus amigos,
que escrevo muito melhor do que falo. E, além disso, precisaria fazer a edição,
produzir uma vinhetinha decente, cuidar de conseguir um equipamento razoável,
sem deixar de escrever o texto, transformado em roteiro, ora pois. E, por
último mas não em último, minha figura não é, por si só, uma atração. Quem me
conhece pessoalmente pode atestar.
Pode ser que um dia eu faça isso, mas não vai ser agora. Por
enquanto, lutemos contra a pusilanimidade e prossigamos neste formato, e
tentando descobrir a causa do sucesso do meu texto mais lido, escrito de
maneira tão despretensiosa que quase não o publico. Quer dizer, o porquê de sua
busca constante eu já descobri: se você digitar no Google os termos
“eclesiastes” e “filosofia”, verá o fagueiro artigo na cabeceira da consulta:
O que eu não compreendo é o motivo da benesse concedida pela
gigante das buscas. Como nunca pensei muito bem em termos publicitários, não
sei como cheguei nisso, e como ninguém que torna uma escrita pública gosta de
vê-la escondida (caso contrário, guardá-la-ia numa gaveta), aceito dicas de bom
grado.
Minha patroa me pergunta às vezes porque não colijo meus
pensamentos em livro. E há quem pergunte por que eu não parto para a produção
de artigos acadêmicos de verdade, publicar em revistas e o escambau. Bom, por
vários motivos.
O primeiro é que este espaço é um hobby atualmente. Por
isso, não preciso esquentar a cabeça com prazos de entrega, periodicidade,
disponibilidade de livros, ABNT e così
via. Depois, os artigos acadêmicos podem ser mais úteis e precisos, mas são
naturalmente mais chatos, e com isso não vou atingir o público que eu quero.
Além disso, para pesquisar seriamente, precisaria de mais tempo, e não posso
largar minha atividade principal. Fazer pesquisa significa produzir novidade, o
que não preciso fazer no meu blog. Outra coisa: não sou um nome conhecido para
chegar na academia e dizer “publicaê”. E, final e principalmente, pesquisa
demanda dinheiro.
Ora (direis), vá aos cofres públicos! Faça um bom projeto de
pesquisa e requeira verbas às instituições de fomento, quem sabe você não
consegue mamar nessas gordas tetas? 1. Não gosto de leite. 2. Financiamento
gera obrigação. 3. Atualmente, não tenho vínculo empregatício com nenhuma
instituição de nível superior. 4. Vou contar uma historinha.
Muito bem. Como já está bem decantado pela nossa operosa
imprensa, vivemos uma crise sem precedentes na nossa história (o que não é
verdade inconteste; basta que se tenha mais de 40 anos para lembrar bem da
década de 80, mas não quero discutir política neste momento), gerando grandes
contenções de gastos em todas as áreas onde o governo precisa injetar dinheiro.
Algumas destinações de primeira necessidade, como saúde e educação, recebem
quantidades brutais de verbas (se são bem empregadas, é outra história), e
qualquer por cento que se reduza em seus orçamentos representa uma avalanche de
(ainda) dilmas. Outras áreas não são tão agraciadas, para a nossa lamentação,
como é o caso das pastas de Ciências e Tecnologia, mas, até mesmo pelo fato de
não fazer ninguém morrer de fome diretamente, recebem cortes orçamentários
proporcionalmente mais profundos. Tudo isso está lindamente explicado neste
e neste vídeo do Canal do Pirula, e não vou tentar fazer melhor do que
ele. Assistam lá e voltem cá.
Vejam como a discussão entre o financiamento da Ciência de
base e a Ciência aplicada é importante. Não há como fugir do questionamento do
uso prático de uma pesquisa científica, mas também não há como aplicar
conhecimento se não o temos. Ciência de base inclui especulação, longas
observações, cálculos complicados, tempo e mais tempo. É muito mais atraente
falar sobre medicamentos, mas alguém teve que pesquisar sobre composições
químicas antes disso; é atraente falar sobre cirurgias a laser, mas alguém teve
que descobrir propriedades óticas primeiro; é atraente falar sobre carros
elétricos, mas alguém precisou compreender o que é eletricidade um dia. Não se
aplica Ciência sem se saber Ciência.
Mesmo assim, a Ciência de base ainda tem algum apelo e
atrativo. Só em São Paulo, entidades como a Estação Ciência (fechado
temporariamente), o Museu de Zoologia da USP, o Catavento Cultural e outros
exibem a seus visitantes atrações como simulador de terremotos, fósseis,
imersão em cavernas, corpo humano por dentro, modelos computacionais e, com
isso, demonstram que a ciência de base desperta o interesse das pessoas até
mesmo como espetáculo, porque são coisas que podem ser bastante curiosas e
trazem respostas a algumas de nossas perguntas fundamentais. E são incríveis
mesmo – uma pessoa cabeluda com a mão em um gerador de Van der Graaf sabe do
que estou falando. Não é exatamente o melhor dos universos, mas é muito útil
para cutucar o espírito científico e para divulgar a atividade acadêmica.
Mas o fato é que a grana está curta, e se já é difícil obter
verbas para o financiamento das Ciências, que tem algum apelo junto à população,
o que diremos do financiamento à pesquisa filosófica? Mais ainda: quem
acreditará que pesquisar filosofia de base pode ser importante?
Sim, porque também temos essa diferenciação em Filosofia. Há
áreas voltadas para a análise de atividades práticas, como a Filosofia
Política, Filosofia da Educação e Filosofia da Ciência, e existe aquela
Filosofia mais profunda, que discute o âmago e as causas mais primordiais das
coisas, como a Metafísica, a Epistemologia, a Lógica, a Ética. A Filosofia de
base discute temas abstratos como a verdade, o tempo, o ser.
E eu pergunto: quem conseguiria financiamentos para repropor
o Ser? É claro que a pesquisa filosófica é bem menos cara do que uma pesquisa
científica, que requer materiais, laboratórios, observatórios, equipamentos,
cobaias e muitas coisas mais. Em Filosofia, os maiores gastos são com livros,
que poderiam, em todo caso, ser acessados nas bibliotecas das próprias
universidades. No extremo, será necessário adquirir um bom computador,
contratar um tradutor, fazer algumas viagens e utilizar os serviços de algum
biblioteconomista, de um historiador, de um arqueólogo, mas dificilmente
atingirá o custo de uma pesquisa científica simples. Mas são custos que existem
e que dificilmente podem ser suportados pelo pesquisador com seus parcos
ganhos. E, de acordo com a natureza do objeto a ser pesquisado, o total
auferido será zero.
Imaginem a seguinte situação: o conhecimento consagrado diz
que a Filosofia nasce a partir dos gregos. Queremos investigar e repropor essa tese,
e, para tanto, precisamos viajar para a África, berço mais antigo da
humanidade. Precisaremos nos encaminhar para lá, detectar as fontes históricas,
conversar com os acadêmicos locais e tentar extrair alguma sistematização do
conhecimento que possa estar fugindo da base mitológica, à semelhança do que
aconteceu na Grécia. Sendo semelhante e anterior o leque de temas propostos por
essa primeva Filosofia, teríamos que perscrutar os caminhos que conduziram
essas linhagens de pensamento aos gregos, se é que tal fato aconteceu. E com
isso mudaríamos a data de nascimento do pensamento racional.
Isso tudo é muito lindo, mas vamos cair na pergunta
pragmática: serve para quê? E a resposta não é muito animadora, já que, a
princípio, serve “apenas” como conhecimento. Não haverá uma revolução
científica, não haverá uma transformação histórica, não haverá uma reforma
ética, não haverá a redescoberta da roda. Teremos mais saber, e somente o
futuro dirá o que faremos com ele. A Filosofia, que já convive com especulações
sobre sua utilidade, não tem grandes armas para se defender. E o agente de
financiamento mete o fúnebre carimbo de “rejeitado”, selando com o túmulo o
projeto de pesquisa.
Mas as coisas não são assim e já é hora de que haja uma
melhor divulgação filosófica, incluindo os pensamentos mais fundamentais.
Mencionei acima a Filosofia da Educação, que é indistinguível das correntes
pedagógicas adotadas pela escola do seu filho, meu caro amigo. Construtivismo, Comportamentalismo,
Criticismo e outras vertentes não sobrevivem sem a Epistemologia, área da
Filosofia que versa sobre o conhecimento. Com relação à Filosofia Política, que
é a discussão racional sobre as relações de poder, e que geram todas as
discussões entre direita e esquerda, podemos falar em Marxismo, Monarquismo, Liberalismo,
mas não podemos falar em nada disso sem ter em mente a Ética, que é a área da
Filosofia que trata das relações humanas. E sobre Filosofia da Ciência, vou me
alongar um pouquinho mais.
Os antigos gregos possuíam uma metodologia de investigação
que se baseava na dedução, e que não dependia muito da experimentação e da
observação, o que nos afasta dos métodos científicos como os conhecemos hoje.
Quem primeiramente descreveu cuidadosamente um sistema em que múltiplas
variáveis deveriam ser recolhidas e comparadas foi Francis Bacon, ainda no
século XVII (já falei dele neste texto). Era o indutivismo, onde cada
observação de um fenômeno era candidata a derrubar todo o conhecimento formado
até então. A Ciência parte definitivamente para o empirismo, e esse método
perdurou até o começo do século XX, quando Karl Popper, que mencionei no mesmo
texto, introduziu o conceito de falseabilidade, uma das grandes características
da pesquisa hodierna.
Basicamente, a diferença entre ambos é muito sutil. O
empirismo de Bacon dá força a uma indução na medida em que encontre elementos
que confirmem a tese. Por exemplo: uma minhoca vive na terra, duas minhocas
vivem na terra, três minhocas... Bacon procura sempre mais minhocas para
reforçar sua conclusão. Já Popper vira o foco: ele vai procurar a minhoca que
não vive na terra. É o que ele chama de ponto de falseabilidade – uma
circunstância que invalida a conclusão. Quanto mais testes sofrer a teoria,
mais forte ela se torna. E mais ainda: uma proposição somente pode ter caráter
científico se ela possuir esse ponto. Tudo o que não puder ser falseado, não é
científico. É Filosofia, é Religião, é Metafísica, é Arte, mas não é Ciência.
Mas mesmo o sólido modelo de pesquisa de Popper não passa
incólume a críticas e revisões. Paul Feyerabend, filósofo austríaco, por
exemplo, faz críticas virulentas à tentativa de encerrar a Ciência em uma
metodologia fechada. Para ele, toda a história de descobertas científicas está
marcada por mudanças de rota, detalhes insólitos, acaso e tortuosidades que não
podem, nem em sonho, ser previstas pelas folhas limpinhas de um método. O ponto
em comum de todas as descobertas é um só – sempre que se tentar encaixar uma
experiência em uma norma, haverá a possibilidade de se fazer um desvio dessa
norma.
Algum problema nisso? De jeito nenhum, no pensamento de
Feyerabend. Essa liberdade de acontecimentos é rigorosamente necessária para o
surgimento do novo. Sob pena de não se progredir, os cientistas de escritório
precisam supor mais, mexer mais, até mesmo sonhar mais. A regra é: o único
método válido para a Ciência é o vale-tudo, chamado pelo pomposo nome de anarquismo epistemológico. Não se pode
pautar unicamente pelo racional – é também necessário buscar no absurdo.
Claro que Feyerbend construiu suas teses na medida certa para
“socar” a metodologia de Popper, mas muitas de suas assertivas são coerentes,
e, principalmente, feitas para provocar e tirar a comunidade científica da
comodidade.
Já a crítica de Thomas Kuhn, filósofo norte-americano, está
ligada à falta de uma perspectiva histórica na aplicação dos métodos
científicos. Isso porque o racionalismo que caracteriza a Ciência não a tira do
lapso temporal. A Ciência existe no tempo como todos nós, e se transforma
através dele, também como todos nós. E são essas transformações que fazem com
que o conhecimento científico mude radicalmente. Para entender melhor, Kuhn
lança mão do conceito de paradigma.
Paradigma é um conjunto de representações que formam um
modelo consensual a ser seguido. Como existe um acordo entre todos os atores, o
paradigma é a matriz a partir da qual toda a atividade científica evolui. Da
formação de um paradigma e de sua aceitação, nasce a Ciência Normal, que nada
mais é que o conjunto de atividades que seguem determinado paradigma. Veja a
semelhança que Kuhn dá entre um paradigma e um dogma...
Acontece que Kuhn observa que, de tempos em tempos, surgem
hipóteses que fogem aos ditames do paradigma e da ciência normal. A princípio,
como o paradigma é bem consolidado, estas hipóteses são consideradas meros desvios
e erros na aplicação da metodologia. Na medida em que vão surgindo mais e mais evidências
que corroboram a hipótese destoante, o modelo começa a entrar em crise. E, na
medida em que a crise se amplia, ocorre o fenômeno: o paradigma anterior
explode, e surge um novo paradigma. Essa é a revolução científica, como chamada por ele mesmo. Esse repente no
surgimento do novo paradigma faz com que a tese anterior seja defendida a todo
custo pela maioria da comunidade acadêmica, e o convencimento, este se dá
aos poucos.
Assistimos inúmeros destes casos na história da Ciência:
antes de Darwin, o fixismo era normalmente aceito por gente do calibre de
Linneu. Antes de Copérnico, todos achavam que Ptolomeu já tinha matado a
charada com o geocentrismo (e mesmo Copérnico foi superado por Kepler). Antes de
Pasteur, a geração espontânea era uma solução francamente aceita pela
comunidade científica. E todos eles precisaram segurar a barra de montanhas de
contestações. Ou seja, o paradigma novo surge repentinamente, mas sua aceitação
é progressiva.
A falseabilidade de Popper e as novas propostas de Kuhn e
Feyerabend não são transformações científicas; são epistemológicas, são
filosóficas. São aplicadas para a Ciência, mas nascem da Filosofia, e daqueles
questionamentos mais profundos: o que é a verdade? É possível conhecê-la? ISSO
é filosofia de base, que deriva para uma Filosofia “prática”. Seria melhor
prosseguirmos na dedução aristotélica e na indução baconiana para praticarmos
Ciência? É onde estaríamos se a Filosofia não apontasse novas metodologias e
caminhos. E, com isso, espero humildemente colaborar para diminuir a sensação
de que a Filosofia é coisa inútil. Já me sinto melhor.
Portanto e finalmente, meus bons leitores, convido vocês a
refletir sobre os indicativos que fazem decidir quais pesquisas devam ou não
ser realizadas. O critério de utilidade é significativo, mas não pode ser
definitivo, sob pena de ficarmos dando voltas e mais voltas ao redor do
conhecimento disponível, sem grandes perspectivas de sair do lugar. Uma hora as
ferramentas disponíveis se esgotam, e precisaremos novamente filosofar sobre as
perguntas mais arquetípicas para encontrar soluções. Ou não?
Recomendações:
O canal do Pirula é excelente para quem gosta de discussões
sobre Ciências. Suas séries sobre Criacionismo e suas explicações sobre temas
como cladística e migração de espécies são primorosas. Vale a pena assistir (lembrando
que vídeos longos não são um problema para mim).
https://www.youtube.com/user/Pirulla25
Feyerabend é, antes de tudo, um contestador. Seu livro
parece pretender menos estabelecer uma metodologia (ou falta de) do que ser um
libelo contra o cerceamento do livre pensamento científico. Afinal, tolher a
liberdade do cientista significa impor alguns limites que podem dificultar o
alcance da pesquisa.
FEYERABEND, Paul. Contra
o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
E, finalmente, a obra-prima de Thomas Kuhn, onde está
exposta sua tese de vinculação da história ao progresso científico.
KUHN, Thomas. A
estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2006.
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