Conforme havia prometido neste post, inicio uma
pequena série sobre as falácias, estas danadinhas que insistem em nos enganar,
e que são tão utilizadas nos discursos de nossas ilustres autoridades
políticas, em especial nos tempos de eleições.
Muito do que nos é apresentado como argumentos válidos nada mais são do que falácias |
As falácias pertencem ao campo da Lógica e da Filosofia da
Linguagem. Desta última, gosto bastante, mas com relação ao estudo da Lógica...
Bem, confesso que é meu ponto fraco. Tabelas-verdade, notação formal,
transposição, regras de inferência, não são bem minhas preferências, mas foi
justamente com o estudo das falácias que eu compreendi melhor essa parafernália
toda. E comecei a encará-las com menos repugnância (talvez até um pouco de
admiração). Por isso, acho que vale a pena tratar do assunto.
Mas... o que é uma falácia?
Falácia é um termo oriundo do latim fallere, que significa faltar. No caso, com a verdade. Uma falácia
é um argumento construído de tal forma a dar impressão de ser verdadeiro, mas
que, na verdade, possui em si uma tentativa de ludibriar o interlocutor. Enfim,
uma falácia nada mais faz do que lançar mão de defeitos da linguagem, como os
paradoxos, os duplos sentidos e outras coisinhas mais.
As falácias, falando bem basicamente, podem ser de dois
tipos: formais e informais. Vamos falar um pouco da questão da formalidade, com
o mestre Aristóteles.
Aristóteles é uma espécie de “padroeiro” da Lógica. Não que
seus antecessores não tenham se ocupado com a retidão do raciocínio, mas é com
ele que pela primeira vez temos uma sistematização do pensamento de modo a
torná-lo mais matemático, a se preocupar com a forma com que deve ser disposto.
A ferramenta dessa lógica formal é o silogismo.
O mais clássico de todos os silogismos é aquele que nos é
apresentado como exemplo inicial em todo manual de introdução à Lógica: a
questão da mortalidade de Sócrates.
Todo homem é mortal
Sócrates é homem
Logo, Sócrates é mortal
Este silogismo está bem estruturado. Possui uma proposição
universal (todo homem é mortal), que chamamos de premissa maior, aquela em que cabem mais coisas; possui uma
proposição particular (Sócrates é homem), denominada premissa menor, ou seja, aquela com menos elementos; são
concatenadas através de um termo médio,
comum às duas (homem), e delas deriva uma conclusão
(Sócrates é mortal). De uma articulação antecedente (as premissas), extraímos
um consequente, que é a conclusão.
Pois bem. Esse conjunto de proposições que remete a uma
conclusão é chamado de argumento. Quando esse argumento está bem
formulado, ou seja, há coerência interna entre as premissas e a conclusão,
podemos dizer que ele é formalmente válido. Vejamos outro exemplo:
Alguns homenzinhos verdes são marcianos
Eu sou um homenzinho verde
Logo, eu sou marciano
Há um erro neste silogismo. Perceba-se que as duas premissas
são particulares – a premissa maior não abarca a totalidade dos homenzinhos
verdes existentes no universo. Com isso, o fato de que eu seja um homenzinho
verde não me torna, automaticamente, um marciano. Pode ser que eu seja de outro
planeta que também tenha homenzinhos verdes, pode ser que eu esteja doente do
fígado, pode ser que tenha caído uma lata de tinta verde na minha cabeça, entre
outras desventuras. Quando falta ao argumento uma estruturação lógica, como no
caso acima, dizemos que ele é inválido.
Quando o erro do argumento está na sua forma, ou seja,
quando ele é inválido, afirmamos que qualquer utilização dele produzirá uma falácia formal.
Só que aí temos um pulo do gato. Um argumento formalmente
bem construído é garantia de que ele produzirá verdade? A resposta é não.
Vejam bem. Dei dois exemplos de silogismos, um formalmente
válido e outro inválido, sendo que o segundo nunca poderá receber um valor de
verdade, já que tem problemas em sua estrutura (ainda que sua conclusão seja verdadeira). É como um carro sem rodas – não
tem como cumprir sua função, há algo essencial a faltar nele. Carro sem rodas
não transporta nada, argumento sem lógica não exprime nada. Já o primeiro
argumento, o do Sócrates, que já concluímos ser válido, tem o “poder” de
receber um valor de verdade, ou seja, ser verdadeiro ou falso. E mais ainda: a
verdade das premissas garante a verdade da conclusão. De fato, sem prejuízo da
estrutura do silogismo, podemos fazer as mais diferentes elucubrações para
tornar o argumento falso (ainda que válido): Sócrates pode não ser um homem,
mas uma divindade; pode não ser um homem, mas o nome de um cachorrinho de
estimação; pode ser o sobrenome de uma mulher; pode ser o título de uma obra, e
não o filósofo em si; pode ser que a palavra “Sócrates” represente qualquer
outra coisa em uma língua diferente. Isso tudo falsifica a premissa “Sócrates é
homem”, e consequentemente a conclusão, mas não invalida o argumento. Quando
isso acontece, temos os casos que produzirão as falácias informais.
Há ainda um tipo específico de falácia informal que não está
ligada à veracidade do argumento, mas ao desvio do foco da discussão, e ocorre quando buscamos “ajuda” externa, no mais das vezes pela falta de justificativas
para responder adequadamente ao interlocutor. É o que chamamos de apelos, e são dos mais variados tipos:
apelamos à força, à misericórdia, à autoridade, à popularidade, à velhice,
etc., de modo a usar um subterfúgio para encerrar a questão escapando do campo
lógico. Exemplo:
- É melhor você me obedecer. Emprego anda difícil.
Uma ameaça nada sutil. Neste caso, não há uma explicação dos
motivos pelos quais o dever de obediência é conveniente. O que temos é uma
interrupção da linha argumentativa, de forma peremptória. Apelos e ataques são
extremamente comuns.
E é isso. De agora em diante, pegarei algumas das mais
significativas falácias e as deixarei nuas. Não haverá ordem, nem sequência, nem
um roteiro específico, e também procurarei não me alongar muito em cada uma
delas, mas tentarei explicar suas origens e demonstrar como podem ser
detectadas no dia-a-dia, como é o escopo deste blog.
Recomendação de leitura:
Aristóteles fala sobre a construção de silogismo como a formalização de argumentos em sua seguinte obra:
ARISTÓTELES. Analíticos
Posteriores. In: Órganon. São
Paulo: Edipro, 2005.
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