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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Pequeno guia das grandes falácias – 1º Tomo – Uma introdução

Olá!

Conforme havia prometido neste post, inicio uma pequena série sobre as falácias, estas danadinhas que insistem em nos enganar, e que são tão utilizadas nos discursos de nossas ilustres autoridades políticas, em especial nos tempos de eleições.

Muito do que nos é apresentado como argumentos
 válidos nada mais são do que falácias

As falácias pertencem ao campo da Lógica e da Filosofia da Linguagem. Desta última, gosto bastante, mas com relação ao estudo da Lógica... Bem, confesso que é meu ponto fraco. Tabelas-verdade, notação formal, transposição, regras de inferência, não são bem minhas preferências, mas foi justamente com o estudo das falácias que eu compreendi melhor essa parafernália toda. E comecei a encará-las com menos repugnância (talvez até um pouco de admiração). Por isso, acho que vale a pena tratar do assunto.

Mas... o que é uma falácia?

Falácia é um termo oriundo do latim fallere, que significa faltar. No caso, com a verdade. Uma falácia é um argumento construído de tal forma a dar impressão de ser verdadeiro, mas que, na verdade, possui em si uma tentativa de ludibriar o interlocutor. Enfim, uma falácia nada mais faz do que lançar mão de defeitos da linguagem, como os paradoxos, os duplos sentidos e outras coisinhas mais.

As falácias, falando bem basicamente, podem ser de dois tipos: formais e informais. Vamos falar um pouco da questão da formalidade, com o mestre Aristóteles.

Aristóteles é uma espécie de “padroeiro” da Lógica. Não que seus antecessores não tenham se ocupado com a retidão do raciocínio, mas é com ele que pela primeira vez temos uma sistematização do pensamento de modo a torná-lo mais matemático, a se preocupar com a forma com que deve ser disposto. A ferramenta dessa lógica formal é o silogismo.

O mais clássico de todos os silogismos é aquele que nos é apresentado como exemplo inicial em todo manual de introdução à Lógica: a questão da mortalidade de Sócrates.

Todo homem é mortal
Sócrates é homem
Logo, Sócrates é mortal

Este silogismo está bem estruturado. Possui uma proposição universal (todo homem é mortal), que chamamos de premissa maior, aquela em que cabem mais coisas; possui uma proposição particular (Sócrates é homem), denominada premissa menor, ou seja, aquela com menos elementos; são concatenadas através de um termo médio, comum às duas (homem), e delas deriva uma conclusão (Sócrates é mortal). De uma articulação antecedente (as premissas), extraímos um consequente, que é a conclusão.

Pois bem. Esse conjunto de proposições que remete a uma conclusão é chamado de argumento. Quando esse argumento está bem formulado, ou seja, há coerência interna entre as premissas e a conclusão, podemos dizer que ele é formalmente válido. Vejamos outro exemplo:

Alguns homenzinhos verdes são marcianos
Eu sou um homenzinho verde
Logo, eu sou marciano

Há um erro neste silogismo. Perceba-se que as duas premissas são particulares – a premissa maior não abarca a totalidade dos homenzinhos verdes existentes no universo. Com isso, o fato de que eu seja um homenzinho verde não me torna, automaticamente, um marciano. Pode ser que eu seja de outro planeta que também tenha homenzinhos verdes, pode ser que eu esteja doente do fígado, pode ser que tenha caído uma lata de tinta verde na minha cabeça, entre outras desventuras. Quando falta ao argumento uma estruturação lógica, como no caso acima, dizemos que ele é inválido.

Quando o erro do argumento está na sua forma, ou seja, quando ele é inválido, afirmamos que qualquer utilização dele produzirá uma falácia formal.

Só que aí temos um pulo do gato. Um argumento formalmente bem construído é garantia de que ele produzirá verdade? A resposta é não.

Vejam bem. Dei dois exemplos de silogismos, um formalmente válido e outro inválido, sendo que o segundo nunca poderá receber um valor de verdade, já que tem problemas em sua estrutura (ainda que sua conclusão seja verdadeira). É como um carro sem rodas – não tem como cumprir sua função, há algo essencial a faltar nele. Carro sem rodas não transporta nada, argumento sem lógica não exprime nada. Já o primeiro argumento, o do Sócrates, que já concluímos ser válido, tem o “poder” de receber um valor de verdade, ou seja, ser verdadeiro ou falso. E mais ainda: a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. De fato, sem prejuízo da estrutura do silogismo, podemos fazer as mais diferentes elucubrações para tornar o argumento falso (ainda que válido): Sócrates pode não ser um homem, mas uma divindade; pode não ser um homem, mas o nome de um cachorrinho de estimação; pode ser o sobrenome de uma mulher; pode ser o título de uma obra, e não o filósofo em si; pode ser que a palavra “Sócrates” represente qualquer outra coisa em uma língua diferente. Isso tudo falsifica a premissa “Sócrates é homem”, e consequentemente a conclusão, mas não invalida o argumento. Quando isso acontece, temos os casos que produzirão as falácias informais.

Há ainda um tipo específico de falácia informal que não está ligada à veracidade do argumento, mas ao desvio do foco da discussão, e ocorre quando buscamos “ajuda” externa, no mais das vezes pela falta de justificativas para responder adequadamente ao interlocutor. É o que chamamos de apelos, e são dos mais variados tipos: apelamos à força, à misericórdia, à autoridade, à popularidade, à velhice, etc., de modo a usar um subterfúgio para encerrar a questão escapando do campo lógico. Exemplo:

- É melhor você me obedecer. Emprego anda difícil.

Uma ameaça nada sutil. Neste caso, não há uma explicação dos motivos pelos quais o dever de obediência é conveniente. O que temos é uma interrupção da linha argumentativa, de forma peremptória. Apelos e ataques são extremamente comuns.

E é isso. De agora em diante, pegarei algumas das mais significativas falácias e as deixarei nuas. Não haverá ordem, nem sequência, nem um roteiro específico, e também procurarei não me alongar muito em cada uma delas, mas tentarei explicar suas origens e demonstrar como podem ser detectadas no dia-a-dia, como é o escopo deste blog.

Recomendação de leitura:

Aristóteles fala sobre a construção de silogismo como a formalização de argumentos em sua seguinte obra:

ARISTÓTELES. Analíticos Posteriores. In: Órganon. São Paulo: Edipro, 2005.

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