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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sobre o silêncio e sua expressividade

Olá!

Ontem à noite postei um comentário sobre o filme "Maria, cheia de graça". Em um determinado momento, mencionei que o filme é preenchido de silêncios significativos, cheios de expressão. Chamei-os de "silêncios heideggerianos". Bem, acho que é melhor explicar um pouco mais sobre o uso que fiz da expressão.


O pensamento de Martin Heidegger é extremamente complexo, e não cabe a este tópico procurar explicar todo o sistema metafísico desenvolvido por esse filósofo. Para ele, o pensamento ocidental acabou por ocultar o verdadeiro significado do Ser. Para facilitar nossa conversa, vamos tratar como Ser a essência das coisas. Essa essência ficou escondida pela tentativa de fazer uma definição formal sobre ela. Ao colocar uma definição em uma coisa, você acaba por limitá-la. Por exemplo, ao definir o ouro, você limita a sua essência a um metal amarelo com alto grau de flexibilidade. E só. Tudo o que passar disso, não pertence ao campo definitório e científico da coisa.

Heidegger imagina que, com isso, a essência fica oculta por uma linguagem inautêntica. Para que todas as possibilidades de interpretação possam ser abertas, a linguagem mais adequeda é justamente aquela repelida pela ciência: a arte. Somente através da linguagem poética é possível acessar as metáforas identificadas com os sentidos. Não há um "fechamento" de possibilidades, como ocorre quando se dá uma definição. Então, o ouro já não é mais apenas um metal, é uma representação de riqueza, de beleza, de realeza, de poder, da cor amarela, da durabilidade, do brilho, do valor.

Nesse contexto, o silêncio é poderoso, no sentido de propiciar atenção aos outros sentidos, que não dependem da linguagem escrita e falada. No filme citado no post anterior, há um momento intensíssimo vivido no silêncio, ao ser possibilitada a visualização da mudança de expressividade da protagonista (excelente atuação, repito) em um dos poucos momentos de alívio da história, que é quando é feito um ultrassom e ela observa seu filho ainda em sua barriga. Poucas palavras, muitos sentidos. O momento é muito belo, porque nos leva a compreender que a observação da criança (silenciosa também) possui um significado que vai muito além de sua definição: o mesmo ventre que carregava drogas é também capaz de perpetuar a vida. É o silêncio que fala mais alto que qualquer manual ou dicionário.

Recomendação de leitura:

A obra de Heidegger, como disse antes, é muito difícil. Só a recomendo para quem já possui alguma base em Filosofia, conhecendo pelo menos Descartes, empiristas, metafísicos e voluntaristas. Em todo caso, seu capolavoro é:

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2000.

Melhor seria ler seus comentadores, que permitem uma compreensão mais tranquila. Recomendo o seguinte livro:

CHAUÍ, Marilena. “Heidegger (1889-1976): Vida e Obra”. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1979.

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