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terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O cesto da gávea de onde observo o mundo - 5ª mirada: Lagoinha e umas viajadas no multiverso

Olá!


Após nossa estadia em Paraibuna (e de nossa passagem por Redenção da Serra), o destino era São Luiz do Paraitinga, cidade célebre por seus carnavais de marchinhas e por seu conjunto arquitetônico. Como ficamos lá por vários dias, vou deixar as suas miradas específicas para o final. No momento, basta dizer que os conselhos de viagem que recebemos do Donizetti, nosso anfitrião, incluíram duas outras cidades: Lagoinha e Cunha, e é sobre essa primeira que falarei agora.


Lagoinha é uma pequeníssima cidade de pouco mais de 4000 habitantes. Diferentemente de Natividade da Serra, Redenção da Serra e São Luiz do Paraitinga, a construção de sua zona urbana se deu no alto de um morro, o que lhe permitiu um bom nível de preservação da arquitetura original. O destaque maior vai para dois edifícios: a igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição...


... igreja construída no mesmo estilo de outras cidades tropeiras, em taipa de pilão, como está exposto em uma janela do reboco...



... e o Mercado Municipal, local de negócios dos tropeiros que iam e voltavam do porto de Ubatuba. Como era comum, procurava-se estabelecer um local com água abundante para o pouso das tropas, e ao redor destes locais a cidade ia sendo paulatinamente erigida. Normalmente, esse local era a borda de um rio, mas, no caso de Lagoinha, a fonte aquática era, como se deve suspeitar, uma lagoa. Ela ficava logo abaixo do prédio do Mercado Municipal (hoje desaparecida). Daí, a sua importância histórica.


Lagoinha, como sói acontecer nas cidades mais antigas do interior, é prenhe em elementos religiosos. Além da igreja matriz, outra importante referência católica é a igreja de São Benedito (se não me engano), localizada no cimo de uma ladeira daquelas de tirar o fôlego só de olhar.


Um olhar bem atento na foto acima, bem como na praça à frente da matriz, permitirá notar bandeiras do Divino Espírito Santo. As festas de Pentecostes (50 dias após a Páscoa), que no Cristianismo representam a vinda do Espírito Santo aos apóstolos, são muito significativas nesta região. É coisa praticamente extinta nas maiores cidades, mas que mobilizam as cidades inteiras deste pedaço, com procissões, missas, cantos, fantasias e comida para santo nenhum botar defeito.


A própria entrada da cidade é guarnecida por um Cristo Redentor, que, não convencionalmente, ergue seus braços aos céus, ao invés de abri-los sobre a cidade.


Outro ponto de interesse é o clássico coreto. Vale lembrar que Lagoinha é sede de uma fanfarra muito conhecida no meio, a Fanfarra Padre Chico, e, pelo que pude apurar, aufere muitos prêmios por onde se apresenta. A conferir.


Por fim, este conjunto de dois bonitos prédios, sendo que o da esquerda abriga a Prefeitura Municipal, e o do da direita, o Centro Pastoral.


Mas a grande vedete da cidade é a Cachoeira Grande. Trata-se de uma queda d’água de aproximadamente 40 metros de altura, que tem um efeito visual muito bonito.


A altura impressiona, mas o fluxo de água não é tão grande. Sua desembocadura forma um pequeno riacho, em continuidade ao rio do Pinhal.


A queda d’água forma uma bacia natural de erosão repleta de pedras e areia. Uma água fria, fria, fria de marré, marré, marré, e que, observada de baixo, forma uma ventania de arrancar os cabelos. Olha o gordinho palhaço atrás da pedra...


A cachoeira fica em uma propriedade particular. Por conta disso, foi construída alguma infraestrutura para dar ainda mais funcionalidade ao lugar, como alguns artigos de segurança e caminhos de pedra...


... uma ponte e uma arquibancada (que, aliás, serviu de cenário, neste dia, para as fotos de casamento de um casal de pombinhos. Lamento muito, mais saímos em muitas de suas fotos)...


... e um deck com vestiário. Além disso, para os dias de maior movimento, é aberta uma lanchonete, e há alguns quiosques grandes para a realização de eventos.


O painel geral é esse aí de baixo. Um recanto agradável, para refrescar o coco e tomar um sol. De fato, uma boa recomendação.


No vão que fica por detrás da queda d’água, passo a ter pensamentos quase que infantis. Eu, do alto de meu metro e setenta e sete, que sou diante de uma força da natureza? Uma estrutura escavada por milhares de anos, que tem mais de vinte vezes o meu tamanho... Uma pedra, pequena que seja, caindo na minha cabeça daquela altura, sela meu destino instantaneamente. Alguns graus que baixe a já gelada temperatura, alguns quilômetros por hora que acelere o vento, para me derrubar na bacia e me afogar... Um tombo que me faça ficar inconsciente... Tudo isso dá a mim a dimensão de minha pequenez.

Mas a cabeça começa a ir mais e mais longe. A Cachoeira Grande, a despeito de seu nome, é um ponto minúsculo mesmo em uma área relativamente pequena. Essa é a visão mais próxima que temos do satélite usado pelo Google Maps:


Mas se afastarmos a visualização do mapa para abranger apenas o contexto do município de Lagoinha, a cachoeira fica quase imperceptível:


Mantendo a lógica, veremos que Lagoinha é um pequeno município pertencente a uma sub-região denominada Alto Paraíba, que por sua vez está inserida no contexto do próspero Vale do Paraíba. Já aí, há uma certa dificuldade em se localizar a cidade. Mas, estendido a todo o estado de São Paulo, o exercício fica verdadeiramente duro. É preciso conhecer bem a região para conseguir identificá-la.

Progredindo com a imaginação, teremos que pensar no estado de São Paulo inserido na região Sudeste e no todo maior, o Brasil, país de dimensões continentais. São Paulo tem aproximadamente 3% da área total do Brasil. Se nesta altura do campeonato, Lagoinha já desapareceu do mapa e a Cachoeira Grande passou a ser uma entidade abstrata, que serei eu enfiado nas pedras atrás do véu de água?

Mas vamos continuar a expansão. O Brasil é parte significativa de um todo maior, chamado América, que contém ainda dois outros megapaíses, o Canadá e os Estados Unidos, além de outros países não tão grandes, mas de extensão respeitável: Argentina, México, Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela. Juntando a América às demais áreas continentais, teremos cerca de 1/3 da superfície do planetinha azul. Terra, planeta água. Quem tem minha idade lembra bem do hino do Guilherme Arantes.

Na ordem de grandeza dos planetas do Sistema Solar, a Terra é o maior dos planetas telúricos, aqueles mais próximos ao Sol, mas que são bolinhas de gude quando comparados aos planetas gasosos, a trupe formada por Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Esse ajuntamento de corpos influenciados pelo Sol é limitado pela heliosfera, a zona do espaço em que nossa estrela consegue realizar alguma atração gravitacional e cujo cálculo é muito difícil de estabelecer com precisão. Mas é suficiente saber que todo esse equipamento está situado no Braço de Órion, uma das espiras da Via Láctea, nossa constelação, e que consiste naquela faixa que poeticamente observamos no céu quando há baixa luminosidade. Esqueçam, crianças, de conseguir ver a Via Láctea nas grandes cidades. A não ser que haja um blecaute geral e duradouro o suficiente.

Para saber que a Terra é azul, foi preciso que um cosmonauta soviético saísse do planeta e nos declarasse suas impressões. Como sabemos que a Via Láctea é espiral, se vivemos dentro dela e não temos como escapar dela? Observando o desenho e a formação de galáxias semelhantes. Quando pensamos a Via Láctea como algo gigantesco, observamos que há incontáveis outras galáxias, sendo que compomos, com nossas vizinhas mais próximas, o chamado Grupo Local, que contém mais de 50 delas.

Mas ainda podemos avançar um pouco mais. Nosso Grupo Local influencia e é influenciado por outros grupos de galáxias, que, reunidos em suas atrações gravitacionais, formam uma área gigantesca, chamada de Superaglomerado de Virgem. A Ciência ainda estuda estruturas ainda maiores, as Muralhas, sendo que a Muralha da Cabeleira, a Muralha Sloan e a de Hércules-Corona Borealis já estão consolidadas.

Olhando lá ao fundo, no entanto, consegue-se ir ainda mais além. Com os telescópios espaciais e de alta resolução, os astrônomos conseguiram captar vestígios de radiação que tendem ao vermelho (ler este texto e mais este para compreender melhor) no fundo do horizonte detectável. Esta radiação cósmica de fundo está nos limites do nosso universo conhecido, e demarcam o pouco que resta de detectável do Big Bang, a violenta expansão inicial que deu origem aos nossos quintais.

A grande pergunta que não quer calar: o que haverá além? Será que nosso universo delimita em definitivo o espaço em que toda a realidade acontece? Ou haverá algo mais?

Vamos com calma a partir de agora, porque vamos discutir o multiverso. E, para isso, já vamos estabelecer o que é fato: não existe uma teoria do multiverso, porque ainda não há elementos que permitam qualquer tipo de evidência. O multiverso é ainda apenas e tão-somente uma hipótese, uma especulação, circunscrita mais à Lógica do que à Ciência, que está ainda no campo da metafísica (o que é natural, como já escrevi aqui), mas que começa a apresentar seus pequenos delineamentos, como aconteceu com o átomo, com a gravidade, com as bactérias e muitas outras coisas que só se tornaram concretas muito tempo depois de sonhadas.

A teoria mais aceita para a origem do universo conhecido é o precitado Big Bang, uma imensa e rapidíssima expansão de energia que se deu a partir de um único e minúsculo ponto, como se fosse (mas não exatamente) uma colossal explosão. Um processo de inflação cósmica (uma espécie de gravidade invertida) fez com que o crescimento inicial do universo tenha se dado de maneira exponencial.  Desde então, tudo vai se expandindo e se afastando, entre si e do ponto central.

Acontece que o processo de inflação é desigual. Há lugares onde ela parece ter cessado, há outros em que ela parece acelerada, e outros ainda onde parece quem nem ainda ocorreu. Isso pode dar a impressão de que há algo externo ao universo que influenciaria seu desenvolvimento. Algo que perturbaria os pontos onde a inflação deveria ocorrer. Mas o que poderia ser, se não há nada detectável?

É aí que nasce a especulação do multiverso. Essas perturbações poderiam ser causadas por elementos externos ao próprio universo, seja por outros big bangs que ocorreriam externamente, seja pela interação que ocorreria um com o outro. Podemos ter um universo orbitando outro universo, como a Terra orbita ao redor do Sol. Tudo é possível, e corroborar ou descartar essa teoria ainda levará tempo.

Se o universo já é impossível de ser pensado por nossas pobres mentes descontínuas, imaginem uma infinidade de outros universos, surgidos de outras explosões, com suas regras físicas próprias. O que seríamos nós, já tão miúdos embaixo de uma cachoeira?

Seríamos nada e seríamos tudo. O que é o universo sem a nossa consciência? O que vale ter uma dimensão inconcebível se eu mesmo não estou aqui, para especular sobre ele? Eu sou parte do universo, assim como todos que vivemos também somos, e ele não é nada sem a intencionalidade que temos ao questioná-lo: quem somos, de onde viemos e para onde vamos?

E então, como em um momento de mágica, vejo-me novamente lúcido com o meu redor. Atravesso a parede de água e vou buscar a minha esposa, para tomar uma bela cerveja desses tipos novos no Brasil, provavelmente uma Porter. De boa na lagoa...

Recomendação de leitura:

Recomendo a leitura do curso de Cosmologia do Observatório Nacional, que contém estes e muitos outros ensinamentos na área da Astronomia:

OBSERVATÓRIO NACIONAL. Cosmologia. Da origem ao fim do universo. Coord. Carlos Henrique Veiga. Rio de Janeiro: ON, 2015.

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