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sábado, 20 de abril de 2013

Sobre a pressão de se tomar um rumo diante da encruzilhada da escolha da carreira

Olá!

Uma circunstância muito bacana na minha vida é a possibilidade de conviver com muitos jovens e crianças, pois deles temos uma visão de mundo que guarda ainda algo da pureza de sentimentos impossível de ver nos adultos. Em geral, são muito alegres e descontraídos, muito “de bem com a vida”, mas em minhas experiências extraídas deste convívio, tenho percebido que essa não é uma verdade absoluta, e observar um adolescente angustiado é muito mais doloroso do que fazê-lo com meus coetâneos, mais experientes e menos vulneráveis.


A juventude é retratada muitas vezes como uma fase áurea de nossas vidas, e é mesmo. Temos vigor, temos vontade, temos planos, temos projetos, acreditamos em valores que vão declinar no futuro, como o companheirismo, a confiança no grupo e que-tais. No entanto, e até mesmo pela quantidade tão significativa e profunda de inflexões, a juventude tem inevitavelmente esse viés de angústia e da incerteza que a gera. Um belíssimo retrato desta situação nos é dado na obra-prima de Jérome Salinger, O Apanhador no Campo de Centeio (tristemente célebre por conta do assassinato de John Lennon). Neste livro, o protagonista Holden Caulfield se vê diante dos impasses e traumas mal resolvidos da lenta transição da infância para a adolescência e de sua aproximação ao mundo adulto. Estranhamente, um de seus principais pontos de apoio não vem de algum mentor experiente ou de algum grande amigo, mas de sua irmã menor, Phoebe. Queria saber ler em inglês, dizem que há todo um lirismo na escrita que torna a leitura do livro ainda mais sedutora. Não vou ficar falando muito sobre a obra. Procurem e leiam, vale a pena (veja a citação mais abaixo).

Ok. Os conflitos nem sempre são visíveis a um primeiro olhar, mas é preciso ter consciência de que nós, como pais, devemos mais procurar evitá-los, pura e simplesmente, ou eles são inevitáveis? Quem sabe até mesmo desejáveis? Vamos tomar um exemplo prático.

Em tempos pretéritos, um jovem tinha um destino meio que traçado: seguir o ofício do pai, se menino. Ou ser dona de casa, quando menina. Isso tinha razões práticas. O descendente aproveitaria seu espaço e seu ferramental, herdaria seus conhecimentos e freguesia, perenizaria o nome e a fama da família, dando continuidade à sua obra. Quanto às meninas, estas eram preparadas para o casamento. Se isso era bom, não vem ao caso neste momento. Mas é inegável que a incerteza (fato gerador de angústia) era menos impactante. Veio a modernidade, fornecendo maior liberdade de escolha, com uma maior possibilidade de erro. A carreira do pai já não possui o mesmo significado. A manufatura foi substituída por processos industriais cada vez mais automatizados. O trabalho passa a ser mais intelectual que braçal. Isso permite às jovens mocinhas ingressar em um número cada vez maior na força de trabalho.

O modelo familiar também sofre modificações. O papel da mulher na sociedade tem uma reviravolta radical, ela não fica mais em casa cuidando de seus afazeres e de seus filhos. Procuram por universidades cada vez mais diversificadas e especializadas. As crianças são colocadas cada vez mais novas na escola, modificando o conceito de transmissão do conhecimento, que fica atribuído a terceiros.

Só que esse novo molde cobra seu preço. Como já pude comentar neste post, apesar de fazê-lo sob outro prisma, há um estreitamento na faixa etária daquilo que podemos chamar de juventude. Por força de lei, o jovem só pode começar a trabalhar a partir dos 16 anos, fazendo com que sua coleta de informações sobre o mundo das relações trabalhistas seja feita mais tardiamente. Por outro lado, o trabalhador com mais de 40 anos é considerado velho, em especial por conta da desenfreada necessidade de atualização exigida pelos ofícios modernos.

Essa condensação do tempo estabelecido socialmente (a infância estendida e a velhice antecipada) acaba por formar uma consequência cruel: colocamo-nos diante do dragão com uma única bala na agulha. Que dragão é esse, meu São Jorge? A incerteza da escolha, reforçada pela consciência de que poucas chances teremos de ter uma segunda oportunidade. Pensemos: conhecemos várias pessoas que cursaram uma segunda ou terceira faculdade. Fazem-nas para complementar conhecimentos necessários à sua atividade ou mesmo por puro prazer. Eu, pessoalmente, conheço poucos que o fizeram para dar uma guinada radical. Por isso mesmo, a pressão se torna muito maior.

As consequências óbvias são aquelas que já conhecemos. O jovem se vê deparado com uma enorme quantidade de opções disponíveis nas universidades para fazer suas escolhas, ao mesmo tempo em que possui ao seu alcance a gigantesca massa de informações fornecida pela internet e outras mídias. O jovem do passado ficava naquela alternativa: “só tem tu, vai tu mesmo”. Mas agora a chance de erro é muito maior. Repito: isso não é ruim. Mas o adolescente de hoje começa tarde a desvendar seus talentos, e sabe que uma carreira mal escolhida pode atar grilhões muito pesados em suas pernas, especialmente no campo da satisfação pessoal.

Os pais vêm de um mundo que trabalhava com outras engrenagens. Pertencemos a uma geração que teve seus filhos mais tarde (o que não é meu caso), já não temos oficinas para deixar de herança. Há uma tendência em fazer acelerar o ritmo da escolha dos filhos, já que há pouco a oferecer em apoio. Acham, em geral, que a indecisão é um malefício do mundo moderno, o que não deixa de ser verdade, mas o fazem por uma ótica que foi recebida por gerações anteriores, que é a imperiosidade de ajudar em casa a qualquer preço. Nossos pais eram operários, construtores, ferroviários, motoristas, batiam cartão, operavam com o corpo, viram-se diante de uma cidade em formação. Queriam para seus filhos oportunidades melhores, menos pesadas. Mas o mundo de hoje é outro.

Dessa forma, temos dois ângulos que enxergam a mesma questão: os pais, que exercem a pressão baseados na suposta desídia (que de fato ocorre às vezes; poucas, é verdade) e os filhos, que se angustiam diante da possibilidade de uma escolha mal feita.

De fato, como já disse, o interesse dos pais no futuro dos filhos é absolutamente legítimo. Será que há algo de errado em desejar sucesso à prole? Acontece que é preciso fazê-lo de maneira parcimoniosa. Essa pressão pode levar o jovem a fazer escolhas equivocadas só para que a veja diminuída, o que não é bom.

Só que os filhos também não devem deitar em berço esplêndido. Em última instância, é o seu interesse que está em jogo. É preciso que eles mesmos procurem detectar suas ambições, suas adequações e seus dons. O que é um fato preciso e bem acabado é que o modelo social é este mesmo, e os pais nada mais são que seus representantes. Não que devamos nos conformar pacificamente, e que não procuremos transformar a realidade ao nosso redor, mas não sabemos quanto tempo a roda levará para girar, e, para o bem e para o mal, a vida seguirá assim, é preciso encará-la.

Mas há algo que é absolutamente primordial nesta escolha. É preciso esquecer-se o fator monetário, tão considerado nos dias de hoje. Não é verdade que as pessoas que prosperam em determinada atividade amam-na por causa do dinheiro que a mesma proporciona. Antes disso, trabalham com afinco e fazem tudo bem feito porque gostam do que fazem, e isso acaba por lhes render qualidade na sua produção e consequente retorno financeiro. Também não é verdade que existam atividades em que há impossibilidade de boa remuneração. Vejam um exemplo: para que serve uma faculdade de Filosofia? Para dar aulas, na maioria das vezes. E sabemos que os professores são mal remunerados no Brasil.

Será mesmo? Perguntem aos filósofos brasileiros popstars, como Viviane Mosé, Luiz Felipe Pondé, Márcia Tiburi, Renato Janine, Marilena Chauí, Paulo Ghiraldelli, Mario Cortela, Denis Rosenfield e outros se estão passando por necessidades. Não há nenhuma conotação pejorativa em chamá-los de popstars. São professores que alcançaram sucesso em suas carreiras, fama, escreveram livros, artigos de jornais e revistas, cobram caro por suas palestras, tudo isso por uma razão simples e eficaz: amam o que fazem.

E é aí que a ajuda dos pais vale ouro: na detecção do talento dos filhos. Em maior ou menor medida, os pais convivem e prestam muita atenção nos filhos. Conhecem-nos até pelo andar. Sabem do que eles gostam, do que fazem melhor, do que mais lhe chamam a atenção. Sabem o quanto são questionadores, se gostam e o que gostam de ler, se tem propensões artísticas ou esportivas, se são comunicativos, se são contestadores; conhecem, enfim, suas habilidades, a não ser que uma crise de relacionamento muito profunda os impeçam de possuir uma visão minimamente saudável. Opiniões dadas com sinceridade e bom senso podem ser reconhecidas pelo jovem como um corrimão seguro na escada que necessita subir.

No entanto, os pais devem se lembrar que são adultos e fazer uso de sua razão. É preciso que tenham cuidado para não projetar suas frustrações nos filhos. Nem adianta ficar vendo em seus filhos eternas crianças. É preciso deixar isso no nível do sentimento. Houve, na época da última olimpíada, uma belíssima propaganda de banco que mostrava crianças competindo nas diversas modalidades enquanto seus pais as observavam das arquibancadas. As crianças representavam os atletas, já adultos; apenas os pais ainda os enxergavam como guris eternos. Na verdade, essa visão é linda como poesia, mas se você não consegue se desprender dela, não conseguirá exercer juízo crítico de modo a colaborar com as escolhas de seus filhos, e é melhor procurar ajuda com os professores do jovem, e mesmo seus amigos podem ser boa fonte de informação.

Insisto mais uma vez: não se foquem no dinheiro, que virá naturalmente se a escolha for acertada. Que os pais não se apeguem ao sucesso imediato proporcionado por profissões do momento, e que os filhos não subestimem suas capacidades de serem felizes, ainda que o status de sua carreira não seja algo que, a primeira vista, das mais atraentes.

Por fim, é preciso lembrar que, apesar de desagradável, toda essa incerteza permeada de um sentimento que flutua entre a afobação, o medo e a tristeza, não deixa de ser um aprendizado. É sempre necessário lembrarmo-nos que, a cada vez que nos aproximamos mais e mais da velhice (sim, velhice; “melhor idade” é um termo tão mequetrefe e falsificado quanto o “politicamente correto”), maiores serão nossas angústias (lembram deste post?). É um momento em que guardamos uma reserva de experiência para quando nossas possibilidades não estiverem mais limitadas pela pressão das escolhas, mas pelo pouco tempo que nos resta, e pelas provações de ordem natural. Sob este sentido, a escolha difícil é propedêutica: não adianta vivermos um sonho dourado, onde nossos caminhos nunca encontrarão encruzilhadas ou abismos.


Recomendação de leitura:

SALINGER, Jerome. O apanhador no campo de centeio. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1999.

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