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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Sobre as ilhas esparsas pelo oceano da indigência televisiva

Olá!

Eu tinha praticamente acabado este texto, mas dei uma recuada por conta do já famoso caso Rafinha Bastos X Wanessa Camargo, para aguardar os desdobramentos. Exageros de lado a lado e um final mais ou menos triste, na minha opinião. Os defensores do Rafinha dizem que o humor não pode ter limites, ele é transgressivo por natureza. Discordo.

Há alguns parâmetros que precisam ser seguidos, sim. Mesmo na guerra, os combatentes não bombardeiam as unidades da Cruz Vermelha, sob a desculpa de que estão tentando atender soldados inimigos. Idem quanto à honra e a segurança das pessoas. Espalhar um boato maldoso sobre uma pessoa, causar o mal a ela e depois se desculpar sob o escudo da liberdade do humor não é algo admissível. É irresponsável. Portanto, é preciso ter consciência de que se deve pagar o preço ético por sua subversão.

O pior de tudo é que foi apenas uma piada de mau gosto, sem propósito algum. Foi uma piada que, se feita em um boteco (e é feita aos milhares, sabemos disso), não teria consequência alguma, pois não sairia do campo do privado. Não procurou atingir a pessoa como artista (?), como filha de um famoso, como uma patricinha ou outra coisa qualquer. Atirar contra os políticos em questão de honestidade, por exemplo, tem todo o sentido. A classe faz por merecer, como podemos observar desde sempre nos noticiários. Mas não é o caso em questão. Por isso, vejo excesso em ambos os lados. Bastaria Rafinha pedir desculpas pelo inconveniente (como ele mesmo fez com a Daniela Albuquerque), e não precisaria gerar um processo judicial, sempre dolorosos, se houvesse alguma complacência do lado da Wanessa.

Bom, mas vamos ao texto em si. Há uns tempos atrás, comentei neste e neste post que gosto da programação da TV Cultura, e que os melhores programas da televisão brasileira são produzidos lá. Há vida inteligente fora do canal 2?
Há. Pouca, mas há. E o principal representante destes oásis nos desertos das idéias é capitaneado pela argentina Eyeworks, pelo CQC e seu melhor derivado: A Liga.


Vejam bem. Não há novidade propriamente dita nestes programas. Começando pelo Marcelo Tas, que desde o começo da década de 80 já fazia seu personagem Ernesto Varela embaraçar políticos, empresários e dirigentes esportivos com as perguntas mais cáusticas e inconvenientes. O mesmo vale para A Liga, importada do modelo argentino utilizado pela citada Eyeworks.

Qual é a mágica do formato, então?

Evidentemente, não há apenas um fator que influencia a qualidade dos programas. O fato de aliar humorismo e jornalismo abre aos repórteres/comediantes do CQC a possibilidade de chegar em pontos onde o jornalismo convencional não se permite. A reportagem sobre a televisão doada a uma escola em Barueri, que foi desviada para a casa de uma funcionária é um exemplo bem acabado do que estou falando. Procurem no Youtube e vejam. Não dá para imaginar a Globo mostrando uma reportagem deste tipo no Jornal Nacional. O reverso da medalha é que estas reportagens não são levadas tão a sério quanto deveriam, justamente por sua veia humorística. Acho que ainda vemos a realidade nacional pelos olhos da Vênus Platinada, e qualquer modelo que se oponha é visto com descrença. Mas os fatos são graves e reais, deveriam ser levados mais a sério, independentemente da abordagem ser sisuda ou humorística.

A Liga é mais temática, mais investigativa e melhor ainda como programa de televisão. Suas matérias investem no submundo de maneira menos sensacionalista do que fazem os Datenas da vida, mas muito mais próximas de nosso dia-a-dia do que as abobrinhas dos Domingos Espetaculares e Fantásticos (eca!). Afinal, a reportagem de relevo é aquela que gera conseqüências, como ocorreu na fantástica matéria sobre o trabalho escravo de bolivianos para as grandes confecções, inclusive multinacionais (pincelei esse assunto mui rapidamente neste post). A Zara, empresa espanhola que subcontratava prestação de serviços para sua marca, passou a ser muito mais criteriosa na escolha de seus parceiros após a exibição do programa, e essa é uma função social importante do jornalismo: denunciar à opinião pública que há crimes e contravenções sendo cometidas contra seres humanos.

Mas como A Liga consegue aproximação e desenvolvimento em temas tão polêmicos? Penso em muitos fatores, mas acho que a grande sacada é a inclusão do rapper Thayde na equipe de apresentadores. Com sua experiência nos diversos guetos oriunda de sua cultura rap, é de se supor que a sua opinião é decisiva no momento de conduzir a pauta. Isso é muito inteligente, principalmente se levarmos em conta que uma equipe jornalística/artística é composta em sua maioria por membros da classe média. Imagino que Thayde sabe, ao menos intuitivamente, os lugares e os momentos certos de encontrar os elementos adequados para desvencilhar os nós das reportagens às quais eles se propõem. Basta observar que muitas das matérias passam pela periferia, pelo centro degradado, pelo cortiço e pela favela. Ele fornece, desta forma, o “rebolado” necessário para pensar estas situações.

É por essas e por outras que a diferença entre as reportagens pasteurizadas do Globo Repórter e as desafiadoras d’A Liga são tão abissais.

Recomendação de audiência:

Procurem trechos dos programas citados no Youtube, em especial a reportagem sobre o sumiço da televisão na escola de Barueri. É nojento.

http://www.youtube.com/watch?v=8JEPp758JDE


PS: A bela ilhota que peguei para ilustrar este texto vem do endereço abaixo:

http://www.italia.it/fileadmin/src/img/cluster_gallery/mare/elba/Isola_d_Elba_-_Isola_di_Palmaiola.jpg

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