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sábado, 19 de novembro de 2011

Sobre o envelhecimento e a sensação de que a morte nem é tão ruim assim

Olá!

Tenho duas sensações bastante estranhas em minha vida. A primeira é que, de alguma forma, não agrada ao universo que eu vá à praia. Não é possível um tempo frio e chuvoso destes no meio de novembro, por quatro dias seguidos. A segunda é a sensação de envelhecer. Tenho uma série de idéias soltas, que, em seu conjunto, acabam por pautar minha vida e minha conduta, mas que não são exclusividades minhas. Outros já as pensaram e sistematizaram. Quantas delas não são derivadas da intuição de que o tempo passa?

Percebo que os dias correm incessantemente todas as vezes em que vejo aumentar a distância que há entre minhas velhas opiniões e o modo de ser dos mais jovens. Também ocorre o mesmo quando não mais consigo acompanhar seus ritmos frenéticos, ou quando não posso corresponder às suas expectativas. Uma das experiências mais curiosas tem paralelo com a estética: há momentos em que você fala como um poeta e é visto como um quadro – olhares voltados para você, mas silenciosos, inertes, como se nada do que você fala estivesse sendo absorvido. Há um descompasso de linguagem, de interesses, sei lá. É um desnível de épocas, quer me parecer. Envelhecimento, para sintetizar.


Pensar na vida é, essencialmente, pensar em seu vazio. É melhor não fazê-lo muito seriamente, sob a pena de concluir que seu motivo é uma dialética entre a busca e a fuga da morte. Falamos muito sobre o futuro, mas o que é ele? Podemos falar em objetivos, em etapas da vida, em planos; é interessante como todos estes projetos se modificam com o passar do tempo. Já tive a oportunidade de falar sobre a angústia dos pais diante da crescente independência dos filhos, neste post. E essa angústia amplia-se na medida em que os marcos característicos de uma existência vão passando. Por exemplo: uma criança, ao nascer, tem diante de si uma série de eventos típicos para ocorrer no transcurso de sua vida – a tomada tresloucada de informações na primeira infância, a primeira ida à escola, os primeiros namoros, a entrada na faculdade, os primeiros encontros sexuais, a formatura, o primeiro emprego, o casamento, os filhos, a compra da casa... São marcos, objetivos traçados que vão sendo cumpridos, não necessariamente nesta ordem. Eu já passei pela maioria deles. O que resta de referências, de pontos a chegar? São poucos os que vão restando, e o maior deles, o único inevitável, vai se aproximando.

Já tive muitos momentos em que a morte me causou medo, e outros em que ela me pareceu uma solução. Não, não penso em suicídio neste momento, longe disso. É algo como se eu não me importasse muito se um médico me dissesse que eu tenho uma doença incurável, que eu tivesse pouco tempo de vida.

Será que só eu tenho essa sensação? Ela é algo anormal? Para Freud, não.

Freud pensa o psiquismo em termos de pulsões. A mais característica e conhecida é chamada de princípio do prazer. O homem busca, instintiva e inconscientemente, a satisfação de seus desejos, ou seja, ainda que não tenha plena consciência de seus atos, eles são guiados para a obtenção de prazer, um distintivo que valida sua razão de existir.

(Aqui, apenas para recordar, Freud nada mais faz que aperfeiçoar idéias de Schopenhauer, ainda que não o admita).

Os desejos têm objetos. Não existe um desejo de “nada”. Portanto, a satisfação de um prazer é a realização de um objetivo. Ocorre que um objeto pode ser perdido, um desejo pode não ser satisfeito. Essa perda é trabalhada pela estrutura mental através de uma busca de reequilíbrio, um restabelecimento da paz anterior ao fenômeno em questão. Ora, se há um princípio de prazer que impulsiona a pulsão sexual (Eros – Deus do amor e da vida na mitologia grega), que Freud considerava como a ativadora do processo psíquico, há um princípio de destruição do desejo não realizado, que é a pulsão de morte (Tânatos – Deus da morte – Freud era cheio dessas gracinhas).

Essa pulsão trabalha em oposição à incessante atividade do Eros, de busca de satisfação de desejos. É disparada, em geral, diante de um choque de realidade: a consciência capta a não-realização do prazer, sua extrema dificuldade ou sua impossibilidade. Há, então, uma busca por estabilização, por um retorno ao status original, uma destruição dos resíduos do desejo, em geral por uma transferência do fracasso. Nada é mais estável do que a morte, do que o inanimado. É por isso que esta pulsão tem este nome. Em última instância, e de certa forma, a morte é uma garantia de obtenção de sucesso pelo Eros: não há desprazer onde não há vida.

Esta é uma das teorias mais controversas de Freud, que foi contestada, revista ou complementada por cientistas como Wilhelm Reich e Jacques Lacan, mas que parece ter seus reflexos em nossas vidas. De fato, esta “vontade de morrer” nada mais me parece do que um misto de fuga e de defesa diante de uma vida que já não possui os mesmos índices de expectativa de tempos passados. Não tem relação (necessariamente) com depressão ou coisas do tipo. É fruto da tensão natural existente em nosso equipamento psíquico, que se expande quando os projetos de vida são mais breves e mais incertos.


Recomendação de leitura:

A teoria é muitíssimo mais complexa do que as poucas palavras que coloquei aqui podem fazer supor, e lembrando que a interpreto livremente. É muito interessante ler o seguinte livro para compreendê-la melhor.

FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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