Dia 13 de julho. Hoje é o dia mundial do rock. Vocês sabem como este dia nasceu? Foi por causa de um mega-evento idealizado e levado a frente por Bob Geldof (músico pouco conhecido, da banda Boomtown Rats) e Midge Ure (da bem mais famosa Ultravox). O nome do espetáculo era Live Aid, e representou um quase inédito olhar da juventude para duas das maiores mazelas da humanidade: a fome e a miséria. Toda a renda do evento e as doações obtidas foram destinadas às vítimas da seca e da guerra civil na Etiópia.
O evento em si é menos representativo pela sua grandiosidade e pela qualidade artística (ampla, aliás) do que pelo sua capacidade de mobilização e pelo reflexo do sentimento juvenil com relação à desventura de um povo esquecido pelo resto do mundo. Com ele, o rock provou que pode ser mais do que diversão. Mostrou que é possível ser atuante no mundo em que se vive. Desta forma, a arte sai de si própria para ser um sinal no mundo. Não se limita a ser rebeldia pura e simples, mas é uma bandeira que deve ser carregada para onde a indignação grita seus apelos.
Não que outras atitudes não tenham sido tomadas, mas acontece que o Live Aid representou um momento de catarse: os jovens queriam se purificar de um mundo em que eles não viam possibilidade de intervir. Não foi meramente um movimento de fuga e rejeição, como fizeram os hippies de Woodstock; a juventude disse ali: estamos no mundo, podemos ajudar.
O rock tem em si este distintivo do inconformismo. Já nasceu sob o signo da rebeldia. Inicia-se com os acordes simples de Bill Halley, passa pelo sensualismo da dança de Elvis Presley, protesta contra a guerra com Bob Dylan (e, mais tarde, com Bruce Springsteen , U2 e tantos outros), vira as costas aos valores estabelecidos com o Black Sabbath, aproxima-se do erudito (e - por que não dizer? - subverte-o) com o progressivo, até chegar no grito libertário da classe operária com os punks. No entanto, houve um conjunto que catalisou desde cedo todas estas tendências. Foram os Beatles.
O quarteto mágico de Liverpool fez de tudo em menos de 10 anos de existência. Divertiu, fez rir, fez chorar, causou indignação, trilhou novos caminhos, usou instrumentos improváveis, produziu colagens sonoras, utilizou orquestras, fez músicas sofisticadas e músicas minimalistas. Do alto de sua genialidade, mostrou que o rock não se prende a limites. Pode ser agressivo (Helter Skelter), romântico (I feel fine), sacana (Norwegian wood), depressivo (Eleanor Rigby), místico (Whitin you, without you), revoltado (Revolution), triste (Because), esperançoso (When I'm 64), psicodélico (Lucy in the sky with diamonds), onírico (Strawberry fields forever), retrativo (Penny Lane), non-sense (I am the walrus), confortador (Yesterday). Em toda música que se produziu desde então, é impossível não ver o dedo dos Beatles.
Duas coisas, no entanto, causam-me lamento. Há tempos não vemos um evento da natureza do Live Aid, e também há tempos não temos uma banda que nos diga tanto quanto os Beatles; o rock já não parece mais querer ser um distintivo da criatividade e do inconformismo. Há pouco, o rock nos dizia que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, que nos becos escuros explode a violência, que um dia nos disseram que as nuvens não eram de algodão, que todo camburão tem um pouco de navio negreiro, que generais de todas as nações documentam a nossa história com seu rastro sujo de sangue e glória, que o tempo passa e nem tudo fica, que o jovem no Brasil nunca é levado a sério, que quando se sabe ouvir não precisam muitas palavras. Sinto falta deste engajamento, mas é tema para ser melhor discutido depois.
Recomendação de discografia:
Toda a discografia dos Beatles é digna de audição. No entanto, a segunda fase de sua carreira é mais significativa em termos de criatividade e excelência musical. É um período cheio de "esquisitices", mas é justamente nele que encontraremos as influências que permearam todo tipo de tendência musical no fim do século XX, e que nos chega até hoje. Os álbuns mais recomendados, portanto, são:
- Rubber Soul
- Revolver
- Sgt. Pepper Lonely Heart Club Band
- Yellow Submarine
- Magical Mistery Tour
- Álbum Branco
- Abbey Road
- Let it be
O último parágrafo, antes da recomendação de discografia, é épico, parabéns!
ResponderExcluirO último parágrafo, antes da recomendação de discografia, é épico, parabéns!
ResponderExcluirRsrsrsr... muito obrigado. Mas é exatamente o que sinto. Sabe aquela coisa do "não me representa"? De toda forma, acho que é uma questão de canalização dos anseios e revoltas. Talvez haja outro canal utilizado pelos jovens e eu não tenha percebido ainda.
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