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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Auto-ajuda e Filosofia: há espaço a compartilhar?

Olá!

Belo dia, estava eu em uma livraria (famosa, aliás) matando um pouco de tempo. Estava observando as prateleiras destinadas à Filosofia - ah, que surpresa - quando pude fazer uma constatação: pelo menos 50% dos livros eram destinados à assim chamada auto-ajuda. Quando um dos repositores se aproximou, disse a ele:

- Faz isso não, moço! Esse canto é prá Filosofia, não prá auto-ajuda!

Ele olhou para mim como se olhasse para um ET. Quem tem razão, afinal? Eu, com a cara de ET ou o rapaz, que me viu como um ET? Ora, precisamos tentar entender se a auto-ajuda não é mesmo uma forma de filosofar, o que legitimaria sua adesão e justa colocação nas prateleiras destinadas a Platão, Descartes, Rousseau, Marx, Nietzsche, Santo Agostinho, Aristóteles, Schopenhauer, Husserl, etc, etc e etc.



Comecemos não caindo no discurso barato de dizer que os escritores de auto-ajuda só estão preocupados em vender livros e ganhar dinheiro. E nem na armadilha purista de achar que os filósofos "autênticos" também não querem levar o seu. Isto posto, podemos pensar que há uma diferença de propósitos.

A Filosofia tem por fim último a busca pelo conhecimento, o que, em última instância, é a busca pela verdade. Isso significa que não importa se dói, se derruba convicções, se deprime. A Filosofia quer a verdade, e pronto. Já a auto-ajuda explica-se em sua própria denominação: ela quer que as pessoas se encontrem, se sintam melhores, mais capazes, mais fortes para encarar seus desafios. Seu compromisso é com a realização pessoal. Isso nem sempre expõe as convicções e a verdade a cru.

Explicando melhor: a Filosofia não tem medo, nem pudor, nem covardia, nem vergonha de expressar pensamentos como os seguintes:
    "A existência é uma dívida perpétua que só a morte paga por inteiro (...) o mundo é o pior dos mundos possíveis" - Schopenhauer, ao comentar sobre a falta de sentido no mundo

    "O homem é o lobo do homem" - Hobbes, ao comentar a animosidade nas relações humanas

    "O inferno são os outros" - Sartre, ao deduzir que o convívio humano é inevitável e prejudicial
    "Temos a arte para não morrer da verdade" - Nietzsche, ao constatar que sem a arte não conseguiríamos suportar a vida

    "O caráter do homem é o seu demônio" - Heráclito, ao dizer que são as atitudes do homem que o tornam mau.
Ou seja, a Filosofia não se prende a uma zona de conforto. Talvez a auto-ajuda faça o mesmo, ao tentar excitar as pessoas a buscar uma situação melhor para o quotidiano, a encorajá-las a procurar o que há de bom na vida, a procurar justamente esta zona de conforto. Mas é que a Filosofia não procura alívio, e é justamente neste sentido que ela se opõe à auto-ajuda.

O filósofo por excelência não se preocupa em dizer que as coisas são uma merda, e que são assim porque o próprio homem as faz desse jeito. Mais ainda: se achar que não há saída, e possuir argumentos sólidos para tanto, ele o afirmará, alto e em bom som. Das frases que mencionei acima, jamais as veríamos em livros de auto-ajuda, por um motivo bem simples: são escopos diferentes. O principal propósito da auto-ajuda é fazer com que as pessoas se realizem, que tenham sucesso. O filósofo de verdade somente afirmará algo assim se tiver convicção disto. Não que o filósofo seja um pessimista por natureza e obrigação; os positivistas, por exemplo, acreditavam que o futuro estaria assegurado pela tecnologia, pela ordem e pelo progresso. Mas o faziam criticamente. Esse é o defeito da auto-ajuda: ao tentar "ajudar", ela esquece que o homem é um ser pensante, que os homens são diferentes entre si, que não possuem uma fórmula pronta, e que as coisas e os fatos podem também não ser bons, o futuro pode ser fracassado. Não há nada de errado nisso; a Filosofia está lá para constatar e tentar compreender as coisas como elas são.

Para concluir, devemos pensar que livros de auto-ajuda e de Filosofia precisam frequentar prateleiras diferentes, porque são coisas diferentes, uma sem invalidar a outra, ao menos em tese. O erro das editoras e livrarias é tentar impor ao público a ideia de que ambas tem o mesmo valor, que se assemelham, o que não é fato.

3 comentários:

  1. a um primeiro momento, a Filosofia é grosseiramente insistente, aos olhos leigos. Mas como disse uma vez pra mim, "a Filosofia busca a verdade, mas nunca chega nela".

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  2. Alguém pode, ao ler um livro de Filosofia, ser ajudado na compreensão de algo? Se sim, olha a Auto ajuda ai, minha gente!

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  3. Eu quase concordo... A diferença está basicamente na proposta. Dificilmente um livro de Filosofia está preocupado em auto-ajudar alguém. Kkkkk... Seja sempre bem-vindo a esta casa.

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