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quinta-feira, 7 de abril de 2022

Ambientalismo: o que ele é e o que ele não é

(Nesses tempos de polarização, nada passa batido à sanha das dicotomias. Por isso, sempre é bom procurar ficar a par do que defendemos ou combatemos)

Olá!

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“Porque haverá guerras e rumores de guerras, mas não se assustem, porque tudo isso deve acontecer, mas ainda não é o fim”. Essa é a assustadora profecia de São Marcos, transcrevendo as supostas palavras saídas da boca do Jesus dos cristãos, prevendo os fins dos tempos. Há tempos não nos víamos em meio a grandes chacoalhões políticos e bélicos, e os acontecimentos na Europa Oriental tem nos trazido de volta àquele desanimador clima da Guerra Fria. Mas fria é a guerra: há outras sombras se projetando nesta esferinha azul que tantos pretendem lisa como uma mesa de bilhar. Muito mais quentes.

É que recorrentemente temos ouvido falar de temas que, se por um lado carregam o mesmo peso da ameaça do parágrafo anterior, por outro têm se tornado tabus, como o aquecimento global ou o buraco na camada de ozônio. E isso tem feito com que o mundo se divida em dois, como tem sido comum nestes dias de dicotomia permanentes. De um lado temos a defesa arraigada do meio ambiente, e do outro os que entendem ser os indicadores de mudanças climáticas meros fenômenos de passagem, como os circos que erram aqui e ali nesses rincões do Brasil profundo. No meio disso tudo, nós, mortais como Sócrates.

Essa situação de guerra psicológica deflagrada faz com que muita coisa seja dita de lado a lado sem que haja sempre base na realidade. E isso leva a confusões. Quando falamos de ambientalismo, por exemplo, temos pouca nitidez consensual. Tem gente que o julga prenhe de atitudes de heroísmo, tem gente que o ache empulhação de catastrofistas. O grande problema é que o fazem sem ter um panorama mais efetivo do que ele realmente é, e, com isso, sentimo-nos na obrigação de lançar as luzes possíveis à causa, para que ao menos nos lembremos de que uma das funções do cérebro é questionar. Então vamos lá.

O que é ambientalismo?

Ambientalismo é um amplo leque de pensamentos que têm em comum algum grau de defesa da conservação do meio natural e de seus componentes. Sim, é um termo guarda-chuva que abrange desde o reaproveitamento de latinhas e potinhos para colocar plantinhas até a defesa de enormes projetos de reflorestamento e corredores ecológicos, o que dificulta uma definição clara e favorece posições antagônicas. Mas podemos dizer que é preciso existir uma intenção para se colocar alguma atitude no âmbito do ambientalismo. Minha sogra, por exemplo, adora juntar toda sorte de potinhos plásticos. Isso é bom para o ambiente, porque o reaproveitamento diminui a necessidade de produção, mas ela não o faz por uma atitude ambientalista, e sim por compulsividade acumulativa. Por isso, ambientalismo é muito aberto para que se feche uma definição inconteste, mas podemos defini-lo como toda e qualquer ação consciente que vise um mínimo de preservação do meio ambiente.

O ambientalismo é uma Ciência?

Não. Está mais associado à Filosofia, porque prescinde de um método baseado em verificabilidade e falseabilidade, embora as correntes mais sérias sempre procurem se associar a estudos confiáveis. No entanto, os motores para o ambientalismo não são unicamente a proteção ambiental com caráter pragmático, mas, muitas vezes, pelo simples fato de existir uma empatia com os outros componentes do meio, ou uma suposta sinergia de fundo esotérico. O ambientalismo transpõe a barreira da ciência e vai a outros aspectos existenciais.

Ambientalismo coincide com Ecologia?

É quase óbvia a correlação que se faz entre Ecologia e ambientalismo. Mas há muitas diferenças entre ambos. A Ecologia é uma Ciência, que pretende que suas observações sejam as mais neutras possíveis, enquanto o ambientalismo é uma atitude. Um ecologista, por princípio, deve se socorrer em dados e, a partir do momento que coloca termos éticos em seu discurso, torna-se um ambientalista. Ou seja, o que ocorre é que, por dois caminhos, um acabe se vinculando ao outro. Podemos ter gente com propensões de defesa à natureza que se interesse por saber mais e melhor, e com isso siga os passos da Ecologia. Por outro lado, pode ser que alguém que comece estudando a Ecologia acabe por se apaixonar pelos objetos que estuda, e tome o rumo do ambientalismo 

Por que ambientalistas são chatos?

É preciso ser cuidadoso com prejulgamentos. Chato é tudo aquilo que vai contra nossas convicções. Mas é óbvio que existem pessoas tão engajadas que acabam por jogar contra, não há dúvidas. Fanatismo existe em qualquer área onde haja posições bem marcadas. Quem nunca encarou um crente chato, um vegano chato, um comunista chato, um corintiano chato… Todos defendem com unhas e dentes sua posição, a ponto de perder a racionalidade. Mas isso não significa que TODOS os demais crentes, veganos, comunistas e corintianos sejam chatos, que não tenham suas ideias sensatas, que não troquem a lógica pela pura defesa apaixonada. Tudo isso acontece com os ambientalistas também. Há aqueles que se arrogam um conhecimento superior, que não ouvem teses contrárias, que metem o dedo na cara de pessoas que não têm más intenções, apenas desconhecem os problemas que os ambientalistas abordam. Isso sim dá uma conotação de chatice, mas aqui trocamos o berimbau pela gaita, jogando tudo na generalização apressada: não é pelo fato de existirem fanáticos que todos aqueles que defendem causas ambientais são fanáticos. Enfim, chatos são os fanáticos, e não os ambientalistas.

Por que se fala tanto em sustentabilidade? O que é essa tal de sustentabilidade?

Sustentabilidade é uma filosofia de uso do meio ambiente em que sempre se pensa na preservação vinculada ao desenvolvimento. É mais que uma disciplina, mas um modo de vida que procura conjugar bem-estar com manutenção ambiental. Em resumo, é a tentativa de manter o máximo de preservação ambiental sem abrir mão do desenvolvimento econômico, porque não se quer que as cidades não possam evoluir. Obviamente é um jogo de ganha-perde, porque sempre se terá de abrir mão de algo para sair do outro lado e conseguir um mínimo de qualidade de vida para além de nossos próprios quintais. Tem sido muito perseguida nos dias atuais porque é muito difícil não aproveitar um recurso que está lá, que nós precisamos, mas não podemos esgotá-lo.

Quando as empresas agem, os ambientalistas as acusam de “greenwashing”. Que diabos é isso?

O greenwashing (literalmente "lavagem verde", em inglês) é uma prática empresarial que visa dar uma roupagem ecológica a atitudes que não são exatamente amigáveis ao meio ambiente, sendo mais uma prática publicitária do que propriamente a aplicação de políticas ecológicas. Como nos tempos atuais as pessoas têm se preocupado mais com questões ambientais, ter uma espécie de "selo verde" traz dividendos para a empresa que o possui. Por exemplo: uma fábrica pode produzir equipamentos eletrônicos que realmente possuem eficiência energética, e explorar essa característica como uma vantagem verde, mas o custo disso pode ser a extração de minérios de maneira predatória ao meio ambiente. Outro exemplo: uma fazenda se dedica a produzir alimentos orgânicos, que evitam a poluição do solo e dos mananciais, mas o faz à custa de desmatar matas ciliares. A empresa se aproveita unicamente do aspecto positivo de seu produto, "esquecendo" o lado de lá, que, bem medido e bem pesado, pode até ser mais prejudicial no conjunto.

Por que ambientalistas são vistos como hippies que ficam fumando maconha e aplaudindo o sol?

Estereótipos. Normalmente, uma pessoa que aprecia a natureza quer estar próximo a ela, e isso pode ser feito das mais diversas formas: optando por destinos intocados nas férias, tendo hortas orgânicas em casa, estudando sobre o assunto e outras maneiras. Isso nada tem a ver com hippies, nem com maconheiros, que existem em centros urbanos da mesma forma que em retiros ecológicos. Como se criou uma imagem de desvinculação desta tribo ao mundo tipicamente capitalista, coloca-se todo mundo no mesmo pote. Um estereótipo (“impressão sólida”, em grego) é exatamente isso.

Então tudo o que é dito por ambientalistas é sinônimo de verdade?

Longe disso. Há uma linha divisória que nem sempre é muito clara, mas que faz toda diferença em qualquer discurso: quando se deixa de basear em fatos para se basear em crenças. As regras do bom pensamento dizem que devemos sempre nos ater à realidade, e isso não ocorre pelo puro e simples motivo de apreciarmos paragens verdes e os animais que lá vivem. Isso se assemelha aos ambientes idealizados de desenhos animados, e crer nisso é infantilizado em alguns casos, delirantes em outros, desonesto em mais alguns. Mesmo que o ambientalismo não seja uma Ciência, deve se pautar ao mínimo na lógica para emanar suas propostas.

Se a causa ambiental é uma ação digna, por que há tanta gente contrária a ela?

Vamos progressivamente. O fato não é que muitas pessoas são contra a defesa da natureza, mas que simplesmente não se importam com a questão. Em um país de povo pobre como o Brasil, a dona de casa luta contra os preços do mercado, e fica difícil pensar no meio ambiente quando o cobertor é curto demais. Pode ser um mero desinteresse, falta de preparo em encarar problemas incômodos, falta de conhecimento para compreender esses mesmos problemas. Quem se posiciona contrariamente à causa ambiental de verdade, geralmente tem muito a perder com o controle que é imposto, e aqui é impossível não pensar na ação empresarial. Já aqui é preciso desfazer a ideia de que toda empresa se guia pelo lucro a qualquer custo, e que não haja empresários verdadeiramente preocupados com a questão ambiental, mas é inevitável que se esbarre no modo de produção capitalista. Vou falar mais sobre isso logo adiante. 

Mas esse controle não é uma questão de tolher liberdades?

Tolher liberdades… Sempre que alguém lhe falar em defesa de causas libertárias, pergunte como ele se posiciona com relação a outras liberdades, como a de casar com alguém do mesmo sexo e ter os mesmos direitos de qualquer outro casal, ou de decidir pela eutanásia. Caso a resposta para estes pontos não seja tão alinhada à causa da liberdade, então você terá à sua frente um leitor de cartilhas, de onde será difícil de tirar algo diferente do posicionamento conservador disfarçado de liberal. Se, por outro lado, admitir-se liberdades para qualquer caso, é preciso pensar se há sentido em se possuir liberdades plenas em casos onde o prejuízo se arrasta para populações inteiras. Populações de pessoas mesmo, não é nem uma questão de piedade ou de empatia com comunidades da fauna. Neste caso, é uma questão de decidir o que importa mais: o indivíduo ou a sociedade, e, com isso, determinar até onde é possível chegar com as liberdades.

Por que o ambientalismo só ganhou força há menos de 50 anos?

Não sou comunista, mas preciso falar sobre como o capitalismo opera, portanto não me prejulguem. Embora o modo de produção deste sistema venha transformando a paisagem da Terra desde meados do século XVIII, é a partir do pós-Guerra que fica evidenciado seu máximo esplendor, com todos os seus avanços tecnológicos por um lado, e toda sua ação predatória por outro. É a partir de então que as grandes cidades passam a registrar casos e mais casos de doenças relacionadas às mudanças na composição do ar e o povo como um todo passa a sentir os reflexos na própria pele, literalmente. Causas antes difusas agora passam a ganhar a mídia, e a ganhar relevo, como a extinção de espécies, mudanças no regime de inundação dos rios e outros mais; alguns, com estatuto de ameaça planetária, como o buraco na camada de ozônio e o tão recentemente debatido aumento da temperatura global. Isso deu uma certa chacoalhada nas pessoas como um todo e é natural que haja maior engajamento na mesma medida. 

Por que o ambientalismo sempre se encontra nas pautas de esquerda?

(Comecem lendo este texto, para compreender minha dificuldade com posições políticas inamovíveis). Com extrema simplificação, via de regra a direita prioriza liberdade, que é exercida por indivíduos; já a esquerda tem seu foco na igualdade, que se volta para comunidades. Quando estamos falando em causas ambientais, naturalmente não estamos falando de um fazendeiro específico ter o direito de possuir reservas florestais em suas propriedades, mas em seu dever de mantê-las. Isso porque a manutenção do meio favorece não aquele tal fazendeiro, mas toda a coletividade, que fruirá dos benefícios da manutenção daquele espaço. Mas não há nenhum tipo de limitação filosófica para que cidadãos ditos de direita defendam de verdade causas ambientais. Só é bem raro de acontecer, porque não faz parte do pacote.

Mas se o Brasil se especializou em commodities, tolher a expansão agrícola não nos conduzirá ao empobrecimento?

O Brasil caiu na armadilha da divisão internacional do trabalho, uma política já antiga que preconiza uma especialização dos países nos mercados internacionais. Cabe a nós fornecer produtos agrícolas, devido ao território privilegiado. O problema das commodities agrícolas é o seu baixíssimo valor agregado. Quem tem um espectro maior de ofertas para o mercado internacional costuma ser menos abalado por crises setoriais, porque é a velha história de guardar todos os ovos em uma cesta só: quando ela cai, já sabe. A questão recai novamente sobre o individualismo. É muito atrativo para um fazendeiro expandir suas propriedades em alguns hectares sobre a floresta, mas o interesse coletivo não vai no mesmo sentido, porque a oferta que virá normalmente não se voltará a uma diminuição de preço para o mercado interno, além de reduzir a área verde original cada vez mais. A questão é saber se a área já disponível para o agronegócio não é grande o bastante e se pode ser otimizada para produzir melhor, sem recorrer ao recurso fácil da expansão contínua. Dificilmente todo esse território não pode ser melhor aproveitado para render o suficiente. Mas eu não sou da área e vou passar a pergunta.

Em um momento de economia incerta, não é um problema aumentar os gastos com preocupações ambientais?

Reutilização, reciclagem e diminuição de consumo não representam incremento, mas diminuição de gastos. Portanto, são três coisas em que se precisa pensar: visão de longo prazo, sociedade como um todo e atitudes simples. Esses são os alicerces da gestão ambiental.

Acho que está bom por enquanto. É um assunto tão amplo quanto sua própria definição, e, sendo assim, podemos voltar ao assunto a qualquer momento. Bons ventos a todos!

Recomendação de leitura:

Embora nos últimos tempos tenhamos tido dificuldades nas políticas públicas no quesito ambiental, é importantíssimo que se conheçam ao menos rudimentos do que a legislação reza sobre o tema, já que é ela que disciplina as condutas disponíveis legalmente, concordando com ela ou não. As mais importantes são as seguintes:

Código Florestal: disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm

Lei dos Recursos Hídricos: disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.433%2C%20DE%208%20DE%20JANEIRO%20DE%201997.&text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Nacional%20de,Federal%2C%20e%20altera%20o%20art

Lei dos Crimes Ambientais: disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm

Política Nacional do Meio Ambiente: disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm

A imagem utilizada neste post é oriunda do Ministério do Meio Ambiente, disponível em: http://a3p.mma.gov.br/9-premio-melhores-praticas-de-sustentabilidade-premio-a3p/

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