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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Tá, só não saquei bem o que é essa tal de (35 - Ecologia)

(O que é Ecologia? O que é esse ramo da Ciência que tantos confundem com ativismo?)

Olá!

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Vamos falar de viagens frequentes. Eu não moro mais com meus filhos, e isso faz com que eu trafegue muito para lá e para cá. A filha mais nova mora em Taubaté, e saindo da capital, a paisagem é composta por longos morros usados para pastagens e plantações, principalmente. Em alguns deles, é possível verificar a presença de bosques, na maioria das vezes com árvores de tronco fino, o que indica que aquela terra era usada para bovinos, ficando exaurida. Com o passar do tempo, foi se recuperando e deixada sem mexer, fazendo crescer as manchas verdes*. Já o filho mais velho mora em Curitiba, e indo por terra corta-se uma boa parte da Serra do Mar, no Vale do Ribeira. Isso faz com que possamos ver trechos de floresta muito mais fechada, efetivamente intocada, especialmente pelas encostas íngremes que lhe são características. Em uma fina faixa mais próxima ao litoral, pode-se ver a cultura humana nos bananais e palmitais.

Então temos duas maneiras bastante distintas de como a humanidade lida com o meio natural. A leste, mesmo estando em área rural, a mão do homem está em toda parte: desde os cercados de arame, até a presença de animais estranhos à área geográfica. A oeste, ainda que a própria estrada seja uma obra humana, percebe-se um pouco mais de manutenção no meio original. E, no meio disso tudo, a Pauliceia Desvairada, onde praticamente nada dos recursos originais podem ser encontrados.

Em toda essa transição, nós vamos perceber diferentes níveis de intervenção do bicho homem na paisagem, ora de maneira mais predatória, ora mais integrada. Isso tudo faz com que o nosso território tenha uma cara muito diferente daquela que havia sob a guarda dos indígenas, quando seo Cabral ainda não havia aportado com os usos e costumes ditos civilizatórios, e daqui se fez uma nova morada aos europeus. Talvez um dos maiores símbolos da presença humana no planeta seja a casa, o lugar que marca onde alguém se estabelece e que lhe dá abrigo. Pensando concretamente, uma casa no horizonte demonstra a presença de um bípede implume nas cercanias, ainda que seja uma tapera perdida numa vastidão verde amazônica. A casa é a sede de onde nos relacionamos com o restante do meio ambiente, e por isso ela foi metaforizada para uma área do conhecimento bastante recente, que combina Geografia com Biologia, cujo nome é composto pela junção dos termos gregos oikos (casa) e logos (estudo). Estou falando da Ecologia.


Eu disse que a Ecologia é uma ciência recente, e isso não é de se admirar. Se levarmos em conta que sua definição é a “Ciência que estuda a interação entre os seres vivos e o ambiente onde eles vivem”, perceberemos que o elemento de desarmonia inserido nessa relação, a ação humana, começa a ser sentida mais fortemente a partir da Revolução Industrial, que ocorreu na Europa a partir dos fins do século XVIII. A aceleração exponencial dos métodos de produção fez com que os meios naturais fossem explorados a níveis altíssimos, suplantando sua capacidade de regeneração por si próprios. Essa mudança tão expressiva na paisagem habitual fez com que a atenção dos pesquisadores fosse voltada a ela pela primeira vez com uma visão especializada.

Nem é preciso ir tão longe. Eu tenho cinquenta e poucos anos, e me lembro bem que as prioridades governamentais nos tempos de eu-menino envolviam muito impacto na paisagem original. Eram tempos da usina de Itaipu, que submergiu Sete Quedas, da usina de Paraibuna que extinguiu os núcleos originais de Redenção da Serra e Natividade da Serra, do colosso da inutilidade chamado Transamazônica, das termonucleares de Angra dos Reis e outros desafios à capacidade de regeneração de nossa natureza. A resposta veio na forma de índices de poluição jamais vistos, resultando em desembocaduras nos humanos, como foi o caso das crianças anencéfalas de Cubatão. Já dizia uma daquelas frases que adoramos atribuir falsamente: a natureza não se defende, apenas se vinga. A atribuição pode ser falsa, mas diz uma verdade.

Há um pouco de confusão quando se fala de Ecologia. Muitas pessoas acham que é uma atitude, mais ou menos intransigente, de defesa da natureza. Não. Ecologia é estudo, é Ciência, e, como tal, procura ser o mais neutra possível. O que ocorre é que, ao se compreender as relações entre seres vivos e o meio, alguns dos estudiosos podem encontrar motivos para realizar a defesa dos meios naturais. Se não, a Ecologia continua sendo o que é: uma ciência que tem um objeto de estudo bem claro, uma metodologia de pesquisa delineada e tem condições de fazer previsões e receber falseamentos. Sobre ambientalismo, falarei melhor em outro momento.

Mas como o ecologista faz seus estudos? De que maneira ele observa seu objeto de investigação? Geralmente, a cadeia observacional do pesquisador é de formato piramidal na quantidade e concêntrico na abrangência, passando de uma abrangência mínima para outra que englobe toda a vida do planetinha azul tão judiadinho. Estes são os níveis clássicos de abrangência:

Organismo: sabemos que as espécies são o agrupamento de seres vivos que compartilham características comuns. Cada indivíduo dessa espécie é um organismo, o objeto mais atômico do estudo ecológico.

População: é o conjunto de organismos de uma mesma espécie que coexistem em um mesmo espaço físico, geralmente delimitados pela possibilidade de se realizarem entrecruzamentos reprodutivos, propiciando a troca de material genético entre estes indivíduos.

Comunidade: como sabemos, uma população não vive sozinha em um espaço físico. Pelo contrário, há muitas outras populações que concorrem e condividem os mesmos recursos, gerando interações que podem ser colaborativas ou predatórias. Esse conjunto de populações é o que chamamos de comunidade.

Ecossistema: até aqui, podemos notar que o olhar está voltado para a parte viva dos sistemas ecológicos. Mas eles não atuam por si só. Quando passamos a observar a porção abiótica e a maneira como se dá a troca de energia entre as duas esferas, passamos a chamar o objeto de ecossistema.

Bioesfera: esse é o conjunto de todos os ecossistemas existentes no planeta, de interação menos direta entre si, mas que ainda assim exercem influência holística.


Algumas classificações incluem o bioma como uma unidade intermediária entre o ecossistema e a biosfera. Entretanto, esse conceito é um pouco mais ligado à Geografia do que propriamente à Ecologia, porque está interessado mais em uma área que contém uma predominância de determinado tipo de vegetação do que nas relações sistêmicas ocorridas em seu interior. Por exemplo, no bioma brasileiro conhecido como Mata Atlântica, caracterizado por grandes recursos hidrográficos, presença de umidade costeira e intensa variação climática, devido à sua grande extensão, pode-se verificar uma heterogeneidade de ecossistemas que também lhe caracterizam, porque o conjunto físico é muito variável. Dessa forma, temos ecossistemas litorâneos, de manguezais, de restingas e de campos de altitude. Um caranguejo, tão típicos do mangue, fazem parte de um ecossistema que está completamente ausente nos planaltos, embora pertençam ao mesmo bioma Mata Atlântica.

Mais uma pequena confusão que se faz com termos é entre bioma e biota, aqui mais ligado à proximidade ortográfica entre ambos. Bioma já vimos o que é, e biota é a parte viva de um ecossistema, enquanto abiota é o conjunto de componentes não vivos do mesmo. Por exemplo: em um meio aquático, onde há água, pedras, areia, oxigênio dissolvido e sais, temos a porção abiótica; já as algas, peixes e moluscos formam a biota, os caras que são usuários deste mesmo meio.

As linhas gerais da ecologia dependem da abordagem que se queira dar ao estudo. Normalmente, os especialistas dividem-na em três grandes áreas, sempre tendo em vista a quantidade de seres vivos envolvida na relação com o ambiente.

A primeira delas é a autoecologia. À primeira vista, parece ser a relação que eu mesmo tenho com o ambiente que me cerca, mas não é nada disso. Auto, neste caso, significa aquele que funciona por si mesmo, e isso significa que a necessidade de estudo é mais restritiva. Nesta área, o pesquisador aponta o foco para uma espécie específica, seja ela vegetal ou animal, e investiga sua interação com o meio. Como nos tempos atuais as correntes mais holísticas costumam preponderar, a autoecologia tem perdido espaço acadêmico. Entretanto, em alguns momentos é ainda muito importante. O melhor exemplo que me ocorre agora é nas espécies em risco de extinção. Nem sempre os fatores que levam à diminuição de uma espécie são óbvios, e, nestes casos, é preciso estudar a espécie em si para que se possa determinar como o ambiente a tem desfavorecido.

Em seguida, temos a demoecologia, que, semelhantemente à primeira, também estuda a interação de uma espécie com o meio ambiente. No entanto, o que interessa aqui é a maneira como uma determinada população como um todo reage com o meio. É uma maneira de estudar a Ecologia de maneira muito mais estatística, porque o que interessa aqui é a dinâmica de uma população com o passar do tempo e através do espaço: porque elas crescem, que fatores fazem com que se distribuam, qual sua taxa de concentração e outros tantos fatores que podem ser traduzidos por números. Por exemplo: temos uma população de coelhos que vive nos prados e outra nas regiões serranas, ambas da mesma espécie. A demoecologia se preocupa em observar como cada uma das populações procura dar manutenção à sua existência, através de estratégias específicas para cada ambiente envolvido. É uma área importante porque pode, a longo prazo, ser componente nos mecanismos de diferenciação que darão origem a novas espécies.

Por fim, a sinecologia é a área da ecologia mais abrangente, que não observa as espécies isoladamente ou em suas populações, mas na interação entre as diferentes espécies que ocupam um mesmo lugar ambiental, que agem em sinergia para dar organicidade ao meio. É aqui que temos as descrições das cadeias alimentares, da riqueza das espécies em um determinado bioma, organizações comunitárias, transferência de recursos no interior dos ecossistemas. Em última instância, o maior ponto de estudo da sinecologia é a própria biosfera, o maior de todos os ecossistemas.

Eu estou falando a todo momento entre interações, interações, interações… Como se dá a interação das espécies entre si e com o meio? Fundamentalmente, há uma expressão que sintetiza esse fenômeno: troca de energia, o que aproxima este ramo da Ciência de outro, a Física. Vejamos isso.

Há um termo da termodinâmica chamado de entropia, que podemos muito mal e parcamente traduzir como a tendência à bagunça. Essa “bagunça” em um sistema fechado qualquer tende a aumentar com o passar do tempo. Isso acontece porque o que mantém as coisas nos seus devidos lugares é a transferência de energia entre seus componentes. Note que o reboco da sua casa nunca tende a ficar mais sólido, mas a rachar e cair. Para que isso não aconteça, é preciso algum dispêndio de energia: produtos contra a umidade, camadas de massa fina, pinturas.

Ocorre que os sistemas biológicos não são sistemas fechados. Eles recebem energia de fora, energia solar no mais das vezes, e com isso podemos observar o mecanismo fotossintético dos vegetais, que produzem seu próprio alimento. Daí para frente, as trocas de energia se dão pelo consumo e pela reposição. Um passarinho, por exemplo, obtém energia dos insetos e das plantas de quem se alimenta. Ao excretar suas sujeiras, ele propicia alimentos para outros insetos e distribuição de sementes pelas plantas, retroalimentando o sistema através da disponibilização de energia. É com esse start que a Ecologia conduz seus estudos: tudo no universo é trânsito de energia, até mesmo a mais simples interação entre uma minhoca e seus resíduos favoritos.

Em rápidas pinceladas, era esse meu breve relato sobre o tema. Bons ventos a todos!

Recomendação de audiência:

É uma indicação meio nostálgica, porque assistia muito ao programa Repórter Eco quando as crianças eram pequenas. É um dos poucos, senão o único, programa jornalístico destinado ao assunto nos moldes de um telejornal convencional. Segue sua página na internet:

https://cultura.uol.com.br/programas/reportereco/

* Os agrupamentos de flora são comuns no caminho de São Paulo a Taubaté, cortando o começo do Vale do Paraíba. Contudo, se levarmos em conta a extensão de 130 Km até lá, dá para perceber como são erráticos. A foto abaixo dá ideia de um dos tantos bosques não originais espalhados pelo meio do caminho:

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