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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Tá, só não saquei bem o que é essa tal de (30 – Pedagogia)

Olá!


Rumo célere à faixa dos 50 anos. Isso significa que minha vida útil letiva se iniciou na década de 70. Por aquela época, eram comuns as escolas das Comunidades Eclesiais de Base, mantidas pela CNBB, tocada por sua vez por Dom Paulo Evaristo Arns, cuja ação transpunha muito o âmbito da sua religião. Baratíssimas, essas escolas eram uma opção à falta física de estabelecimentos públicos de ensino básico. Sim, estou falando de São Paulo, já então uma das cidades mais populosas do mundo. Imagino que deveria custar algo em torno de 50 das atuais moedas tupiniquins, e se destinava a filhos de proletários, que não podiam nem sonhar em frequentar as caríssimas escolas tradicionais da igreja católica. As CEB’s eram, portanto, uma iniciativa quase inédita de se olhar para os mais pobres. Luxo não havia, apenas o grande espaço por detrás da paróquia, com um picadeiro para as crianças menores e playground para os mais taludinhos. Para ser baratas deste jeito, os custos precisavam ser baixos. Normalmente, ofereciam do Jardim da Infância à 4ª série, o que correspondia ao antigo primário. Isso porque a exigência no caso era de um professor por sala, o que, se a memória não me trai, dava um corpo de seis professores, coordenados pelo vigário padre Antônio, também ele docente. Néli, Amélia, Marlene... Lembro dessas três. Turno da manhã e da tarde e era simples assim – nenhuma revolução pedagógica, mas um serviço sem preço que pouca gente lembra. Uns, porque achavam que escola de igreja era coisa doutrinadora; outros, porque pensavam que a igreja tinha que se ocupar de almas, e não de aulas.

O fato é que, com sua truculência e indigência intelectiva habituais, o governo militar resolveu a coisa. Foi tornado obrigatório que toda escola de 1º grau oferecesse a grade completa, que ia da 1ª à 8ª série. A partir da 5ª, cada disciplina deveria ser ministrada por professor próprio. A alegação era que os alunos deveriam poder cumprir todo seu ensino fundamental em um só lugar. Digamos que houvesse sinceridade nas pretensões governamentais (no que eu não creio), mas ela serviu direitinho para matar o modelo da CNBB. A cruel derivação desta política foi colocar as escolinhas de CEB’s num beco sem saída. Uma escolinha como a do padre Antônio precisava de muito pouco: umas oito salas bastavam. Já para manter um 1º grau inteiro, precisaria dobrar as construções, preparar uma quadra de Educação Física, um laboratório de Ciências e contratar muitos professores especializados. Não seria possível cobrar cinquentinha para manter toda essa estrutura, e, assim como a dele, muitas escolinhas de CEB morreram, no máximo abrigando creches ou pré-escolas. Foi exatamente esta virada que eu peguei.

Apesar do incremento de alunos e da escassez de vagas dar medo, fui para uma escola estadual, enorme, de fato bem estruturada, com duas quadras, pista para saltos, área de merenda, salas amplas e demais quitutes. Tudo em processo de destruição, é bem verdade, mas o prédio estava lá e, afortunadamente, era bem próxima de casa. A rotina diária antes do início das aulas era muito mais complexa que o sinal-da-cruz-padre-nosso-ave-maria-sinal-da-cruz típico dos católicos da escolinha do padre Antônio. Na escola pública, toda a patuleia se agremiava no pátio maior, aguardando o toque da primeira cigarra. Nesse momento, as classes começavam a se agrupar por filas, sempre uma de meninos e outra de meninas, em ordem de tamanho do infante. Ao segundo toque, era exigido silêncio absoluto. Aqueles que ainda não estivessem compostos, enfileirados e vestidos em seus aventais iriam se ver com o diretor, seo Toninho. Aparadas as arestas, as filas, duas a duas, eram conduzidas pelos bedéis até o pátio superior, onde ficavam os mastros e o aparelho de som, que vivia quebrado. Quando as últimas oitavas séries se perfilavam, três alunos eram escolhidos a esmo para puxar a cordinha que hasteava as bandeiras do Brasil, de São Paulo e da escola, enquanto o som do Hino Nacional era reproduzido em tom de taquara rachada na vetusta caixa acústica e nas gargantas mal treinadas de alunos e professores, muitas vezes a capella. Findo o ato cívico, os alunos davam meia-volta à ordem da inspetora-chefe e seguiam para suas salas, ainda em fila. Era dessa forma que aprendíamos a amar a pátria, com ordem unida e passo de marcha.

Em uma, mesas espalhadas pela sala em uma caótica alegria; em outra, as filas rigorosas de mesas alinhadas, que pretendiam garantir a ordem para obter o progresso, com sucesso incerto. Métodos distintos e resultados idem. Por que estou contando todas essas histórias? Para que tenhamos uma impressão inicial de que há uma imensa quantidade de circunstâncias que cercam o ensino, e que, de uma forma ou de outra, vão influenciar nos processos de aprendizagem. O que é melhor para que estes se desenvolvam? A informalidade da escolinha do padre Antônio, o rigorismo do escolão ou outro sistema? O ensino se basta ou é só mais um dos componentes da formação educacional? Os processos educacionais dependem unicamente do contato com o conhecimento ou todo o ambiente influencia no aprendizado? São perguntas que se lançam para a Pedagogia.



Em um primeiro momento, vamos diferenciar a Filosofia da Educação da Pedagogia. E não é tarefa das mais complexas. A primeira diz respeito à análise dos processos cognitivos que conduzem ao aprendizado, e sua relação com a conformação da sociedade. Já a Pedagogia se preocupa com os métodos de ensino, as ferramentas educacionais e sua adequação a diferentes perfis estudantis. Ou seja, uma é mais especulativa; outra, mais técnica. Envolvem temas amados por políticos, que vivem falando que vão cuidar da educação. É que os processos educativos hoje em dia são tão naturais que muitas vezes esquecemos de pensar neles em si mesmos. É como fazem os candidatos à eleição: a cantilena educação, educação, educação, educação-prioridade, educação-investimento, educação-solução, educação-cidadania, educação, educação, educação é uma mera falácia quando não sabemos exatamente sobre o que estamos falando, conforme já expus neste texto. Antigamente, tínhamos um problema grave da escola como espaço físico mesmo. A disponibilização das vagas, no entanto, não resolveu a questão. Isso tudo porque o papel da escola extravasa a função de ensinar, e a educação vai muito além disso.

O homem, em seu estado natural, tirou muita vantagem da sua faculdade de aprender. A retenção e a transmissão de conteúdos se mostraram eficazes para que os pequenos grupos comunitários pudessem manter e melhorar os sistemas que lhes permitiam crescer com mais desenvoltura que o restante dos membros de seus biomas. No entanto, na medida em que se aperfeiçoavam as técnicas, mais e mais complexas se tornavam as relações sociais. Por esse motivo, o aprendizado foi abandonando suas funções meramente pragmáticas, de objetivar a sobrevivência, para garantir que as relações interpessoais e coletivas atingissem um patamar mais elevado, considerando também não só um estar, mas um bem-estar. Com isso, a educação deixa de ser uma mera aprendizagem de técnicas para se tornar a ferramenta de ampliação intelectiva.

Até aí, podemos pensar em transmissão de conhecimentos, mas em que momento se passou a institucionalizar uma função escolar, ou, melhor dizendo, a especialização da tarefa de ensinar? Em que ponto da nossa história a Filosofia volta seus olhos para os processos de Educação? E como eles são sistematizados para seguir o objetivo de ensinar?

Nos antigos gregos, floresce a noção de Paideia, a formação global do ser humano a partir da infância. Essa é a origem mais remota do termo Pedagogia, que significa “ensino de crianças” (paidós – criança + agogé – condução). Tendo como referência seus ancestrais, e como modelo seus heróis (principalmente próceres sociais e deuses mitológicos), buscava-se ensinar às crianças a perfeição da cidadania: bom cidadão era aquele útil para o seu meio social. Por isso mesmo, a educação era pensada de forma a abarcar até mesmo atividades físicas, para que o cidadão gozasse de boa saúde para o momento em que o Estado precisasse de seus bons préstimos. Platão entendia que o ponto ideal da cidadania se encontraria na exata avaliação dos momentos de mandar e de obedecer. Esse exercício não se dá sem uma ideia arraigada de justiça, que deveria ser a base de toda a educação. Talvez hoje em dia divirjamos nos métodos, mas me parece que a noção de cidadania não escapa muito disso.

No entanto, a maneira como os gregos tratavam da educação em nada se parece com os conceitos escolares que temos modernamente. Aliás, no desenvolvimento histórico da Pedagogia pudemos observar algumas variações nos focos educacionais e na maneira como o Estado se envolve com a questão, mas o fato é que, uma vez consolidado o modelo onde o professor tem a centralidade na relação didática, estabeleceu-se uma tradição que ainda perdura, e metodologias alternativas só foram surgir com mais relevo a partir do século XX. Esse desenho em que há um personagem expondo conhecimento e alunos como registradores é o que chamamos de pedagogia tradicional, cuja principal característica é a fixação dos conteúdos, que são absorvidos de um jeito mais passivo: questionamentos geralmente são circunscritos à própria matéria que está sendo trabalhada.

Há muitas críticas a esse modelo, que costumamos aceitar bem por osmose. Como a maioria de nós foi educada desta forma, tem-se a sensação de que a mesma funciona. A resposta é: mais ou menos. Para quem está em uma faculdade, ok. Já há uma busca grande por objetividade, e este modelo é pá-pum. Mas isso funciona bem com crianças, que não têm um foco fechado e um patrimônio sofisticado? A escola tradicional, apesar de algumas verdadeiras virtudes, não é muito estimulante. Como os objetivos são fixos e os caminhos para chegar a eles também, progressivamente a coisa cansa. Basta que se pense: quantas vezes, você que me lê, ficou de porre na hora de ir para a escola? O nível de absorção do conhecimento em um dia desses tende a zero. Só que o sentimento se arrasta por dias e dias e dias... Tendo esse fator em vista, uma série de educadores passou a se ocupar com novos modelos de ensino, e de cem anos para cá muitas vertentes se abriram no horizonte educacional. Vou mencionar algumas.

Já nos séculos XVIII e XIX, uma preocupação com a reforma da sociedade através da educação começou a pontear pela Europa. A ideia de liberalismo então reinante via a liberdade mais como um meio para fundamentar as riquezas acumuladas do que como um direito essencial e universal do homem. Esse sentimento é replicado até os dias de hoje, quando uma camada significativa dos componentes sociais e políticos entende ser a meritocracia a forma mais basilar desta liberdade. Apesar de isso representar um aumento nas diferenças entre as classes sociais, tivemos o efeito colateral parcialmente benéfico de se entender que a educação precisava considerar os alunos em sua individualidade. O conteudismo típico das vertentes tradicionais vai sendo aos poucos contestado por uma abordagem que se propunha mais adequada ao status psíquico infantil, sempre tendo em mente as diferenças individuais de cada um.

Antes disso, no entanto, filosofias políticas e sociais marcantes traçaram seus itinerários sobre a educação. O Positivismo enfatizava a necessidade de se transformar qualquer tipo de visão metafísica em científica, e, para tanto, uma aplicação mais pragmática se fazia necessária, com a introdução de noções científicas e abolição de disciplinas filosóficas e religiosas. Como os positivistas entendem ser normal que uma determinada classe sobrepuje as demais, a educação não teria o condão de ser uma ferramenta de transformação social. 

Visão absolutamente contrária tinham os pensadores marxistas, que visavam 
uma democratização radical do ensino, que deveria ser promovido pelo Estado para que fosse distribuído igualitariamente. A escola não poderia ser um divisor de classes, em que a uma camada mais empobrecida fosse destinado apenas o conteúdo técnico, enquanto a uma classe dirigente seria reservado toda a educação intelectual.

Mas é a partir do finalzinho do século XIX que a Pedagogia recebe uma quantidade exponencial de novas propostas, incluindo não só os conteúdos ministrados, mas, em especial, as estruturas da transmissão do conhecimento. Refletindo as profundas mudanças sociais em curso, modelos mais flexíveis e recursivos começaram a ser experimentados. A corrente renovadora, mais conhecida como Escola Nova, abrangeu um leque de pedagogos que deram ênfase ao processo de aquisição de conhecimento por descoberta, e não imposição de conteúdos. Estes autores confiam na atitude de aprendizagem consensual implícita no grupo, ou seja, de que o interesse tenha um aspecto social. Nesse panorama, o professor deixa de ser um provedor para ser um organizador daquilo que os alunos buscam conhecer. A Escola Nova traz um aspecto democrático para a sala de aula, de modo a reproduzir valores sociais no meio estudantil. A reforma do espaço da sala de aula, a utilização de materiais manipuláveis para o aprendizado por contato (e não meramente teórico), o entendimento de que a exacerbação da disciplina sufoca a espontaneidade, o uso das recentes descobertas da Psicologia Cognitiva e a compreensão de que o centro da relação de ensino-aprendizagem está no aluno são algumas das características em comum de uma gama bastante extensa de autores, que também possuem suas peculiaridades, o que dificulta fazer um escopo definitivo da corrente. A vinda de novas tendências pedagógicas, que veremos mais adiante, não cessou o uso de todos esses axiomas até os dias de hoje, o que ainda a coloca como um objeto em transformação, o que, no fundo, é mesmo o seu substrato.

Em meados do século XX, fortemente influenciada pelo pensamento existencialista-fenomenológico e pela psicanálise freudiana, surge a vertente antiautoritária, também chamada de Escola Livre. Segundo o pensador austríaco, todo o aparato psíquico de um ser humano seria resultante dos moldes pelos quais ele passou em sua infância. De acordo com sua teoria das instâncias psicológicas, a consciência de uma pessoa é impulsionada pelo instinto e refreada pelas paredes morais, a quem ele chamava de superego. Esses limites inconscientes são, primariamente, incutidos pelos pais, que dizem à criança o que ela pode e o que não pode fazer. A partir do momento em que esta se insere na educação formal, outro mecanismo psíquico é colocado em ação, a transferência. Neste, a criança identifica o educador com o pai, e imputa a ele o mesmo papel na relação disciplinar. Desta forma, a alimentação do superego continua, e tende a perpetuar a sensação repressiva, desfavorecendo os processos de aprendizagem. O que os pensadores antiautoritários propõem é a substituição da prática pedagógica repressiva por uma sistemática que não faça os alunos reprimir seus impulsos naturais. A desvinculação com a figura da autoridade inclui todos os aspectos possíveis em sala, incluindo hierarquia religiosa, civil e militar. Estes pedagogos acreditavam em uma espécie de disciplina natural, que não era baseada em autoritarismo, mas na compreensão progressiva do funcionamento dos mecanismos sociais. Essa compreensão se daria na base dos limites estabelecidos à própria liberdade pela liberdade do outro, sem a espada de uma autoridade por sobre a cabeça. Desta forma, não há que se falar em uma educação anárquica, mas autorreguladora.

Embora as vertentes tenham trazido um arejamento na sistemática escolar, enfatizando o papel do aluno na relação do aprendizado, o fato é que suas ideias conviveram com um fator muito preponderante: as duas guerras mundiais e seus sucedâneos, como as guerras da Coreia e do Vietnã, das violências no ressurgimento do estado de Israel e nas revoluções coloniais da África e da Ásia. Dessa forma, o pensamento pedagógico deixou de lado a centralidade meramente educacional e passou a olhar fortemente seu aspecto político. Essa é a tendência conhecida como Escola Crítica, que procurou demonstrar o quanto o ambiente educacional reproduz a própria sociedade. Alguns de seus pensadores eram marcadamente marxistas, de forma que sua pesquisa assumiu o conceito de luta de classes, especialmente detectando as mesmas diferenças de educação para as classes burguesas e proletárias. Além disso, esta última seria vítima da violência simbólica da imposição de uma cultura dominante, que, no final das contas, teria na escola seu principal meio de inoculação. Entendem que a educação deve ser marcada pela cultura do grupo com o qual se trabalha. A compreensão do mundo e da realidade se dá de maneira muito mais eficaz a partir das experiências vivenciadas concretamente, de modo a se partir para conteúdos mais abstratos unicamente após uma fase de maturação. Muitos dos pensadores da Escola Crítica são oriundos de nações anteriormente colonizadas, porque, pela primeira vez, uma corrente do hemisfério norte se encontra com os ideais libertários do terceiro mundo.

Eu poderia citar ainda muitas outras vertentes do pensamento pedagógico, mas este texto não é um livro, não é algo acadêmico, e só tem o propósito de oferecer uma pálida ideia do que é essa tal de Pedagogia. Percebam que não citei autores específicos, nem me aprofundei muito em nada. Para tanto, achei melhor fazer a seguinte

Recomendação de leitura:

GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2003.

É um belo manual de referência com relação às diferentes tradições educacionais, simples, direto e com boa escolha de textos. Bons ventos a todos!!!

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