Olá!
Por longos anos, as aflições financeiras tão típicas da
minha ocupação ficavam me segurando em São Paulo, cidade cara, mas onde moro.
Com isso, peguei o péssimo hábito de vender as férias, para reforçar o parco
orçamento e economizar os gordos gastos com viagens. Apenas recentemente
descobri que isso é uma sonora bobagem, que boa parte de rebotalhos como
hipertensão, diabetes, depressão e tendência ao suicídio são esquecidos quando
você respira outros ares. E, mais ainda, é relativamente fácil conseguir
viagens baratas, em lugares próximos, dispensando todo o estressante
planejamento que lhe causa mais insônias do que se você ficasse sentado no
trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a
morte chegar.
Para tanto, misturam-se três ingredientes básicos: um
capitalíssimo carro, simples que seja, para carregar bagagem e dar mobilidade
suficiente; uma espécie de espírito de mochileiro, que lhe permita fazer o
roteiro de viagem de acordo com as contingências do momento, achando onde ir, o
que comer, que festa comparecer, que paisagem se achegar, em que cama dormir na
base de uma médio-oriental língua de veludo; e um estado cheio de coisas legais
a cerca de 200 km de seu ponto de origem. É sério. Quando falam de São Paulo (estado)
como destino turístico, sempre parece existir uma sombra de inferioridade em
relação a outras localidades. Se você pensar nas praias, as do Nordeste são
muito melhores. No turismo rural, o Sul é muito mais rico. Se você gosta de
pescar, os peixes paulistas parecem girinos perto daqueles do Centro-oeste.
Mesmo a capital é cinza, sem graça, carrancuda quando comparada ao Rio de
Janeiro, por exemplo.
Tudo isso é engano. Praticamente em todas as cidades de São
Paulo você achará alguma coisa de interessante para ver, para fazer, para comer
e gente muito dada a contar histórias envolventes, permitindo àquele que tende
a construir filosofias em sua cabeça importantes momentos de reflexão, tudo
isso sem ter que passar horas e horas comendo pó de estrada, multiplicando
estertor, sendo o colecionador que coleciona dor.*
Feito este pequeno prólogo, alcei velas para uma região do
Vale do Paraíba chamada Vertente Oceânica Norte, nome pomposo para indicar as
cidades da Serra do Mar entre o Litoral Norte e a Via Dutra, começando um pouco
além dos limites da região metropolitana e terminando na Serra da Bocaina,
fronteiriça ao Vale Perdido, que retratei em meu Diário de Bordo de uma Nau sem Rumo.
Nossa primeira parada foi a pequena cidade de Jambeiro, que
tem esse nome, pelo que consegui levantar, em razão de um jambeiro que existia
no alto do morro mais visível da região em que nasceu. É aquele caso clássico
do referencial: alguém te pergunta onde você vai, e você diz que vai no morro
onde tem o jambeiro, até se tornar uma identificação definitiva. Para quem não
sabe, o jambeiro dá jambo, que é assim:
Não, eu não tive a felicidade de achar nenhum jambeiro em
Jambeiro, porque minha passagem pela cidade foi rápida, pelos motivos que se
verão mais adiante. Extraí esta foto do bom blog “A Planta da Vez”,
da Profª Julceia Camillo, que já deixo recomendado. Nos tempos de eu menino,
era possível achar jambeiros na capital, assim como pitanga, pêssego, orvalho,
amora, romã, limão e abacate, dentre outras.
Assim como em Estiva Gerbi, a principal atração da
cidade é um santuário dedicado a Nossa Senhora Rosa Mística. Mas, enquanto na
cidade da Mantiqueira o centro das atenções é a própria imagem da santa
(volante, como expliquei então), aqui o complexo todo é o foco de interesse.
São várias capelinhas dedicadas a diversas Nossas Senhoras
espalhadas por um morro íngreme à beira da rodovia dos Tamoios, com jardinagem
bem cuidada. Há uma trilha que serve como via
crucis, um cruzeiro, um prado para missas campais, um importante banheiro
para aperreados romeiros e a igreja principal, essas coisas todas dos cristãos.
No centro do horto, a padroeira:
Todo esse complexo foi idealizado e construído por um padre
japonês, conhecido como padre José, nome adotado para facilitar a comunicação.
Sem prejuízo ao respeito às peculiaridades de cada idioma, sabemos que nomes
estrangeiros são verdadeiros trava-línguas, e por vezes é melhor facilitar. Até
mesmo um nome simples como o meu, com cinco letras de pronúncia indubitável
(sem x, h, g, q), paroxítona terminada em ditongo crescente, e, portanto,
acentuado, gera intermináveis confusões. Já fui chamado de Dércio, Delso,
Delson, Desso, Délcio, Edélcio. Há quem já tenha me chamado de Edson e Sérgio.
Portanto, fez bem o falecido padre José, originariamente Shimizu, sobrevivente
de Nagazaki e que é muito querido na região por ter sido, por muito tempo, o
único abrigador de portadores do HIV, na época em que ainda não existiam os
coquetéis. Seus restos mortais também estão presentes no complexo.
Com relação à região central, dá para perceber que se trata
da típica cidade de tropeiros, tão comum na região do Vale do Paraíba. A
denúncia é feita pela bica na entrada da cidade...
... e pelo Mercado Municipal, antiga e bem conservada
construção do século XIX, onde os aventureiros de então faziam seus negócios.
Estando em temporada de disputa política, o pessoal das candidaturas teve a
infeliz ideia de montar um palco bem à frente do edifício, tapando boa parte de
sua estrutura.
Não havia nenhum tipo de agitação no seu interior, o que
ajudou na hora de observar o calçamento de pedras, a bica d’água e o canto de
jogar conversa fora.
Curiosidade desimportante: a típica igrejona não fica na
praça central, mas em uma rua adjacente, no topo de uma colina. Trata-se da
Igreja de Nossa Senhora das Dores, matriz local. As fotos estão meio azuladas
por conta da inabilidade fotográfica deste que vos escreve.
Como sói acontecer em regiões serranas, as elevações são
respeitáveis e propiciam escadarias feitas sob medida para romeiros que querem
pagar suas promessas, expondo seus joelhos ao calor e à aspereza dos degraus.
Não vi ninguém fazendo isso por aqui, mas tive esse recuerdo assim que avistei a Igreja de São Benedito.
Nas proximidades, existe o Casarão Cultural, construção
histórica que abriga boa parte da produção artística da cidade, que possui suas
festas tradicionais, como costuma acontecer na região toda.
Anexo ao Casarão Cultural, existe uma típica casa de varas
para pouso de tropeiros. Não consegui informações claras sobre sua construção.
Pareceu-me uma reprodução, mas vá lá que seja uma restauração (atenção, novo
prefeito: material informativo não faz mal a ninguém e custa pouco).
Bem, a igreja não é na praça central, mas o infalível coreto
está lá:
Um pouco mais retirado do centro, mais especificamente na
estrada da Gabirobeira, um estabelecimento que eu não esperava encontrar em
Jambeiro: uma vinícola!
Trata-se da D’Almeida, capitaneada pelo Joaquim e pela
Cristina, que oferece os produtos derivados das uvas de altitude Cabernet
Sauvignon de várias safras, e que disponibilizará, em breve, uma cervejaria artesanal, em
construção. A conferir.
Bom, agora o cerne da coisa toda. No miolinho da cidade, as
exigências famélicas me levaram a uma costelinha de carneiro com peixe. Sendo o
restaurante também uma pousada, fui assuntar com o dono (Bruno, se bem me
lembro) sobre alguns cantos onde pudesse molhar as costas, dourar a barriga
branca, pegar umas boas vistas e essas coisas. Sua resposta foi broxante:
haveria bons riachos, boas trilhas e boas cascatinhas para indicar, mas o nível
de criminalidade não lhe permitia recomendar nada. Justo ele, um comerciante
que teria todo interesse do mundo em angariar dois hóspedes. Disse que todos os
recantos mais retirados e interessantes estavam repletos de “molequinhos” à
espreita de bolsas, celulares e câmeras. E que já havia notícias de coisas
piores. Como esse tipo de atração turística eu já vejo todos os dias, acabei
dando um ponto final à minha visita.
Mas é preciso abrir o debate. É óbvio que uma situação
dessas exige reflexão. Temos o ímpeto inicial de achar que a criminalidade
existe por uma predisposição humana para o mal, mas é reducionismo. Precisamos
analisar os motivos dos impulsos ao roubo.
Excluídas as notáveis exceções de ordem psíquica, a mente
humana costuma navegar com certo conforto entre seus desejos e a possibilidade
de alcançá-los, e entre o que é meu e o que é do outro. Digo isso no sentido em
que é comum eu aceitar que meu vizinho tenha uma boa casa e um bom carro desde
que também eu possa tê-los, ainda que inferiores. O problema é que essa lógica
do capital implica em giro intenso, e em posses cada vez mais significativas,
de modo ao endeusamento do consumo e à reificação do consumidor. Como você é
também um objeto, não é um ser pensante, uma personalidade, uma
individualidade. Você é aquilo que você compra.
Só que comprar tem limites óbvios, a publicidade é feroz e
ninguém quer ser o que compra quando sua compra é muito pior que a do outro.
Mais grave ainda: a dinâmica capitalista, que privilegia quem tem, forma uma
camada imensa de seres humanos que escapam do seu núcleo. Os que estão nas
bordas, como os mendigos, já estão de tal forma com suas vontades destruídas
que só geram incômodo ao sistema pelo o que fedem. Mas nem todo mundo é assim.
Tem gente com vontade em dia e impossibilidade de concretizá-la. O caminho
principal diz que devemos seguir a linha do trabalho para atingir o mérito de
possuir. Quem sabe que não terá as melhores oportunidades porque não tem como
seguir essa linha, ainda assim é atingido pela mesma lógica da impulsividade e
da vontade transformada em necessidade, e com isso procura a segunda via, que
foge ao ditame legal, mas que cumpre o objetivo.
Qual a solução? Tornar a lei mais rígida? Mas as cadeias no
Brasil estão cheias... Será que isso sozinho resolve alguma coisa?
Parece um problema do sistema capitalista, mas sua via
alternativa mais óbvia, o comunismo, já se provou ineficiente. E isso tem a ver
com a natureza humana também. Em primeiro lugar: a necessidade de um Estado
forte atiça a tirania em cinco minutos. E depois, como os seres humanos não são
iguais, sempre que alguém tiver a possibilidade de se destacar em determinada
área, quererá auferir maiores ganhos. É por isso que é tão comum a fuga de
atletas de Cuba. O atleta não se evade de lá porque é ameaçado, porque não há
liberdade política ou seja lá qual for o motivo. Ele vai embora porque em Cuba
não há o conceito de megastar. Ele
vai embora para ganhar mais, punto e finito.
Portanto, o componente humano impede qualquer chance de
sucesso de um regime comunista. Para qual lado olhar então?
Talvez o melhor a fazer seja humanizar o próprio capitalismo,
e isso passa necessariamente por uma distribuição de renda mais equânime. Essa
é a tônica dos regimes de bem-estar social, mais conhecidos como welfare state, que causam convulsões nos
atuais teóricos do liberalismo, não só pela importância que dá ao Estado na
gestão das finanças de um país, mas principalmente pela sua factibilidade. De
fato, alguns dos países que adotaram políticas de bem-estar social são exemplos
de boa estabilidade social, como é o caso dos escandinavos. E, para compreender
como chegaram a tal, é preciso conhecer as ideias de gente como Gunnar Myrdal,
economista e sociólogo sueco que desenvolveu a tese da causação circular
cumulativa.
O que vem a ser isso? Vou começar pela conclusão: países
ricos tendem a ser cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. Os
propugnadores do laissez faire sempre
disseram que o mercado livre tem condições de corrigir automaticamente seus
desequilíbrios, o que é negado por Myrdal. Por uma contingência histórica
qualquer, determinada região consegue um nível de desenvolvimento maior do que
a outra. Para que seu desenvolvimento prossiga e aumente, os mecanismos de
mercado trarão a tendência de se transferir recursos da região mais pobre. É
como se um hipermercado fosse aberto ao lado da bodega do Seo Manuel. Com mais variedade, melhor preço, amplo estacionamento,
robusta praça de alimentação, playground para as crianças e seguranças circulando
por toda parte, a pequena tasca ficará relegada às moscas e a alguns poucos
bêbados fieis. Outrora Seo Manuel
vendia, além da uca que corrói o fígado, produtos de mercearia, pão, fatiados,
cigarros, fósforos, pilhas de radinho, dropes, balas, aspirina, bolachas a
retalho e jogo do bicho. Com exceção deste último, tudo o mais é encontrado em
profusão ao lado, a preços mais convidativos, com a vantagem de se poder usar
crédito. No boteco do Seo Manuel, tal
tema é circunscrito a uma plaqueta empoeirada onde se lê que fiado, só amanhã.
Pouco lhe restará a não ser voltar ao Algarve, largando a profissão de
vendeiro.
Essa fuga de recursos foi chamada por Myrdal de efeito Backwash, de caráter regressivo. No
nosso exemplinho porco, a fuga é de capital, porque o dinheiro que ia para o
caixa do português agora passou a tilintar nos cofres do mercadão. Mas poderia
ser de mão-de-obra: o rapazinho do balcão e a mocinha do caixa foram ganhar
melhor ao lado, dado já terem experiência em seus respectivos misteres e auferirem
melhores salários.
O que o Seo Manuel
poderia fazer para evitar a derrocada de seu empreendimento? Ter algum tipo de
atrativo, algo que escapasse às vantagens do hipermercado. Poderia, por
exemplo, fazer sua boa (ótima!) e velha bacalhoada à Gomes de Sá, que teria
condições de fazer frente às insossas lanchonetes do megaestabelecimento, e
isso é chamado de efeito Spread, o
oposto do backwash, algo que pode
atrair recursos. E é essa dinâmica que representa a misericordiosa mão do
deus-mercado a restabelecer o equilíbrio das coisas, não é mesmo?
Não, não é. A economia do Seo Manuel poderá já estar tão debilitada que ele não poderá nem
adquirir a primeira peça de bacalhau, ou comprar uma tão ruim que o efeito seja
justamente o inverso: ao invés de atrair, causa repulsa. Agora, ele não é só
pobre, mas também endividado. Percebam a ação cíclica e cumulativa do
empobrecimento de um lado, e da locupletação do outro. O Spread só pode ser considerado benéfico quando traz melhorias de
verdade para outras partes, como seria o caso, por exemplo, de aumentar a base
de conhecimento da população local, o que poderá melhorar as coisas inclusive
para nosso pobre taberneiro.
O mercado não age sozinho quando há um desequilíbrio grave
entre os efeitos descritos. Ou melhor, deixa a maior parte daqueles que não
possuem os recursos no ponto do solapamento. E o resultado é uma concentração absurda de
renda.
O que fazer para mitigar (ou ao menos amenizar) os círculos
viciosos gerados pelos desequilíbrios entre os backwash e spread effects? Como transferir recursos para regiões
mais pobres que, deixadas à própria sorte, tornar-se-ão cada vez mais pobres? A
resposta de Myrdal é bastante parecida com a de John Keynes: a ação do
Estado.
Sabemos que a Suécia e os demais países nórdicos possuem
dois indicadores elevados, via de regra: qualidade de vida e tributação.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, o IDH – Índice de
Desenvolvimento Humano (que deriva de índices de renda, escolaridade e
expectativa de vida) dos países escandinavos é o seguinte:
Noruega – 0,944
Dinamarca – 0,923
Suécia – 0,907
Islândia – 0,899
Finlândia – 0,883
Não vou tomar vossas paciências explicando como funciona o
cálculo do IDH. Basta saber que, quanto mais próximo de 1, melhor está o
indicador. Todos estão enquadrados no topo do índice, a categoria denominada
“IDH muito alto”. A Finlândia, mais “fraquinha” de todos, está em 24º lugar do
mundo. Nada mal.
Vamos observar outro indicador agora. Como podemos saber o
quanto de dinheiro é retirado de circulação através de impostos, para ser
reinjetado posteriormente, através da aplicação destes recursos? O ideal é
observar a carga tributária, representada por um percentual. Este percentual
indica o quanto do PIB (Produto Interno Bruto) é onerado por impostos:
Suécia – 42,8%
Noruega – 40,8%
Islândia – 35,5%
Finlândia – 44,0%
Dinamarca – 48,6%
Se comparadas às taxas de Brasil (33,4%) e Estados Unidos
(25,4%), podemos perceber o quanto a carga tributária nórdica é elevada, o que
gera constantes reclamações de pensadores liberais. Os dados vêm da Heritage Foundation,
uma instituição norte-americana que defende liberalismo econômico e
conservadorismo moral.
Mas, para dar boa consistência ao que venho expondo, é
interessante também observar o efeito destes indicadores no Coeficiente de Gini
destes países. Este índice serve para denotar o quão bem distribuída é a renda
de um país. O ideal é produzir um número baixo, o que indica uma tendência
pequena à desigualdade. E lá nós vamos enxergar um pouco dos efeitos da alta
carga tributária sobre a sociedade escandinava: estatisticamente, não há
concentração muito alta, com poucas pessoas detendo muito dinheiro. Todos os
cinco estão entre os países com melhor distribuição de renda, segundo a CIA –Central Intelligence Agency (sim, a CIA, aquela mesmo):
Suécia – 24,9
Noruega – 26,8
Islândia – 28,0
Finlândia – 26,8
Dinamarca – 24,8
Para fins de comparação, o Coeficiente de Gini dos Estados
Unidos é de 45,0. E do Brasil, incríveis 51,9.
Pois muito bem. Diante do discurso hodierno que temos aqui
no Brasil, há impostos demais sendo cobrados. É fácil de compreender essa
relutância em contribuir. O Estado brasileiro é muito ineficiente, dado o nível
de incompetência e corrupção que sempre pautaram nossos governos. É nesse
sentido que temos engulhos ao pensar no tanto de impostos que pagamos. Mas não
podemos achar que todos os governantes fazem o mesmo, no mundo inteiro. Uma
carga tributária elevada significa muitos recursos na mão do Estado, e, se bem
geridos, podem atender uma quantidade de população que uma economia liberal não
consegue atingir. Quando um governo mantém boas escolas, bom sistema de saúde,
boa política de segurança pública, bons investimentos em infraestrutura, tira
da população a necessidade de assumir estes gastos todos, com um gigantesco
fator de distribuição: essa boa escola, bom hospital, boa polícia e boa infra
está disponível à população como um todo, e não apenas para aqueles que podem
pagar.
Essa carga tributária alta é que, segundo Myrdal, faz com
que o círculo virtuoso da causação circular cumulativa se inverta em círculo
virtuoso. Isso porque, com recursos na mão, os governos poderiam intervir
diretamente nas áreas de maior carência de recursos, corrigindo as assimetrias
regionais e impedindo o agravamento da concentração de renda.
Não há problemas sociais nos países nórdicos? Há. Eles se mantiveram sempre persistentes no welfare state? Não. Não há reclamações sobre os volumosos impostos cobrados da população? Sim, e como. Mas, de uma forma ou de outra, tais políticas levaram à compreensão de que as despesas sociais não são custos, mas investimentos, na medida em que a pobreza dos países onde a política de bem-estar é implementada tende sempre à diminuição.
O sistema político que dá sustentação ao welfare state chama-se
social-democracia. Ah, que bom... Basta votarmos no PSDB. Não, nunca. O PSDB
não preconiza social-democracia. Seu nome é exatamente isso: apenas um nome.
Assim como o PT, o PDT e o PTB não são partidos de trabalhadores, o PP não é
progressista, o PSB e o PPS não são socialistas, o PRTB não é renovador e via discorrendo. Essa é nossa
dificuldade: não conseguirmos criar identificações partidárias legítimas, mas
vamos ter que fazer isso forçosamente, sob pena de continuarmos na bandalha ou cairmos
na anarquia não-institucionalizada, e daí para a mão de um messias. Esse é um
perigo real.
Espero que Jambeiro consiga resolver os seus problemas.
Espero que o prefeito recém-eleito satisfaça os anseios de seus eleitores e
também de seus visitantes, como eu. Há um índice de industrialização
respeitável na cidade, o que pode ajudar na obtenção de recursos para investir
onde é mais necessário. Prometo voltar lá para dar uma olhada onde as coisas
estão melhorando. Ou não.
Recomendação de leitura:
Economia é um tema árido por natureza, mas, quando vinculada
a um olhar sociológico, sempre se torna mais palatável. Gunnar Myrdal é um
autor interessante de se ler por conta desse foco múltiplo.
MYRDAL, Gunnar. Aspectos
Políticos da Teoria Econômica. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
* A referência a Raul Seixas no primeiro parágrafo é óbvia,
mas esse trechinho do colecionador é de uma trilogia de cançõezinhas de minha
lavra, do tempo em que eu ainda sonhava em ter uns caras tocando comigo, e eles
são legais e além do mais não querem nem saber – chega, estou muito cheio de
referências hoje. Segue uma parte da letra:
Comendo pó de estrada
Multiplicando estertor
Sou o colecionador
Vento da tarde, pernoites em vão
Ao mar lancei minha mansidão
E nas ondas vagam os dias
Que eu pensei serem de calmaria
Saveiros ao longe, sol de verão
Da terra um brilho fosco, cheio de solidão
No sal que se mistura à areia
Um pouco da água que o rancor incendeia
A ilusão torna os passos pesados
Prá a muito custo à marina chegar
Mas está tudo muito além do porto
Muito além de onde a visão pode alcançar
Beira do cais, suor e madeira
Cardumes nos corais, anos da vida inteira
Que na orla traz a febre e o sorriso
E como a maré vem e vai sem aviso
Comendo pó de estrada
Multiplicando estertor
Sou o colecionador
Que coleciona dor
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