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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Sobre novas imagens e velhas imprensas

Olá!

Neste meu primeiro post de 2012, gostaria de agradecer a todos os que me deram força e audiência no ano passado. Queria ter atingido a marca de 50 textos, mas devido às grandes e pequenas demandas da vida não cheguei nem perto disso. Mas não faz mal, continuamos aí. Mas queria mandar um salve especial para a Renata, para a Deborah e para o Bruno, meus principais leitores e comentadores, principalmente no “ao vivo e em cores”. Isso é muito legal, deixo um grande beijo para vocês.

No ano que acabou, tivemos grandes e graves acontecimentos, como cheguei a comentar aqui, além de outros não tão significativos, mas que igualmente podem levar-nos à reflexão, e fazer perceber que estes assuntos não são tão banais assim, se notarmos que são amostras pinçadas de um grande universo, que funciona semelhantemente tanto no atacado quanto no varejo.
Uma destas pequenas bobagens diz respeito à entrevista da cantora Sandy a uma grande revista de entretenimento masculino. Uma grande (e inútil) polêmica foi criada por conta de sua declaração de que é possível obter prazer com a prática do sexo anal. Nosso foco não será na suposição das práticas sexuais da garota em questão. Afinal, o que ela faz de seus orifícios é problema dela e de quem, por ventura, vier a fruir de suas peripécias.




Sandy construiu sua fama e sua carreira sob a imagem de uma garota inocente e de uma mocinha comportada, daquelas para casar. Acontece que ela cresceu e não quis mais ser vista sob esta ótica. Procurou dar uma revolucionada na carreira: separou-se da bem sucedida parceria com o irmão, mudou radicalmente de estilo musical, passou a usar roupas mais provocantes, fez propaganda de cerveja (da qual não gosta) com um nome bastante sugestivo. 

Não sei avaliar se a estratégia está dando certo, parece que não. É a velha questão da fama que cobra seu preço, como já pude escrever aqui.
A imagem construída tem o mesmo valor de um totem para as sociedades antigas. No caso da sociedade moderna, a pessoa famosa tem várias representações, sendo que duas delas se aplicam ao caso: o modelo de perfeição e o objeto de desejo. Para Sandy, há uma dualidade difícil de deslindar. Ela não consegue se livrar dos moldes perfeccionistas da menina bem comportada, mas por outro lado angariou um fruto do imaginário popular, o de mulher feita que não perdeu seus encantos infanto-juvenis. Em uma sociedade que tem uma alta erotização de sua infância e que, em conseqüência, possui tendência à pedofilia (disso falaremos futuramente com muito mais cuidado), a mistura torna-se mais pegajosa que jaca madura.

Mas o problema torna-se maior quando verificamos que suas tentativas de mudança de imagem são objeto de “conspiração”. Uma afirmação de foro íntimo foi explorada de maneira radical, já que acabou por virar matéria de capa da referida revista, com grande destaque. Ora, a entrevista, da maneira que foi tratada, tornou-se uma grande armadilha. É só uma questão de uso da linguagem, e uma breve manifestação sobre sexualidade ganhou estatuto de verdade inegável. A reação indignada dela e de seus próximos ajudou também a jogar querosene na fogueira, exatamente o que a publicação queria (polêmica = vendas = $$$$$). Por isso, é preciso muito cuidado com as armadilhas da imprensa.

É fácil prever uma coisa dessas. Os limites da ética no jornalismo são um pouco nebulosos. A imprensa obtém uma matéria e transforma-a no que melhor lhe convém. Acreditar em uma imprensa neutra é um conto de fadas, da mesma maneira que o mito da neutralidade científica. As pessoas têm interesses, não adianta fugir disso.

Fato é que a imprensa possui um poderio gigantesco em suas mãos, tanto que para ela foi forjado o termo “Quarto poder”. E, de fato, a imprensa precisa fazer uso de sua tarefa denunciadora e fiscalizadora, e para isso precisa de liberdade. Só que esta não pode ser confundida com um salvo conduto que a permita manipular a informação, sob a pena de tapar a boca de camadas significativas da população, principalmente aquelas com menor poder de discernimento. O caso da Sandy nada mais é do que uma amostra. Muito mais graves são os exemplos que nos vem da literatura e do cinema, como “A Síndrome da China” e “Ausência de Malícia”, mas queria aqui atentar para outra obra, o documentário “Muito além do Cidadão Kane”, que mostra a promiscuidade das relações entre o jornalismo televisivo e o poder no Brasil, com o objetivo de influenciar a opinião pública, destacadamente para delinear os resultados eletivos. Já virou um clássico o caso do debate entre os então presidenciáveis Collor e Lula, onde uma edição de “melhores momentos” favoreceu explicitamente o primeiro, em um momento de claro embate direita X esquerda na primeira eleição presidencial pós-64. A edição dos trechos do debate não contém mentira, mas sim descarada manipulação.

Deu no que deu. A mesmíssima Globo que atiçou a eleição de Collor acabou por se voltar contra a criatura, sendo o principal órgão a tratar de sua derrocada.
Compreendo até certo ponto o problema de um jornalista diante da reportagem polêmica. Um advogado pode recusar o caso de um criminoso em cuja inocência não acredita. Um psicólogo pode admitir que não possui competência para lidar com um quadro que atravesse suas convicções profissionais. E o jornalista? Deve se omitir? Não é a omissão uma maneira de tomar uma posição? Não divulgar uma informação que o enoje ou afete sua capacidade de julgamento não é também anti-ético?

Por conta disso tudo, e por mais que a imprensa livre seja imprescindível para a democracia, é sempre necessário lançar um olhar crítico para o noticiário veiculado. Várias vezes já vimos a distorção dos fatos, e estes podem ser tremendamente lesivos, ainda mais do que foram para Sandy, a danadinha.

Recomendação de documentário:

HARTOG, Simon. Muito além do cidadão Kane. Documentário. Inglaterra, 1993. 105 min.

Um comentário:

  1. Decinho, de novo eu por aqui! hahhaah
    Sobre essa questão da manipulação dos fatos pela mídia, o 4º poder, gostaria de comentar um pouco sobre o fato de este título não nasceu por ele estar em quarto lugar num ranking hierárquico, mas pela ordem em que foram aparecendo esses poderes - talvez os media sejam o maior poder de construção de sentidos a favor de um ideologia, maior até que a educação.

    Outra questão que corrobora com esse assunto aqui tratado é sobre o documentário ZEITGEIST (tradução livre: espírito do tempo), que pode ser acessado aqui: http://video.google.com/videoplay?docid=-1437724226641382024
    O filme fala bastante sobre essa noção da construção de uma ideologia por meio dos discursos e dos textos que uma minoria possui acesso. Vale muito a pena assistir!

    No mais é isso. Continuo lendo seus textos e fazendo mais sinapses!

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