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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sobre mulheres ricas e a fuga humana

Olá!

Dia desses, no Facebook, postei um vídeo em que algumas socialites puseram-se a discutir sobre o recente conflito ocorrido entre alunos e PM na USP. Afffffffffffffffffffffffff... Meu Papaizinho do céu! Comentei de maneira um pouco óbvia: nossa elite financeira não coincide com a elite intelectual. Esta vive no meio acadêmico e nas instâncias culturais, enquanto a primeira frequenta templos do capitalismo. Desde o começo do ano, essa impressão é reforçada pelo reality show da TV Bandeirantes denominado "Mulheres ricas". Não sou muito dado a esse tipo de programa, por um motivo extremamente simples. São simulações, nada mais do que isso. Ninguém está lá verdadeiramente aberto, cada ato é calculado. Se há algo a ser analisado é o público que o acompanha, o que farei em breve, mas esse não é o foco agora.

Pois bem, o que há então para discutirmos aqui? Certamente a maior crítica que podemos fazer às personagens do programa diz respeito à sua superficialidade. Por que mulheres com tanta grana não procuram se aprofundar em alguma atividade intelectiva, artística, altruísta, social, política (no melhor dos sentidos)? Sabemos que um dos principais problemas de nossos acadêmicos é a falta sistemática de recheio na carteira, o que não é problema para nossas heroínas. Ser superficial ganha um certo estatuto de boa qualidade de vida - preocupações metafísicas, ilações sociais, discursos educacionais, volutas filosóficas, trançagens estéticas, maquinações antropológicas são coisas para quem não pode fazer o que fazemos porque não chegaram onde chegamos, seja lá qual tenha sido o caminho traçado, a famosa inveja. Este parece ser o pensamento de nossas egrégias. Bem, há certo sentido - bem pouca gente não gosta de dinheiro, 'inda mais em quantias expressivas. Mas não para explicar a pobreza intelectual como produto a ser consumido.

Em primeiro lugar e só para por as coisas em seu lugar: não podemos generalizar. A elite parece superficial como um todo, mas nem todo membro dela pode ser tomado assim individualmente. Essa é apenas a impressão geral passada pelo programa (Por incrível que pareça, a rica oriunda da prole - Débora Rodrigues - parece a mais legítima delas - lembremos que ela já possui experiência televisiva). Isso posto, pensemos nos motivos da superficialidade já por mim tão decantada comparando hábitos, e ficaremos surpresos em constatar que as coisas que os ricos gostam, os pobres, medianos e demais remediados gostam também. Fanques, pagodes e sertanojos vendem ingressos aos milhares enquanto projetos interessantes como o Mapa Cultural de São Paulo são abandonados por falta de interesse do público; qualquer porcaria estadunidense onde jorra sangue e sêmen lotam um cinema, e estes mesmos espectadores não param prá ver como o cinema brasileiro melhorou de uns tempos para cá; nossos jovens amam Bieber e Cyrus, Fresno e Restart, Victor e Léo, mas nunca ouviram falar de Aylton Escobar ou Alexandre Moschella, para citar só dois.

Conclusão: não são nossos distintos ricos que são superficiais - é a humanidade. Há algum porquê?

Vamos tentar achar alguma luz no século XVII, com o hoje quase esquecido Blaise Pascal. Para quem não o conhece, foi um dos grandes gênios da humanidade, matemático, físico, inventor (criou um dos primeiros modelos de calculadora), teólogo e, no campo da filosofia, um semi-opositor de Descartes, ao afirmar que o sentimento não pode ser desconsiderado em nome do racionalismo, apesar de ser este o grande guia do intelecto.

Pascal dizia que a atitude mais digna do ser humano é o pensamento, seu distintivo e caracterísitica principal. Nenhuma outra atividade humana é mais nobre que essa, e o homem que se aprofunda em seus pensamentos estabelece de maneira bastante segura que não se trata de nenhum outro tipo de animal.

Com isso, podemos concluir que, como seres pensantes, deveríamos nos orgulhar e cultivar cada vez mais desse nosso caráter. Acontece que, ao tornarmos cada vez mais profundo nosso pensamento, arriscamos a dar de encontro com o objeto que nos causa nosso maior medo. Um ser cruel, que nos põe o dedo na cara e nos acusa dos piores crimes, dos maiores erros, dos mais temíveis pecados, e o faz de maneira incontestável. Um ser que nos conhece a vida inteira, todas as vergonhas pelas quais passamos, todas as decepções mais inconfessáveis, tudo o que sonhamos e não conseguimos. O ser humano teme muito esse ser que registrou todas as escolhas desastrosas, todas as paixões secretas, todas as mentiras e ocultações, e que desmonta todas as imagens que construímos. Enfim: o ser humano tem um medo patológico de encontrar a si mesmo, odeia olhar no espelho da alma. O homem é seu próprio demônio.


Esse é o motor da superficialidade: sua consciência de si está permanentemente à espreita. E, para afastá-la, a pessoa procura qualquer atividade que a distraia, qualquer divertimento, qualquer coisa imediata.

O problema é que de tanto buscar coisas imediatas, o homem não tem aporte mental suficiente para compreender qualquer fenômeno ou manifestação que se dá em sua frente. Obras complexas, pensamentos complexos, problemas complexos, tudo o que é complexo pula o muro e vira incompreensível.

Por conta disso, o homem superficial nivela-se por baixo, e passa a procurar toda sorte de porcaria. Mas o que se extrai de um arrasa-quarteirão facilmente compreensível que está bombando na internet? Cinco minutos de reflexão, quando muito? Daí que a quantidade de diversão deve subir em proporções exponenciais para ocupar todo o tempo de um indivíduo. Tudo por medo de se encontrar frente a frente à própria consciência. E daí temos o tédio e a depressão, que, por paradoxal que seja, preponderam em tempos cibernéticos, onde há tanta informação disponível.

Os ensinamentos de Pascal não são novos, mas são atuais. Em especial no sentido de que o homem não precisa temer ser um pensador.

Recomendação de leitura:

PASCAL, Blaise. Pensamentos. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1973.

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