Olá!
Começo este texto domingo à noite e estou em Taubaté. Vim
trazer a mudança da filha mais nova, que finalmente conseguiu passar
em um concurso e vem mudando de mala e cuia com o namorado, para tentar sua
vida. Não é um grande salário, nem dela, nem do rapaz, mas a maior das
caminhadas começou pelo primeiro passo, na manjadíssima frase atribuída a
Confúcio. Quando eu casei, comparativamente ganhava bem menos, e eu me virei,
ainda mais tendo os filhos para criar. Ao que me consta, não há netos a
caminho, apenas o inefável Homem-Cueca, a quem dei a conhecer neste
texto. Então, boa sorte aos dois!
Ela sabe
dos meus projetos, e quer que eu já os leve a cabo, para ficar um pouco
mais perto. Realmente, já estou bem prestes a procurar um recanto tranquilo, e
tenho começado a procurar mais seriamente uma casa para mudar. Há entraves: a
indefinição pelo home office permanente no trabalho e os sogros, mas penso que
qualquer lugar onde eu possa chegar no máximo em quatro horas a São Paulo já
satisfaça essa condição. Da lista de lugares que tenho pesquisado, as mais
próximas de Taubaté são Santo
Antônio do Pinhal e São
Luiz do Paraitinga, e a mais longe é São
Thomé das Letras. Puxa, tudo nome de santo.
Movido pela combinação entre a vida nos céus atribuída aos
santos e pelo certo ar místico que estas cidades carregam, lembro dos relatos
das visões de óvnis que tanto povoam o imaginário de quem procura esses
lugarejos, assim como Curvelo, Corinto, Prudentópolis, Varginha, Peruíbe e mesmo
Brasília. Embora não seja uma relação obrigatória, há uma certa associação com
consumo de substâncias onde se relatam muitos avistamentos, principalmente
pelos detratores das duas ideias.
Tudo isso é bobagem, evidentemente. Nunca vi óvnis, com ou sem
substâncias. Mas o encantamento gerado por essas cidades revela uma grande
curiosidade que se funde a um tanto de gosto pelo perigo. Afinal de contas, não
foi só um filme que retratou os extraterrestres como forasteiros que tentam nos
colonizar, pobres e inocentes terráqueos.
Existe uma área de pesquisa chamada ufologia. Dependendo de
quem a exerce, pode ser plenamente científica, ou pode ser puro engodo, ou
ainda aqueles claros casos em que o viés de confirmação está a milhão,
aproveitando tudo o que confirma teses e descartando o que contradiz. É comum,
né?
O que eu acho disso tudo? Bem…
Nesse momento é preciso se colocar no humilde posto de ser humano e tentar se quantificar como o mínimo átomo que sou. Pensando no universo como uma imensa bolha finita, porém tão gigante que foge à minha possibilidade de compreensão, parece a mim muito tentadora a suposição de que o planetinha não tem nada de especial que não possa ser reproduzido alhures. Não vou conseguir propor exemplos, porque nada do que eu conseguir pensar vai dar algum tipo de dimensão das possibilidades de números tão incomensuráveis. Mas sou teimoso e vamos lá.
Imagine que você é uma mocinha padrão, e haverá uma festa à
noite. Mocinhas geralmente não gostam de se confrontar com roupas iguais às de
suas confreiras, porque existe aquela história de liquidações e baciadas. Então
digamos que você escolha uma cor que não seja tão comum, nem tão démodé. Digamos
que você escolhe uma peça solferino, que fica entre o vermelho e o roxo, cujo
nome se origina da comuna de Solferino, na Itália, onde se travou uma das mais
sangrentas batalhas da Guerra de Independência Italiana. Na sua festinha, pode
ser que a estratégia funcione às mil maravilhas, e você brilhe sozinha em sua
cor inusitada. Mas supondo agora que você more em uma cidade grande, imagine se
seria possível o mesmo sucesso em ser única em todas as festas desta mesma
cidade. Já aqui teremos uma exclusividade mais difícil. Alongue sua imaginação
e pense em todas as festas de seu estado. Não, não… pense nas festas do seu
país inteiro, de cada pequeno rincão até as mais populosas metrópoles.
Será que mais ninguém usará algo semelhante ao seu alegre vestidinho solferino?
Estenda o exercício mental ao continente e, finalmente, ao mundo inteiro. A
possibilidade de que sua roupa seja um fenômeno único, irrepetível, sem igual
vai se tornando muito, muito menor, a ponto de se achar impossível que mais
ninguém tenha usado exatamente o mesmo estratagema, ou que seja comum uma peça
deste gênero em outras plagas. E olha que eu estou usando uma amostra
absolutamente desproporcional, ridícula em termos de comparação com o universo
inteiro.
Serve bem para imaginar o quanto é uma visão egoísta supor
que a vida seja um atributo único deste combalido planetinha azul, cercado das
nuvens cada vez mais maléficas do efeito estufa. Em tanta extensão espacial,
não existirá nenhum outro recanto onde haveria condições de se reproduzir as
condições para o surgimento da vida?
No entanto, o fato é que não a vemos. Tirante os relatos
episódicos e as falsificações grosseiras, não há nada materialmente
concreto que possamos confiar sobre visitas à Terra. Por outro lado, nossas
escapadinhas espaciais também não resultaram em descobertas. Julio Verne
previu, ainda no século XIX, a chegada do homem à Lua, de um modo bastante
próximo ao que de fato se deu, mas não achamos selenitas por lá. Os tão
decantados marcianos também não, nem jupiterianos, saturninos, etc. Já não se
buscam homenzinhos verdes, mas vestígios de micróbios, ainda que fósseis. Miram-se
agora os satélites dos planetas exteriores, que parecem conter água e
fumarolas, ingredientes que fundamentaram o surgimento da vida cá em planetinha.
Esse é o paradoxo de Fermi, ou o “Grande Silêncio”. Esse
cara era um físico italiano importantíssimo na área das reações nucleares e da
física de partículas, incluindo no âmbito teórico que levou às bombas atômicas,
mas que não estava em um laboratório quando lançou exatamente essa questão, e
sim em uma mesa de bar, filosofando com os colegas. Se temos um universo
inimaginavelmente gigantesco, deve haver mais vida por aí. Mas cadê? Em que
diabos de lugar estão nossos vizinhos cósmicos, que não fazem barulho, não
acendem luzes radiantes, não martelam em nossa laje?
Eu faço a mesmíssima pergunta, sob os mesmos fundamentos. E
a resposta que eu mesmo me dou tem mais de Filosofia do que de Ciência, pelos
mais óbvios motivos: sou professor de Filosofia e a coisa ainda vai mais pelo
campo da especulação do que das evidências.
É preciso dividir o problema em duas partes. Se levarmos em
consideração qualquer forma de vida, coloco-me na posição da menina que escolhe
a roupa da exótica cor. É praticamente inimaginável que não haja algum tipo de
molécula que tenha se agrupado com outras e, por meio das reações químicas
adequadas, tenha conseguido se multiplicar. Mas elas não dão em árvores, e tudo
será muito diferente do que podemos comparar conosco. Já com relação a
civilizações com um mínimo de semelhança à terráquea, coloco-me no posto
rigorosamente cético. Não o ceticismo "dogmático" de alguns, que
batem o martelo sobre a questão da inexistência, mas na dúvida quase infantil
de quem aprende. E o que temos de empírico hoje sobre civilizações tecnológicas
consiste apenas novamente nele, o planetinha azul cada vez menos verde. Para
imaginar o que seria uma sociedade extraterrestre, temos somente nós mesmos
como referência.
E o que isso significa? Que o tempo que levamos para chegar
onde chegamos deve ser aproximadamente o mesmo tempo que outra civilização
levará para chegar ao mesmo ponto. Em algum outro canto do universo, alguma
forma de vida inteligente estará olhando para o céu e enviando coisas parecidas
com foguetes para seu sistema local, imaginando que à distância sideral haverá
povoação semelhante, talvez com os mesmos problemas filosóficos (garotas com
vestidos solferino?). Eles estarão cercados da mesma impossibilidade de
comunicação que nós temos hoje. Poderão estar mais avançados? Sim, mas isso não
dá para adivinhar, e o fato continua sendo um só: não temos nenhuma evidência
de vida extraterrena, nem porque nossos instrumentos foram incapazes de detectá-la,
nem porque tenhamos recebido qualquer visita comprovada. Enquanto isso, eu vou
me pondo na turma dos incréus.
O economista estadunidense Robin Hanson escreveu um
interessante artigo que parece lançar um pouco de luz à ausência dos vizinhos
espaciais. Há alguns marcos no desenrolar daquilo que chamamos de vida que são
decisivos no destino de uma espécie. Um deles, ou mesmo vários, podem
constituir autênticas barreiras para a expansão a longas distâncias, e, como as
mesmas são sucessivas e dependentes do bom termo de uma para o início da outra,
a dificuldade estaria na própria conjunção desses fatores, o que tornaria a
vida e sua manifestação fenômenos muito raros.
Hanson enumera várias dessas barreiras, mas como ele mesmo
não as coloca em um escopo fechado, tomo a liberdade de selecionar as mais
importantes. A primeira é o próprio surgimento de alguma coisa que se pode
chamar de vida: um tipo especial de agrupamento de moléculas que consegue
reproduzir a si mesmo e trocar energia com o ambiente. É preciso que o astro em
questão reúna algumas condições básicas para que os coacervados e aminoácidos
possam se catalisar em algum tipo de meio (considerando, claro, condições
semelhantes à Terra). O próximo salto é o aparecimento de microestruturas que
vão tornar o agrupamento uma célula autêntica. Por exemplo, é preciso que haja
algo como uma membrana para reter todos os elementos juntos, algo como
organelas para exercer funções orgânicas e algo como um núcleo para reter as
informações de reprodução. O próximo filtro é que essas coisas semelhantes a
células possam se organizar e se agrupar, de forma a constituir organismos
maiores e mais complexos. O que vem em seguida? Que alguma das espécies geradas
por esses organismos cada vez mais complexos consiga adquirir consciência e
reconhecer a si mesma como existente. Em resumo: vida inteligente. Por fim, no
filtro seguinte temos a necessidade que essa vida inteligente seja movida a se
organizar com seus semelhantes, de modo a formar uma sociedade, que ainda por
cima olhe para o céu e sinta a mesma vontade de explorar o espaço que nós
temos.
Pode ser que um ou vários desses fatores seja o Grande
Filtro, uma etapa que seja absolutamente insuperável para qualquer forma de
vida se dar a conhecer. Esse imenso obstáculo pode ser ainda alguma etapa que
nem sabemos qual seria. E aí vem a
grande pergunta: onde nós mesmos, seres humanos e planeta Terra, estamos com
relação a este filtro? Se nós os ultrapassamos, é possível que outra
civilização ainda o faça, e poderemos ainda ter algum tipo de comunicação, ou
também pode ser que em outro sistema planetário onde a sonda Pioneer chegar e
puder ser capturada, os nossos irmãos de cosmos leiam e interpretem os
elementos distintivos lá colocados*, e, quem sabe, tenham referências para nos
encontrar ou ao menos mandar sinais. Por outro lado, se nós ainda não
enfrentamos o Grande Filtro, temos a notícia segura de que arcaremos com
problemas como espécie. A pior delas é meio óbvia: não há estabilidade
suficiente em uma vida planetária para que haja tempo de se desenvolver a
tecnologia necessária para a comunicação com outras civilizações. Também é
possível que haja um limite na evolução biológica, que faz com que o tempo de
vida seja eternamente insuficiente para empreender viagens espaciais
verdadeiramente longas, já que o silêncio de Fermi abrange certamente os astros
mais próximos, e somente das distâncias menos mensuráveis é que viriam os tais
sinais. Há também a expectativa de problemas no meio físico. Haverá materiais
que resistirão a intempéries imprevisíveis quando vistas daqui da Terra? Haverá
tecnologia de armazenamento ou meios de coleta de energia em todos os pontos do
caminho para outras terras habitadas?
Sendo assim, temos duas dificuldades: a de assegurar a
existência de outras civilizações e a de poder conhecê-las, e é exatamente aí
onde encaixo meu ceticismo. Não se trata de duvidar que a vida exista fora
daqui, ou, pior ainda, cair na falácia fácil da poça
d’água, e achar que somos mais especiais do que realmente somos, e sim de
que não temos como saber, mui simplesmente. Por isso, de um ponto de vista mais
filosófico do que científico, creio ser altamente provável existir vida, mas
não posso me tirar da dúvida que ela seja minimamente semelhante à que temos em
nossa casa de paredes descascadas.
Bons ventos a todos!
Recomendações de leitura:
Como se diz por aí, Júlio Verne era um visionário. Em vários
dos seus livros, ele acabou por dar predições do que viria pelo futuro, com um
bom grau de acerto. Porém, diferentemente dos Nostradamus
da vida, seus prognósticos se baseavam na evolução da Ciência que ele via no
seu tempo, e não em transes místicos. Além disso, é ótima literatura.
VERNE, Júlio. Da Terra
à Lua. Barcelona: RBA, 2018.
O artigo sobre o Grande Filtro, de Robin Hanson, está
disponível na internet para que quiser consultar. Segue a citação.
HANSON, Robin. The
Great Filter. Are We Almost
Past It? Disponível em <https://mason.gmu.edu/~rhanson/greatfilter.html>.
Acesso em 27.04.2021.
* Pioneer é o nome
de um programa de sondas estadunidenses cujo objetivo era investigar o espaço
sem a necessidade de levar astronautas a bordo. Uma delas se tornou célebre por
carregar uma placa com uma série de dicas para ajudar uma eventual civilização
a ter referências sobre nós. Na imagem acima, coloco uma cópia desta placa.
Ela tem as seguintes representações:
- A transição do hidrogênio
- Modelos de corpos humanos
em tamanho comparativo com a sonda
- A posição relativa do Sol
através de pulsares
- O Sistema Solar
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