(Por que gostamos de coleções? E por que às vezes elas nos escravizam?)
“Acreditamos no óbvio. Mas quando o examinamos um pouco mais de perto, vemos que por trás do que chamamos de óbvio há uma porção de preconceitos, fé distorcida, crenças e assim por diante. Mas a fim de atingir e entender o óbvio, temos primeiro que nos agarrar ao óbvio, e esta é a maior dificuldade. Todos nós queremos ser sagazes ou secretos, ou tencionamos ser algo que valha a pena e assim por diante”.
Fritz Perls
Olá!
Clique aqui para acompanhar outros textos desta viagem…
No meu último texto, falei sobre a cidade de Virginia.
Eu não passei o dia inteiro lá, principalmente porque o Google me mandou chegar
através de um caminho de terra bem ruinzinho, e fiquei meio preocupado de fazer
a volta em horas mais escuras, com poucos recursos. Experiência? Não, coisa de
velho mesmo. Mas o fato é que eu podia fazer o percurso por asfalto, conforme
pude verificar na volta. É aquela velha história de confiar cegamente: fé cega,
faca amolada, já diziam Nascimento e Bastos. Porém, a nova proposta de rota me
permitiu dar uma passada pela cidade de São Sebastião do Rio Verde, de quem
começarei a falar agora.
A cidade tem esse nome pela junção de seu padroeiro, o santo
soldado que, conforme se narra, preferiu morrer a abjurar sua fé (escrevi sobre
o sincretismo que existe em torno dele quando falei sobre Senador
José Bento)…
… com o rio que corta a região, importante não só aqui, mas também em outras plagas, que acabam por também levar seu nome, como Conceição do Rio Verde.
São Sebastião do Rio Verde virou sede da mais nova estação turística que recebe a Maria-Fumaça da antiga rede ferroviária de Minas Gerais, em uma composição que vem da cidade de São Lourenço. Isso fez com que praticamente se dobrasse a rede disponível para reviver o passado, considerando o trajeto que leva a Soledade de Minas, já inaugurado a mais tempo.
Quem pegar o trem e vier para cá, terá a oportunidade de conhecer a igreja dedicada a São Sebastião, que impera na praça já próxima aos baixios da cidade.
A praça é daquelas típicas, onde ocorre a maior parte da
vida social da cidade, onde o povo se agrupa, toma suas cervejinhas e namora.
Como fica em um declive, toda a sua estrutura se baseia nas
pequenas rampas sucessivas, o que dá um certo ar piramidal à construção.
A praça contém algumas edificações interessantes e bonitas, da época em que ainda era sede do município de Pouso Alto, antes de ser rebaixada a distrito. Isso explica a presença de prédios históricos, como o do Fórum, que hoje abriga instituições como os Correios.
Como curiosidade, e levando em consideração se tratar de uma
das estações do Caminho Religioso da Estrada Real, há aqui um plano de
altimetria em forma de placa e anexo a um mapa, de forma a orientar os romeiros
o quanto devem reservar de forças à medida que avançam.
Bem no alto da cidade, antes de chegar na praça central, há
um marco típico da Estrada Real. Não deu tempo de tirar uma foto, e também
fiquei com um pouco de preguiça de voltar para fazê-lo, então peguei uma da
internet mesmo, mais especificamente no Google Maps, nas coordenadas
22.2269089, -44.9771486, apenas para ilustrar.
Já passei por várias cidades que fazem parte dessa rota: Cunha,
Baependi,
Caxambu,
Passa
Quatro, Itamonte,
Guaratinguetá, Aparecida e, principalmente, a precitada Pouso
Alto, quando aproveitei para trazer mais elementos sobre os fatos históricos
que a cercam. Estimulados pela associação que cuida dos interesses do roteiro,
os turistas que têm mais recursos passaram a enumerar suas passagens com
bibelôs, fotos e souvenires, de modo a recordar (ou ostentar) suas estadias.
Essa tendência levou o Instituto da Estrada Real a criar uma cartela onde se
pode recolher carimbos de passagem, de forma a completar esse passaporte como
se fosse um álbum de figurinhas.
Eu nunca me incomodei com esse tipo de coisa. Passei por
várias dessas cidades, como vocês puderam ver acima, e não sei até quando
continuarei passando por elas. É um dado importante saber que a cidade pertence
a esse circuito, pelo simples fato de que é um detalhe histórico importante
para saber por onde você anda, e não tenho nenhum tipo de problema com quem
preenche suas cartelas, só não acho isso tão significativo assim.
Eu sou um ET que não coleciona nada? Não, nada disso. Tenho
duas coleções dignas desse nome e uma espécie de juntado que algumas pessoas
também encaram como coleção. Vou contar rapidinho sobre cada uma delas.
A minha coleção mais antiga é de chaveiros, e também a mais
barata. Ela partiu de uma coleção preexistente, que era da minha mãe. Eu, ainda
criança, vi aquela caixa de sapatos cheia de chaveiros e a genitora me contou
detalhes de cada um deles. Peguei gosto pela coisa, conseguindo novas peças na
base da inconveniência infantil, muitas vezes obrigando meus parentes mais
velhos a se privar de sua peça apenas para que eu parasse com minha chatice.
Depois, comecei a comprar itens em viagens, ao invés de obter outros bibelôs.
Hoje, com o acesso mais facilitado a viagens internacionais, encarrego meus
amigos de me trazerem algum de onde vierem. Ofereço-me para pagá-los, mas nunca
aconteceu de alguém me cobrar. Assim sendo, tenho chaveiros de Cuba, República
Dominicana, México, Chile, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Japão e outros
lugares que não lembro agora. O armazenamento cresceu a ponto de se tornar um
problema: para que eu exponha os chaveiros, preciso de um móvel de grandes
dimensões, daqueles de custo exorbitante e alocação complicada, e os hoje
organizadores que os contêm vão ficando encostados nas paredes das intenções
nunca realizadas. Atualmente, meu objetivo é fazê-lo assim que me aposentar,
daqui a alguns anos. A ver.
Outra coleção é bem mais onerosa, bem mais recente e anda
bem mais devagar. São métodos para extração de café. Eles são tão presentes na
minha vida que até criei uma série sobre eles e as reflexões a que me levam,
que podem ser lidos neste link.
A coisa começou quando eu quis provar um sistema de extração diferente do Melittão
habitual e da máquina
de espresso dos bares da vida. Comprei uma cafeteira
italiana na loja da esquina e comecei a testar diferentes configurações de
extração, e percebi que, embora sutis, era possível conseguir diferenças
surpreendentes entre elas. Entretanto, um chaveiro custa uns dez reais, e um
método pode valer várias moedas empilhadas, razão pela qual desloco minhas
prioridades para coisas mais urgentes. Tenho até alguns objetos meio custosos,
mas nada que fira o orçamento, como fariam equipamentos Gaggia, Bialetti,
Delonghi, Breville e outros italianos de bolso cheio.
Por fim, tenho camisas de times de futebol. Eu,
particularmente, não considero uma coleção, mas há quem a chame assim. Vou
comprando de acordo com os jogos que vou assistir, sempre na base do artigo
mais barato. Também ganho algumas de presente, porque é aquele que não tem como
errar. Teve um texto
em que estiquei na cama meu pequeno acervo, que acabou por crescer. Mas não se
trata de algo sistemático, que eu tenha um mínimo de critério para comprar.
Chegou em casa, vai para junto das demais, só isso. Como costumo circular por
muitos estádios, tenho muitas camisas, punto e finito.
Sendo assim, não me é estranho o hábito de colecionar, mas o
colecionador de verdade (dizem) é aquele que busca a totalidade dos seus
objetos de desejo. Bem, para chaveiros, querer completude é uma espécie de probatio
diabolica, porque todos os dias serão lançados novos elementos no mundo
inteiro. Idem com métodos de café e mesmo camisas de clubes, mas há, de fato,
aqueles casos em que é possível manter uma coleção completa, como os discos de
um determinado artista ou, vejam vocês, a cartelinha das cidades da Estrada
Real. A grande pergunta é: por que nos incomodamos com isso? O que nos leva a
despender tempo, recursos e energia para encher o álbum de
figurinhas?
Vamos lá. Se nós formos partir do princípio de que existe
uma realidade, é preciso fazer uma diferenciação: o que é a realidade em si
mesma e qual é a forma com a qual ela é percebida. Essa distinção é importante
porque ela racha o conceito ao meio, porque quem percebe a realidade sempre é
uma consciência, e essa consciência é de cada um dos contribuintes deste
malfadado e cada vez mais quente planetinha. Ou seja, mesmo que uma realidade
exista, ela é uma para mim, outra para você, atípico leitor, mais uma ainda
para meu vizinho e outra para o seu. Quero dizer com isso que ninguém apreende
a realidade da mesma maneira que o amiguinho, porque nossas vidas podem se
assemelhar, mas nunca são iguais. Idem ocorrerá com nossos sentidos, com nossa
cultura, com nossos costumes. Tudo isso faz com que, mesmo que ainda seja
possível dizer que há uma realidade, ela é incognoscível.
Parece que a volta vai ser longa, mas nem tanto. Se você
conhece um pouco de filosofia, já sacará que eu falei de duas coisas no
parágrafo anterior: do noumeno kantiano
e da Fenomenologia,
sua derivada metodológica. É com eles que a ideia de que tudo depende de uma
consciência que absorva a realidade e que, por isso, é impossível que se chegue
a uma conclusão definitiva sobre cada coisa-em-si. Acontece que essa
particularização na forma de apreender o mundo não significa que não exista um
padrão no modo em como a percepção se dá pelas diferentes consciências, muito
pelo contrário. Se existem fronteiras para a mente, elas estão bem delimitadas
pela maneira com a qual o intercâmbio entre o objeto posto e o objeto percebido
são trabalhados pelo equipamento psíquico. Por exemplo, o roteiro deste
processamento sempre se dá no sentido de fora para dentro, com o uso dos
sentidos para concretizar esse trânsito. O que varia, como eu já disse, depende
do aporte cognitivo de cada um dos indivíduos. A realidade é como é para nós
mesmos porque ela se configurou desta forma.
A existência de padrões faz com que tenhamos tendências que
são razoavelmente parecidas em cada uma de nossas mentes, apesar de o resultado
final ser distinto para cada um. Um desses padrões é que sempre temos a
propensão em buscar completudes para elementos onde faltam pedaços, de forma
que sempre consigamos deduzir com a melhor precisão possível qual é o objeto
que está à nossa frente. Sendo assim, projetamos continuidades onde elas
faltam, acrescentamos números onde eles não existem, fechamos círculos abertos.
Este é o princípio geral da psicologia da Gestalt, de quem já falei
demoradamente neste
texto link. Se o tema te interessa, leia lá, porque está cheio de bons (e
futebolísticos) exemplos.
O fundamental é que o cérebro tem a faculdade de perceber
totalidades, de modo que as partes isoladas precisam estar em relação entre si
para compor um sentido completo. Uma absorção da realidade pode ser completamente
distinta de outra, ainda que esteja composta pelos mesmíssimos elementos,
porque há uma configuração que modifica todo o sentido daquilo que vemos. Mas é
aí que temos o pulo do gato. A mente tem a faculdade, mas não a obrigação, de
aceitar a totalidade que percebe. Quando olhamos a cartela de carimbos das
cidades visitadas na Estrada Real, podemos justamente nos voltar para o buraco
que falta, e não para os campos já preenchidos. Isso traz uma sensação incômoda
de que falta alguma coisa naquela configuração, de que há alguma engrenagem que
não gira e é justamente isso que nos move a completar aquela lacuna, o que nos
trará a confortável dimensão de estabilidade.
Em certa medida, isso ajuda a explicar por que temos uma
sanha interior de buscar as completudes, e há uma normalidade nisso, já que há
seus propósitos biológicos e psicológicos no dimensionamento complementar da
realidade que absorvemos. O propósito de fazer coleções fica razoavelmente
fundamentado por esse princípio, além de outros fatores, como vaidade e
aspectos afetivos. O problema está quando passamos do ponto, e o que era um
hobby passa a ser um sofrimento de múltiplos aspectos.
Por exemplo: o carimbo que falta no passaporte da Estrada
Real pode produzir um planejamento que me fará economizar dinheiro para obtê-lo
nas próximas férias, o que é bom e normal. A questão chega quando ocorre uma
compulsão que me leva a um endividamento para consegui-lo, ou faltas ao
serviço, ou hospedagens perigosas. Imagine a situação de uma pessoa que chega
ao posto de registro e o encontra fechado. Em níveis normais, nada mais
ocorreria do que ficar levemente puto, e voltar outro dia. Uma pessoa acometida
de um transtorno certamente terá sua viagem estragada, que por vezes é cara,
pelo fato prosaico de não conseguir um canalha de um carimbo, estampado com
tinta vagabunda (ou não). O mesmo ocorreria comigo se eu me pusesse a fazer
carnês e deixasse de comprar meu feijãozinho sagrado para comprar os caríssimos
métodos italianos. Há um ponto em que precisamos conter os nossos ímpetos, para
o bem de nossa vida como um todo. Mas pode ser pior.
O extremo desses transtornos está naqueles que recentemente
começaram a ser chamados de acumuladores. Eu já falei sobre acúmulos neste
espaço, especialmente porque eu tenho uma pessoa bem próxima dada a esse
hábito - minha sogra. Tudo quanto é cisco e caco sem importância ela guarda,
achando que poderá ter serventia em algum momento, e isso a leva a preencher
quartos, quintais, corredores, fundos de cama, mesa e qualquer espaço
minimamente disponível de objetos que obviamente não terão utilidade alguma.
Convencer uma pessoa com esse nível de transtorno a se livrar de alguma de suas
porcarias é missão quase impossível. Meu sogro teve brigas homéricas porque
jogou fora alguma coisa largada que achou ser lixo, e, para não esquentar a
cabeça, simplesmente largou mão de tentar algum argumento. O caminho da cama
para o guarda-roupa é uma picada por onde há ameaça de avalanche em qualquer
esbarrão, que às vezes acontecem. Não adianta fazer menção a qualquer espécie
de aconselhamento psicológico, porque sua já decantada fúria é imediatamente
despertada.
Não vou discutir a terapêutica aplicada a esses casos,
porque eu não tenho conhecimento para tanto, mas a própria teoria da Gestalt, a
meu ver, oferece propostas de solução, tanto para a situação das
compulsões, quanto dos acúmulos. Vamos então dar uma olhadinha nisso.
O psicólogo Fritz Perls é um crítico da Psicanálise, para
quem o linguajar utilizado é tão hermético que impossibilita qualquer
interessado em compreender suas teses. O problema é que, segundo ele, sob essa
linguagem maquiada e pernóstica, há longas dissertações sobre o óbvio, e então
era de maneira óbvia e simples que deveria se expressar. Além disso, ele
discorda de que o inconsciente seja tão preponderante sobre o equipamento
psíquico, a ponto de tornar a instância consciente um navegante de um barco sem
leme. Vê que a mente funciona com um mecanismo de compensação semelhante ao que
acontece com toda a parte fisiológica do corpo, e dá exemplos disso. Quando há
qualquer desarranjo que provoque um mal para o organismo, ele mesmo procura,
através dos mecanismos que têm disponíveis, recuperar seu equilíbrio. Isso
acontece com alterações de pressão, ritmo cardíaco, níveis de açúcares e tantos
outros fenômenos sujeitos a intempéries, que acontecem o tempo todo, porque
outras ocorrências mais prosaicas, como satisfazer a fome, também causam um
desequilíbrio que clama por normalização. A doença ocorre quando não é possível
restabelecer seu status normal. Por exemplo, quando os níveis de glicose não
são levados a certo nível após um período de jejum, temos a diabetes, que
espalha desgraça por todo o corpo quando não tratada. Essa busca por
estabilidade é chamada de homeostase e também pode ser incluída no nível
mental.
Tá. Mas como a psique resolve seus desequilíbrios? A
primeira coisa é que temos a tendência de perceber totalidades, mas isso não
significa que esse processo se dê sem perturbações. Tudo vai depender das
necessidades circunstanciais que temos em um momento, de modo a processar a
realidade circunstante e satisfazer as nossas necessidades. Isso fará variar o
conceito chave da Gestalt conhecido como figura-fundo, que nada mais é
do que aquilo que nossos sentidos absorvem em primeiro plano em qualquer
circunstância que demande sua atenção.
Eu vou usar como exemplo uma música. Imagine-se chegando no
fim da tarde em sua casa e colocando os fones de ouvido, antes de deitar-se no
sofá. Você escolhe uma música no LP que você acaba de colocar no prato, mais
especificamente na faixa Time do álbum The Dark Side of the Moon,
do Pink Floyd, bem conhecida para facilitar nossa dinâmica. Coloca a agulha no
artefato e repousa o corpo sobre o sofá, já descalço e com as luzes apagadas.
Lentamente, vai começando a penetrar uma massa sonora em seus ouvidos, mas ela
não vem em um bloco estanque. A princípio, é fácil, apesar de assustador. O
ribombar dos despertadores nos traz a um estado de alerta, sem que consigamos
fixar um foco em nenhum deles, até que ouvimos a estranha percussão que simula
as batidas de um coração, que puxa toda a atenção para si. A instrumentação
começa espaçada, seguindo o ritmo já imposto. Neste momento, já perdemos parte
da atenção na percussão e a levamos para o conjunto de baixo-guitarra-teclado.
Quando a introdução acaba e o corpo da música irrompe, somos puxados pela parte
vocal e pela poesia que carrega consigo. Isso vai persistir até o magnífico
solo de David Gilmour, que chama para si todo o eixo atencional do audiente, até
o retorno da melodia cantada e, enfim, sua conclusão. Pois bem. Tudo aquilo que
chamou nossa atenção central é aquilo que chamamos de figura, e tudo o que
ajudou a compor o ambiente, sem, no entanto, ficar no centro, é o fundo.
Notem duas coisas. Primeiro, é possível a qualquer um mudar
a figura nessa configuração, bastando que lancemos conscientemente nosso foco
para outro ponto. No momento do solo, por exemplo, podemos aguçar os ouvidos
para absorver o trabalho de teclados que está sendo feito e, nesse caso, ele é
a figura, enquanto a guitarra fará parte do fundo. Segundo, movido por
interesse próprio, também é possível que a figura já seja outro instrumento,
motivado, por exemplo, pelo fato de ser um baixista ouvindo a música e, nesse
caso, a figura são as linhas de baixo, enquanto o solo vai para o fundo.
Essa relação figura-fundo, ou seja, de ênfase no que se
percebe, pode ser uma boa explicação para as compulsões dos colecionadores.
Enquanto você exibe a cartela cheia de carimbos, uma pessoa em situação de
equilíbrio emocional verá como figura o monte de quadradinhos preenchidos, e os
buracos estão no fundo. Eles somente serão notados secundariamente, em um
momento de análise mais profunda. Já para quem não se conforma com os claros, são
eles que constituem a figura, sendo que tudo o mais que foi realizado fica para
o fundo. A percepção de totalidade dessa pessoa estará turvada pelo
desequilíbrio, e a auto-regulação psicológica não consegue resolver o
desequilíbrio, a homeostase não se dá, e aí temos a condição patológica. Idem
com o acúmulo. Aquele monte de quinquilharia está suprindo algum tipo de
desequilíbrio contra o qual o contribuinte não consegue lutar. Perls entende
que é através do reconhecimento da maneira como se dá a configuração entre o contato
que fazemos com nosso ambiente que permite assumir certas responsabilidades
sobre nossas reações. Se eu sei que uma partida de futebol modorrenta me
irrita, saber refazer a sua configuração é a solução para que o desconforto
diminua: olhar o movimento da torcida, procurar algum anúncio novo, ou mesmo
praticar um autocontrole, tudo isso ajuda. Nessa ótica, os próprios
transtornados têm condições de mudar a configuração de suas compulsões,
observando, por exemplo, o quanto a sua casa poderia ser mais espaçosa e
confortável tendo menos acúmulos.
De uma forma ou de outra, repito que não me incomodo com
quem tem suas coleções, desde que não se tornem grilhões. Bons ventos a todos!
Recomendação de leitura:
O principal papa da gestalt-terapia é o alemão Friedrich
(Fritz) Perls, que levou as ideias da Gestalt para o consultório e lá fez
interessantes observações.
PERLS, Fritz. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular
da Terapia. Rio de Janeiro: LTC, 1988.
Nenhum comentário:
Postar um comentário