(Sempre soubemos que a Filosofia ocidental se originou dos gregos. Mas será que não há princípios ainda mais antigos?)
Olá!
Preparem-se porque vai ter muita coisa de Curitiba por aqui,
assim como de Taubaté. Quem me segue há tempos, sabe que tenho dois filhos, e
os dois saíram de São Paulo em busca de melhores oportunidades. A mais nova foi
para o Vale do Paraíba, o mais velho para o Paraná. Por isso, fico trafegando
para lá e para cá. E isso vai dar muitos textos.
Curitiba é uma cidade reconhecidamente funcional, e que
possui muitos atrativos. Todas as vezes em que eu venho para cá, o moleque mais
velho se encarrega de me mostrar um lugar novo, sendo que o da vez é o Museu Egípcio
e Rosacruz, que fica no complexo pertencente à sociedade de mesmo nome.
Esta ordem está muito relacionada ao Corpus Hermeticum e outros textos atribuídos a Hermes Trismegisto, análogo ao deus egípcio Toth, a quem se confere a criação do alfabeto e o primado sobre a sabedoria. São obras que versam sobre uma visão holística do cosmos e que o colocam como permeado por uma divindade muito semelhante ao nous que é referido por Anaxágoras.
Isso explica duas coisas. A primeira é sua preferência por
coisas do Egito antigo, local de onde se origina o pensamento que desembocará
no Corpus.
A segunda é o aspecto de sociedade secreta da Rosacruz. Ela
surge em um momento onde ainda era perigoso apresentar divergências com o
cristianismo então reinante, e, por isso, não era saudável apresentar-se
desabridamente como pertencente a campos de pensamento distintos.
Mesmo com origem incerta, os historiadores atribuem a fundação da ordem Rosacruz a Christian Rozenkreutz, que sistematizou alguns manifestos escritos por volta dos inícios do século XVII, e que acabou por emprestar seu nome ao grupo. Já a AMORC, que gere este espaço, foi fundada por Harvey Spencer Lewis e tem seus princípios gerais resumidos na frase abaixo:
O museu trabalha com aspectos históricos, artísticos e culturais advindos do Egito. Um dos itens de entrada é uma reprodução da célebre Pedra de Roseta, um fragmento de rocha que continha escrita hieroglífica. A grande sacada era que o mesmo texto estava também escrito em grego, uma língua conhecida. Sendo assim, foi possível, por comparação, deduzir os significados dos hieróglifos, o que pode ser aproveitado para muitos outros textos que permaneciam envoltos em mistério.
Este artefato foi descoberto nas invasões napoleônicas, que o fizeram chegar a Jean-François Champollion, o autor de sua tradução.
Há duas múmias lá dentro, não egípcias, e colocadas como
exemplo do processo de mumificação. Respeitei o aviso de não as fotografar,
limitando-me ao modelo situado do lado de fora da câmara onde estavam.
Além disso, inúmeros outros artigos de natureza egípcia estão espalhados pelas salas e nichos do museu, cada um com suas devidas descrições.
No pátio exterior, há o Complexo Luxor, onde fica a Alameda das Esfinges, reprodução do caminho que ligava os templos de Karnak e Luxor.
As esfinges eram seres míticos que combinavam seres humanos e leões, e simbolizavam a proteção inteligente, e por isso era comum vê-las ladeando os templos.
O Pátio do Obelisco contém uma homenagem ao faraó Tothmés III. Estes monumentos eram representações da eterna permanência. O fato de serem encimados por piramidhiuns que apontam para o sol fazia com que sempre resplandecessem durante o dia, reforçando a representação que pretendiam.
O Atrium Romano contém uma estátua do imperador Augusto César, que iniciou a Pax Romana, período em que o Império Romano, apesar do domínio político, procurou manter a cultura e a identidade dos povos conquistados, de forma a ser obtido um intercâmbio cultural sem precedentes na história.
Por fim, o Memorial Rosacruz é uma réplica do existente na Califórnia, e contém inúmeros elementos da cultura egípcia antiga. Em seu interior, há espaços meditativos e uma maquete de todo o complexo.
Quando observamos o surgimento do pensamento filosófico
entre os antigos gregos, nós vamos perceber que o principal ponto estava em
trazer uma nova tradução do cosmos. Por que nova? Porque já tínhamos uma
interpretação, que vinha da mitologia. As religiões, tanto
a pública quanto a mistagógica, faziam uma leitura dos fenômenos que,
embora carregasse sentido, baseava-se muito no misticismo, onde uma grande
parte era uma "explicação inexplicada". O que quero dizer com isso?
Quando eu antropomorfizo um fenômeno natural, atribuindo-o a um deus, como os
raios de Zeus, os oceanos de Netuno ou a sexualidade de Afrodite, estou dando
uma explicação do porquê eles ocorrem no cosmos e na humanidade. Entretanto,
toda a explicação dos originadores destes fenômenos está no campo poético da
livre criação humana. Suas gêneses são histórias contadas entre as gerações,
sem que possuam lastro no universo observável. Acreditar nessas histórias é
matéria de fé, porque não conseguimos observá-las, nem as reproduzir.
Os primeiros filósofos não puseram o pensamento mítico
simplesmente de lado, mas iniciaram nele uma transmutação progressiva. Não
bastava unicamente as histórias contadas pelos antepassados, mas aquelas que
estivessem vinculadas a uma amarração lógica. E nesse caso eles começaram pelo
começo: se a explicação mítica é insuficiente para deslindar o princípio de
tudo, onde poderemos buscar alternativas? Ora, no mesmo lugar onde está
depositada a nossa capacidade de desconfiar das narrativas tradicionais: na
razão e em sua ferramenta, a lógica. A água
de Tales, que inaugurou esse modelo de pensamento filosófico, não é um mero
chute. Ele a indicou porque fez observações e delas tirou deduções que fazem
sentido. Se ainda atribuiu aos deuses seu surgimento e funcionamento, é porque
nos encontrávamos em uma fase de transição, porque nada se modifica por
decreto.
Seus sucedâneos aperfeiçoaram o pensamento, questionando a
própria origem da água e propondo outros
paradigmas de arché, mas sempre mantendo a nova característica: todo
discurso tem agora a necessidade de um encadeamento de raciocínios. Se
incluiremos divindades, elas deverão fazer parte da lógica, e não se enfiarem
na conversa de modo ad
hoc.
Percebam que, por trás das articulações lógicas e da
observação do cosmos, há um substrato para a formação de teorias. Fazemos um
uso coloquial desse termo confundindo-o com hipóteses, mas ele significa,
literalmente, a explicação de um fenômeno concreto. As teorias que estes
filósofos propunham vão no sentido de se formar a Ciência, em um tempo onde
havia muito pouco instrumental além do cérebro para diferenciá-la da Filosofia.
Filosofia e Ciência eram praticamente sinônimos, e a filosofia grega dos
primeiros tempos tinha essa magnífica característica: ela já apontava para a Ciência.
Bom… e o que temos do pensamento oriental e norte-africano?
Vai no mesmo sentido? Já aqui precisamos balizar que não temos a menor
pretensão de classificar validades e hierarquizar importâncias dentre os
diferentes paradigmas. Pensando nos povos orientais, não nos referimos a
chineses, muito longínquos ainda, ou a japoneses e coreanos, de onde emanaram
filosofias ricas, mas com as quais os gregos ainda não haviam estabelecido
contato. Pensamos em babilônios, caldeus, hebreus, persas e, mais remotamente,
hindus e bengalis. O corpo de sabedoria oriundo desses povos continha o mesmo
alicerce sobre o qual os gregos iniciaram sua aventura intelectual: a mitologia
religiosa. Entretanto, a guinada grega, como se pode perceber, deixou de levar
em consideração um plano puramente espiritual, talvez pelo fato de que a
cultura helênica não estivesse tão fortemente influenciada pela religião, ao
contrário do que ocorria com as culturas orientais. Enquanto o grego tinha a
religião como uma prática secundária, onde os principais encargos eram deixados
nas mãos dos sacerdotes, esses outros povos não podiam, como faziam os gregos,
relativizar as funções de suas divindades. Uma comparação meio besta: o grego
era como os católicos de estatística, enquanto o oriental era como os crentes.
Quem tem sua vida mais preenchida pela religião, tem mais dificuldade em
escapar de seus ditames. Por isso, vemos uma imensa maioria de católicos que
não estão em plena conformidade com o que determinam seus mandatários: camisinha,
anticoncepcionais, carnaval e tantos outros. Já o evangélico é mais radical, e
é difícil que fuja das predisposições de seus pastores, sob pena da punição
eterna. O raciocínio entre as etnias helênicas e orientais é mais ou menos a
mesma. Os gregos confortavelmente colocariam de lado Zeus em detrimento de uma
boa explicação observável para os trovões, enquanto os hebreus jamais
excluiriam Javé de qualquer fenômeno que ocorresse no mundo. Com isso, a
filosofia oriental estava muito permeada da religiosidade para que fosse
possível afastar a explicação mítica de seus mecanismos, e isso a afasta do
paradigma aproximativo da Ciência e do uso puro e simples da razão.
Por outro lado, podemos perguntar sobre qual seria o
objetivo grego com a Filosofia. É bem verdade que já mencionei o direcionamento
rumo à Ciência que foi dado pelo conhecimento dos primeiros filósofos, mas o
que se pretendia com isso? A princípio, o conhecimento por si só, o
conhecimento pelo conhecimento. Sabe aquelas fofocas de rua, onde dona Corina
quer saber porque a filha de dona Xepa anda chegando todo dia tarde em casa?
Nada vai mudar nem na enjoativa vida de dona Corina, nem na desditosa vida de
dona Xepa, nem na danada vida de sua filha, mas a gana de saber é quase
irresistível. O mesmo acontece para objetivos mais elevados do que a mera
futricação, com o ponto em comum de que não se busca uma utilidade que vá mudar
o preço do dólar, mas um alimento intelectual, um saber por saber, que abra as
portas de cognições cada vez mais aprofundadas.
É bem verdade que os egípcios constituíam um povo com uma
elite intelectual muito bem desenvolvida para a época, exemplificados pelo Mouseion
de Alexandria e sua célebre biblioteca, que eram mais do que depósitos de
papiros, mas locais de intensa atividade intelectual e didática, sede de
debates e de produção de conhecimento. Mas o conhecimento egípcio tinha uma
especificidade em relação ao grego. Aqui, o teor prático do saber estava muito
mais em evidência do que junto aos helenos.
Os egípcios e outros povos africanos tinham um conhecimento
matemático notável. Desenvolveram noções de cálculo extremamente precisas, que
usavam largamente em suas celebérrimas obras de engenharia, como as pirâmides,
as esfinges e represas aproveitando a água do rio Nilo. Todo esse conhecimento,
ao contrário do que ocorria com a vertente grega, tinha propósitos
eminentemente práticos, que, se por um lado ajudavam a desvendar os fundamentos
do cosmos, por outro dava menos importância àquilo que pode ser chamado
essencialmente de filosófico. Eles priorização os "comos", e não os “porquês".
Poderíamos dizer que os egípcios tinham bases ainda mais científicas que os
gregos, mas sem subir aquele degrau do conhecimento pelo conhecimento, aquela
coisa de ter todas as cadeias de causas e efeitos à sua frente. Os gregos
chegam ao esplendor da matematização filosófica com a
escola pitagórica, onde todo o funcionamento universal pode ser reduzidos a
números, uma proposta à qual os egípcios não se interessaram a chegar.
Desta forma, podemos chegar a uma estrutura do pensamento
grego que o diferencia das demais correntes cognitivas contemporâneas. Enquanto
aos orientais a explicação mítico-religiosa era suficiente e até mesmo
necessária para que se possa compreender o universo, e aos egípcios e outros
povos africanos o objetivo prático era autossuficiente e bastante para
justificar a atividade intelectual, para o grego era preciso ter o todo: a
origem, o desenrolar e a conclusão.
Daí para frente, minhas caras pessoas, é definir o
que é Filosofia e verificar se toda a discussão acima tem cabimento ou não.
Pode ser que, ainda assim, possa-se debater se os outros elementos intelectuais
sejam imprescindíveis para a formação do pensamento grego e ainda mais
originais que eles, mas a formatação da Filosofia como vemos ainda hoje no
ocidente segue o esqueleto inaugurado no momento em que se decidiu entender não
só o que eram as coisas, mas o que estava por trás das coisas, com a mesma
razão que usamos para medir nossos campos e situar nossas colheitas. Bons
ventos a todos!
Recomendações:
Mencionei o Corpus Hermeticum, então vou recomendá-lo. Eu
utilizei um áudio livro, para aproveitar em momentos de trabalhos manuais, mas
o ideal é sempre ter uma versão escrita. Como é difícil conseguir uma versão comentada
imparcial, o ideal é pegar o texto seco e um livro de história. Localizei a
edição abaixo, que me parece bastante boa.
Trismegisto, Hermes (atrib.). Corpus hermeticum. São
Paulo: Polar, s.d.
O Museu Egípcio e o Complexo Luxor, embora não sejam daqueles
mais mencionados quando se pensa em Curitiba, são de visita essencial. Segue
seu endereço.
Museu Egípcio e Rosacruz
Rua Nicarágua, 2641 - Bacacheri
Curitiba/PR
Aproximadamente 400 km a partir do centro de São Paulo
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