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domingo, 5 de fevereiro de 2023

Os verdes mares de onde não há mar – 10ª parada: Consolação, azeite e aquecimento global

(Quanto podemos sentir do aquecimento global até mesmo em uma simples garrafinha de azeite?)

Olá!

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No meio da tarde de quando fui a Conceição dos Ouros, fui até um barzinho para tomar uma água, em um dos raros dias mais quentes daquela turnê. Estando lá, vi alguém comentar sobre o azeite que se produzia em uma cidade vizinha, ali bem perto, que tinha prêmios e galardões, embora o preço fosse uma salmoura. Eu também já tinha ouvido falar disso, e rememorando São Bento do Sapucaí e Maria da Fé, perguntei a mim mesmo "por que não?". A cidade em questão tem o nome de Consolação e é para lá que eu fui.

A pequeníssima cidade, a menor de toda essa minha viagem, chamava-se Capivary, depois Tapari, até que se resolveu mudar o nome para a designação atual, derivada do nome da padroeira local, Nossa Senhora da Consolação.

Foi ao redor dessa igreja, inicialmente uma capela curada, que se começou a povoação de Consolação, antes uma região de mata fechada, dada sua condição geográfica serrana.

O município, desde então, mantém-se como a menor população do Circuito das Serras Verdes, com algo em torno de 1700 habitantes.

Não obstante esses fatos, e tendo sua elevação a município razoavelmente recente, o lugar não é essencialmente novo, podendo ser encontradas no centrinho algumas construções mais antigas.

Além da conservação das áreas naturais, Consolação tem um dos melhores climas de Minas Gerais, dada a altitude de sua sede, que garante verões amenos e invernos úmidos, não sendo incomum a ocorrência de nevoeiros.

Como o turismo ainda não é explorado com intensidade, muitos dos seus recursos são pouco conhecidos, com bastantes cachoeiras escondidas e de domínio apenas local. O mais notável são as pedras de mirante, que ficam espalhadas pela região rural.

Eu vim aqui atrás do tal azeite, e não seria difícil de achar, já que a marca, Casa Mantiva, é a mais célebre do pedaço. As plantações de azeitona koroneiki, de origem grega, ainda não são comuns no Brasil, mas justamente se valendo do clima, a fazenda Jequitibá investiu na produção de um azeite de fino trato.

Vacinado por dar com a cara na porta nessas viagens que fiz pelo meu piccolo mondo, tive uma iluminação. Peguei o telefone do estabelecimento na internet para saber se não ia encontrar uma porteira fechada com três rottweilers na porta, e acertei no meio do alvo. Era o celular do dono, que me disse que ele nem estava lá, porque a safra do ano foi pobre e todo o estoque estava esgotado. Poupei uma boa hora de estrada de terra, mas ainda perguntei se eu conseguiria encontrar alguma garrafinha para comprar pela cidade. Referência dada, encontrei o último frasco ainda disponível por ali, que vinha com um kit de cerveja, patê e pimenta.

O Sr. Carlos, dono da fazenda, ainda me explicou por telefone que o motivo da baixa produção esteve vinculado ao clima meio revoltado do último ano. Para produzir bem, as oliveiras necessitam de um ciclo climático bem comportado, com as fases de calor e chuva começando nos momentos ideais. Do contrário, a produção fracassa mesmo, e o jeito é esperar a safra seguinte.

Sr. Carlos falou, em suas palavras, sobre a incerteza cada vez maior do tempo, que tem ficado cada vez mais inconstante, o que não é ruim apenas para a produtividade, mas para a manutenção do nosso modus vivendi. Se a gente não tomar prumo, sabe-se lá até quando aguenta a vida no planetinha azul cada vez mais quente. Certos efeitos vão ser muito complicados, afetando litorais, vida marinha, e tantas outras coisas que é até cansativo dizer.

Mas há muita gente que não acredita no aquecimento global, ou até acredita, mas entende que o homem não tem nada com isso, que o mundo sempre foi assim e, se está acontecendo agora, azar. Outros põem na balança as perdas e acham que seu conforto é mais importante que o bem-estar geral. Doenças do capitalismo? Sim, mas não vou entrar nessa seara assim de cabeça.

A questão é partir da intuição pura e simples. De fato, estamos vivendo uma primavera-verão dos mais frios que eu já vi, com pouco sol e temperaturas bem amenas, raramente passando dos habituais trinta graus. Os quase quarenta dos verões anteriores eram coisas para o Rio de Janeiro. Cá em Sampa, 35 já é para derreter miolos. Aí vem um engraçadinho e diz: "tô vendo que aquecimento global, até comprei um blusão de couro". O engraçadinho pode ser até mesmo eu, em um momento de pilhéria, de chiste, de bazófia, de chalaça, de zombaria, de nugacidade, de motejo, de pulha. Só que tem gente que fala isso de verdade.

Entretanto, mesmo partindo da intuição, podemos perceber que algo não vai bem. Quem tem meus mesmos cinquenta anos, há de lembrar que, até a década de 80, fazia muito mais frio em Terra da Garoa, que tem até mesmo esse nome injustificado hoje em dia. Ora, por que? Por conta das mudanças climáticas. Então vivíamos enfiados dentro de casa nas férias de julho, porque o frio e a fina garoa não deixavam que fizéssemos grandes coisas nas ruas. E decorávamos todos os desenhos que passavam na tevê, sem internet que éramos. Até mesmo as obtusas lições de férias (se eram férias, como havia lições?) acabavam sendo uma distração para o tédio recolhido, diziam alguns. Eu nunca disse isso.

Hoje em dia, usamos o termo “holístico”. Ele tem um significado meio místico de compreender a totalidade das coisas, e isso nos leva a pensar no mundo todo encadeado. Se é fato que intuitivamente eu percebo mudanças climáticas, também intuitivamente percebo fenômenos indiretos delas. Eu lembro dos pirilampos que povoavam o jardim da minha casa. Pirilampos são adorados pelas crianças, porque parecem fusquinhas com os faróis acesos. Quando encontrávamos um, ficávamos enchendo o saco dele até que o indigitado pegasse o beco. Agora não vemos mais pirilampos em São Paulo. Pode ser causado pelos ruídos, pela luminosidade, pelos inseticidas ou porque as camadas de fuligem não permitem que eles se alimentem direito. Vejam vocês: estamos falando de insetos, provavelmente a camada mais resistente à destruição dos bichos que possuem esqueleto (exo, no caso). Se isso tudo acontece, podemos olhar para o nosso redor que veremos algo mais de errado. As coisas mudam no mundo, mas sempre com um motivador.

O aquecimento global não é derivado da ira divina, mas de um fenômeno natural conhecido como efeito estufa, que funciona mais ou menos assim: a Terra é aquecida pela ação dos raios solares, assim como ocorre com os demais planetas do sistema. Os planetas refletem boa parte da energia que recebem, e a variação de temperatura, sem se considerar a existência da atmosfera, seria extremamente violenta, muito quente na face virada para o sol, muito fria do lado oposto, de forma a impossibilitar a manutenção de estruturas biológicas. Ocorre que a atmosfera possui gases em sua composição que modificam esse regime, através da proteção à incidência de radiação direta e da retenção de parte desse calor, exatamente como faz as estufas de morango que encontramos em Atibaia ou Bom Repouso. Isso dá uma estabilidade na temperatura que cria uma faixa onde os organismos conseguem se desenvolver.

Só que tem uma coisa: passando do ponto, o efeito estufa, natural e desejado, acaba deixando a temperatura do planeta em um nível muito elevado, o que também é incompatível com a vida que conhecemos. Se quisermos vislumbrar um efeito estufa de gente grande, basta darmos uma olhadinha no nosso vizinho, o planeta Vênus. A presença maciça de compostos de carbono em sua atmosfera retém a temperatura ao ponto de fazer a superfície estar permanentemente submersa nas nuvens, de modo a ser impossível vê-la através dos telescópios terráqueos. Não se sabe exatamente o processo que levou a Estrela d'Alva a chegar nesse ponto, mas o fato é que suas temperaturas chegam a ser mais altas que a de Mercúrio, mais próximo do Sol. Se quisermos vislumbrar nosso futuro em um extremo do efeito estufa, basta olhar para Vênus.

Eu falei em carbono? Coincidência ou não, é exatamente este o subproduto que lançamos na atmosfera todas as vezes que queimamos combustíveis, e é nesse fator que enxergamos as digitais dos seres humanos no processo de aquecimento global atualmente em voga. As provas vêm através da tecnologia de datação de isótopos de carbono. Não se assustem, não vou me aprofundar, mas há um decaimento radiativo de acordo com a idade que algum elemento existe na natureza. Por isso, é possível calcular a idade aproximada de um determinado elemento. O carbono sempre esteve por aqui, no próprio ar que respiramos, em nossas casas, nossas ruas e calçadas. Só que hoje cerca de um terço de todo o carbono detectável na atmosfera estava enfiado no subsolo até cinquenta anos atrás. Ou seja, são originários da prospecção de petróleo, o que demonstra a enormidade da quantidade do elemento inserida a mais acima da crosta terrestre. É ou não é um certificado de culpa no cartório?

Outro indicador incontestável é o fato de a estratosfera, a camada da atmosfera imediatamente acima daquela onde está o ar que respiramos, estar esfriando, ao invés de aquecer juntamente. Em um cenário de aquecimento global por causas naturais, também ela estaria se tornando mais quente, mas esfria justamente porque a capa formada por gases de efeito estufa está cada vez mais espessa, o que não deixa o calor da troposfera se dissipar para o frio da estratosfera.

Há resistências. Bem pouca gente duvida do aquecimento global, mas há uma camadinha que defende ser um fenômeno natural, inevitável e, talvez, irreversível. Só que os motivos apontados acima são quase indisputáveis, o que, pasmem, pode até ser bom. Isso porque não é possível saber até o presente momento se saltamos a linha do não-retorno, aquele ponto em que teremos torcido tanto o parafuso que ele terá arrebentado as buchas, nada mais restando a fazer do que reduzir os danos, até onde e se for possível. Mas se as mudanças climáticas são antropogênicas, então é possível ter esperança, porque modificar os hábitos nocivos ao ambiente está nas mãos de governos, empresas e pessoas. Novamente, se fosse uma transformação natural, não haveria muito o que fazer, mas sendo detectado que a causa do aquecimento é o homem, então é possível torcer para que a linha não tenha sido saltada e seja possível reverter o fenômeno. Mas é preciso agir. 

A primeira coisa a fazer é se conscientizar de que as coisas de ciência devem ser cuidadas por cientistas. A questão é muito simples de entender, embora haja gente que dê ouvidos a farsantes. Mesmo o mais empedernido dos religiosos vai ao médico quando está doente, porque medicina é coisas de médicos, não de religiosos. Quando quero consertar meu carro, vou ao mecânico; se for medir um terreno, procuro um agrimensor. Se a questão é quantificar dados, ouço um estatístico, e, se há pendências na justiça, o caso é com um advogado. Por que diabos deveria ir atrás de um adivinho em questões de clima, que é assunto para meteorologistas, climatologistas, geógrafos? Uma maneira fácil de se obter informações é através do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC em inglês), um órgão da ONU que coleta informações do mundo inteiro e produz relatórios e gráficos sobre as alterações climáticas. Seu objetivo não é só ser catastrofista e assustar as pessoas, mas de fornecer dados confiáveis para que os países-membros possam formular políticas públicas de contenção na emissão de poluentes, por exemplo. Vejam este gráfico, um dos mais famosos de todo o painel, que demonstra a elevação das médias globais de temperatura desde 1850:

Os detratores se apoiam naquela versão da pós-verdade que afirma ser as mudanças climáticas um engodo dos comunistas, que querem espalhar igualdade na marra, cerceando o desenvolvimento das nações dependentes da matriz energética petrolífera. É uma sonora bobagem - o país com maiores índices de poluição de hoje é comunista. Isso só prova que pessoas acreditam em contos da carochinha que melhor lhes convém, nada mais do que isso.

Filosoficamente falando, essa contraposição entre defensores e detratores da constatação da mão humana nas alterações ambientais está na pequena compreensão da dimensão ética que o problema carrega. Desde o velho Aristóteles já se falava em uma identificação do que é propriamente humano e de qual seria sua teleologia, que, segundo o estagirita, seria atingir um supremo bem, representado pela eudaimonia, o estado de junção entre virtude e sabedoria. Isso somente poderia ser atingido pelo homem porque a ele é reservada essa característica própria. A felicidade não pode ser caracterizada por um prazer do tipo hedonista, porque isso é procurado até mesmo pelos animais. O que uma pessoa que se importa menos com o bem-estar coletivo do que com o próprio faz exatamente isto - posse, poder e prazer são uma tríade que não representa o máximo da melhor característica humana - a racionalidade. E como se exerce a areté, a tal virtude tão importante para o mundo grego? Através da justa medida, o meio-termo, um equilíbrio entre o conforto individual e o bem-estar coletivo. Nem abrir mão de se valer das tecnologias modernas, nem deixar de pensar no que é nocivo para o mundo como um todo, incluindo os demais seres. Ufa!

Este ano está com um tempo diferente do esperado, mas isso não significa que o aquecimento não esteja acontecendo. Essa apreensão imediata é ingênua, e se alguém disser que isso é prova do erro das alterações climáticas, cai na velha dicotomia: ou está enganado, ou está enganando.

E o azeite, no final das contas. É tudo isso? Não sei, ainda não o abri. Vou fazê-lo quando estiver com os filhos todos juntos, com uma boa bengala de pão italiano e uma garrafa de vinho para celebrar a vida. Bons ventos a todos!!!

Recomendação de site:

O IPCC recolhe informações fidedignas do mundo inteiro, sendo o principal repositório de informações para o tema, tanto para cientistas quanto para políticos. Seus dados estão disponíveis para quem quiser consultar.

https://www.ipcc.ch/

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