(Quanto podemos sentir do aquecimento global até mesmo em uma simples garrafinha de azeite?)
Olá!
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No meio da tarde de quando fui a Conceição
dos Ouros, fui até um barzinho para tomar uma água, em um dos raros dias
mais quentes daquela turnê. Estando lá, vi alguém comentar sobre o azeite que
se produzia em uma cidade vizinha, ali bem perto, que tinha prêmios e
galardões, embora o preço fosse uma salmoura. Eu também já tinha ouvido falar
disso, e rememorando São
Bento do Sapucaí e Maria
da Fé, perguntei a mim mesmo "por que não?". A cidade em questão
tem o nome de Consolação e é para lá que eu fui.
A pequeníssima cidade, a menor de toda essa minha viagem,
chamava-se Capivary, depois Tapari, até que se resolveu mudar o nome para a
designação atual, derivada do nome da padroeira local, Nossa Senhora da
Consolação.
Foi ao redor dessa igreja, inicialmente uma capela curada,
que se começou a povoação de Consolação, antes uma região de mata fechada, dada
sua condição geográfica serrana.
O município, desde então, mantém-se como a menor população
do Circuito das Serras Verdes, com algo em torno de 1700 habitantes.
Não obstante esses fatos, e tendo sua elevação a município
razoavelmente recente, o lugar não é essencialmente novo, podendo ser encontradas
no centrinho algumas construções mais antigas.
Além da conservação das áreas naturais, Consolação tem um
dos melhores climas de Minas Gerais, dada a altitude de sua sede, que garante
verões amenos e invernos úmidos, não sendo incomum a ocorrência de nevoeiros.
Como o turismo ainda não é explorado com intensidade, muitos
dos seus recursos são pouco conhecidos, com bastantes cachoeiras escondidas e
de domínio apenas local. O mais notável são as pedras de mirante, que ficam
espalhadas pela região rural.
Eu vim aqui atrás do tal azeite, e não seria difícil de
achar, já que a marca, Casa Mantiva, é a mais célebre do pedaço. As plantações
de azeitona koroneiki, de origem grega, ainda não são comuns no Brasil,
mas justamente se valendo do clima, a fazenda Jequitibá investiu na produção de
um azeite de fino trato.
Vacinado por dar com a cara na porta nessas viagens que fiz
pelo meu piccolo mondo, tive uma iluminação. Peguei o telefone do
estabelecimento na internet para saber se não ia encontrar uma porteira fechada
com três rottweilers na porta, e acertei no meio do alvo. Era o celular do
dono, que me disse que ele nem estava lá, porque a safra do ano foi pobre e
todo o estoque estava esgotado. Poupei uma boa hora de estrada de terra, mas
ainda perguntei se eu conseguiria encontrar alguma garrafinha para comprar pela
cidade. Referência dada, encontrei o último frasco ainda disponível por ali,
que vinha com um kit de cerveja, patê e pimenta.
O Sr. Carlos, dono da fazenda, ainda me explicou por
telefone que o motivo da baixa produção esteve vinculado ao clima meio
revoltado do último ano. Para produzir bem, as oliveiras necessitam de um ciclo
climático bem comportado, com as fases de calor e chuva começando nos momentos
ideais. Do contrário, a produção fracassa mesmo, e o jeito é esperar a safra
seguinte.
Sr. Carlos falou, em suas palavras, sobre a incerteza cada
vez maior do tempo, que tem ficado cada vez mais inconstante, o que não é ruim
apenas para a produtividade, mas para a manutenção do nosso modus vivendi.
Se a gente não tomar prumo, sabe-se lá até quando aguenta a vida no planetinha
azul cada vez mais quente. Certos efeitos vão ser muito complicados, afetando
litorais, vida marinha, e tantas outras coisas que é até cansativo dizer.
Mas há muita gente que não acredita no aquecimento global,
ou até acredita, mas entende que o homem não tem nada com isso, que o mundo
sempre foi assim e, se está acontecendo agora, azar. Outros põem na balança as
perdas e acham que seu conforto é mais importante que o bem-estar geral.
Doenças do capitalismo? Sim, mas não vou entrar nessa seara assim de cabeça.
A questão é partir da intuição pura e simples. De fato,
estamos vivendo uma primavera-verão dos mais frios que eu já vi, com pouco sol
e temperaturas bem amenas, raramente passando dos habituais trinta graus. Os
quase quarenta dos verões anteriores eram coisas para o Rio de Janeiro. Cá em
Sampa, 35 já é para derreter miolos. Aí vem um engraçadinho e diz: "tô
vendo que aquecimento global, até comprei um blusão de couro". O
engraçadinho pode ser até mesmo eu, em um momento de pilhéria, de chiste, de
bazófia, de chalaça, de zombaria, de nugacidade, de motejo, de pulha. Só que
tem gente que fala isso de verdade.
Entretanto, mesmo partindo da intuição, podemos perceber que
algo não vai bem. Quem tem meus mesmos cinquenta anos, há de lembrar que, até a
década de 80, fazia muito mais frio em Terra da Garoa, que tem até mesmo esse
nome injustificado hoje em dia. Ora, por que? Por conta das mudanças
climáticas. Então vivíamos enfiados dentro de casa nas férias de julho, porque
o frio e a fina garoa não deixavam que fizéssemos grandes coisas nas ruas. E
decorávamos todos os desenhos que passavam na tevê, sem internet que éramos.
Até mesmo as obtusas lições de férias (se eram férias, como havia lições?)
acabavam sendo uma distração para o tédio recolhido, diziam alguns. Eu nunca
disse isso.
Hoje em dia, usamos o termo “holístico”. Ele tem um
significado meio místico de compreender a totalidade das coisas, e isso nos
leva a pensar no mundo todo encadeado. Se é fato que intuitivamente eu percebo
mudanças climáticas, também intuitivamente percebo fenômenos indiretos delas.
Eu lembro dos pirilampos que povoavam o jardim da minha casa. Pirilampos são
adorados pelas crianças, porque parecem fusquinhas com os faróis acesos. Quando
encontrávamos um, ficávamos enchendo o saco dele até que o indigitado pegasse o
beco. Agora não vemos mais pirilampos em São Paulo. Pode ser causado pelos
ruídos, pela luminosidade, pelos inseticidas ou porque as camadas de fuligem
não permitem que eles se alimentem direito. Vejam vocês: estamos falando de
insetos, provavelmente a camada mais resistente à destruição dos bichos que
possuem esqueleto (exo, no caso). Se isso tudo acontece, podemos olhar para o
nosso redor que veremos algo mais de errado. As coisas mudam no mundo, mas
sempre com um motivador.
O aquecimento global não é derivado da ira divina, mas de um
fenômeno natural conhecido como efeito estufa, que funciona mais ou menos
assim: a Terra é aquecida pela ação dos raios solares, assim como ocorre com os
demais planetas do sistema. Os planetas refletem boa parte da energia que
recebem, e a variação de temperatura, sem se considerar a existência da
atmosfera, seria extremamente violenta, muito quente na face virada para o sol,
muito fria do lado oposto, de forma a impossibilitar a manutenção de estruturas
biológicas. Ocorre que a atmosfera possui gases em sua composição que modificam
esse regime, através da proteção à incidência de radiação direta e da retenção
de parte desse calor, exatamente como faz as estufas de morango que encontramos
em Atibaia
ou Bom
Repouso. Isso dá uma estabilidade na temperatura que cria uma faixa onde os
organismos conseguem se desenvolver.
Só que tem uma coisa: passando do ponto, o efeito estufa,
natural e desejado, acaba deixando a temperatura do planeta em um nível muito
elevado, o que também é incompatível com a vida que conhecemos. Se quisermos
vislumbrar um efeito estufa de gente grande, basta darmos uma olhadinha no
nosso vizinho, o planeta Vênus. A presença maciça de compostos de carbono em
sua atmosfera retém a temperatura ao ponto de fazer a superfície estar
permanentemente submersa nas nuvens, de modo a ser impossível vê-la através dos
telescópios terráqueos. Não se sabe exatamente o processo que levou a Estrela
d'Alva a chegar nesse ponto, mas o fato é que suas temperaturas chegam a ser
mais altas que a de Mercúrio, mais próximo do Sol. Se quisermos vislumbrar
nosso futuro em um extremo do efeito estufa, basta olhar para Vênus.
Eu falei em carbono? Coincidência ou não, é exatamente este
o subproduto que lançamos na atmosfera todas as vezes que queimamos
combustíveis, e é nesse fator que enxergamos as digitais dos seres humanos no
processo de aquecimento global atualmente em voga. As provas vêm através da
tecnologia de datação de isótopos de carbono. Não se assustem, não vou me
aprofundar, mas há um decaimento radiativo de acordo com a idade que algum
elemento existe na natureza. Por isso, é possível calcular a idade aproximada
de um determinado elemento. O carbono sempre esteve por aqui, no próprio ar que
respiramos, em nossas casas, nossas ruas e calçadas. Só que hoje cerca de um
terço de todo o carbono detectável na atmosfera estava enfiado no subsolo até
cinquenta anos atrás. Ou seja, são originários da prospecção de petróleo, o que
demonstra a enormidade da quantidade do elemento inserida a mais acima da
crosta terrestre. É ou não é um certificado de culpa no cartório?
Outro indicador incontestável é o fato de a estratosfera, a
camada da atmosfera imediatamente acima daquela onde está o ar que respiramos,
estar esfriando, ao invés de aquecer juntamente. Em um cenário de aquecimento
global por causas naturais, também ela estaria se tornando mais quente, mas
esfria justamente porque a capa formada por gases de efeito estufa está cada
vez mais espessa, o que não deixa o calor da troposfera se dissipar para o frio
da estratosfera.
Há resistências. Bem pouca gente duvida do aquecimento
global, mas há uma camadinha que defende ser um fenômeno natural, inevitável e,
talvez, irreversível. Só que os motivos apontados acima são quase
indisputáveis, o que, pasmem, pode até ser bom. Isso porque não é possível
saber até o presente momento se saltamos a linha
do não-retorno, aquele ponto em que teremos torcido tanto o parafuso que
ele terá arrebentado as buchas, nada mais restando a fazer do que reduzir os
danos, até onde e se for possível. Mas se as mudanças climáticas são antropogênicas,
então é possível ter esperança, porque modificar os hábitos nocivos ao ambiente
está nas mãos de governos, empresas e pessoas. Novamente, se fosse uma
transformação natural, não haveria muito o que fazer, mas sendo detectado que a
causa do aquecimento é o homem, então é possível torcer para que a linha não
tenha sido saltada e seja possível reverter o fenômeno. Mas é preciso
agir.
A primeira coisa a fazer é se conscientizar de que as coisas
de ciência devem ser cuidadas por cientistas. A questão é muito simples de
entender, embora haja gente que dê ouvidos a farsantes. Mesmo o mais
empedernido dos religiosos vai ao médico quando está doente, porque medicina é
coisas de médicos, não de religiosos. Quando quero consertar meu carro, vou ao
mecânico; se for medir um terreno, procuro um agrimensor. Se a questão é
quantificar dados, ouço um estatístico, e, se há pendências na justiça, o caso
é com um advogado. Por que diabos deveria ir atrás de um adivinho em questões
de clima, que é assunto para meteorologistas, climatologistas, geógrafos? Uma
maneira fácil de se obter informações é através do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC em inglês), um órgão da ONU que coleta informações do
mundo inteiro e produz relatórios e gráficos sobre as alterações climáticas.
Seu objetivo não é só ser catastrofista e assustar as pessoas, mas de fornecer
dados confiáveis para que os países-membros possam formular políticas públicas
de contenção na emissão de poluentes, por exemplo. Vejam este gráfico, um dos
mais famosos de todo o painel, que demonstra a elevação das médias globais de
temperatura desde 1850:
Os detratores se apoiam naquela versão da pós-verdade
que afirma ser as mudanças climáticas um engodo dos comunistas, que querem espalhar
igualdade na marra, cerceando o desenvolvimento das nações dependentes da
matriz energética petrolífera. É uma sonora bobagem - o país com maiores
índices de poluição de hoje é comunista. Isso só prova que pessoas acreditam em
contos da carochinha que melhor lhes convém, nada mais do que isso.
Filosoficamente falando, essa contraposição entre defensores
e detratores da constatação da mão humana nas alterações ambientais está na
pequena compreensão da dimensão ética que o problema carrega. Desde o velho
Aristóteles já se falava em uma identificação do que é propriamente humano e de
qual seria sua teleologia, que, segundo o estagirita, seria atingir um supremo
bem, representado pela eudaimonia,
o estado de junção entre virtude e sabedoria. Isso somente poderia ser atingido
pelo homem porque a ele é reservada essa característica própria. A felicidade
não pode ser caracterizada por um prazer do tipo hedonista, porque isso é
procurado até mesmo pelos animais. O que uma pessoa que se importa menos com o bem-estar
coletivo do que com o próprio faz exatamente isto - posse, poder e prazer são
uma tríade que não representa o máximo da melhor característica humana - a
racionalidade. E como se exerce a areté, a tal virtude tão importante
para o mundo grego? Através da justa medida, o meio-termo,
um equilíbrio entre o conforto individual e o bem-estar coletivo. Nem abrir mão
de se valer das tecnologias modernas, nem deixar de pensar no que é nocivo para
o mundo como um todo, incluindo os demais seres. Ufa!
Este ano está com um tempo diferente do esperado, mas isso
não significa que o aquecimento não esteja acontecendo. Essa apreensão imediata
é ingênua, e se alguém disser que isso é prova do erro das alterações
climáticas, cai na velha dicotomia: ou está enganado, ou está enganando.
E o azeite, no final das contas. É tudo isso? Não sei, ainda
não o abri. Vou fazê-lo quando estiver com os filhos todos juntos, com uma boa
bengala de pão italiano e uma garrafa de vinho para celebrar a vida. Bons
ventos a todos!!!
Recomendação de site:
O IPCC recolhe informações fidedignas do mundo inteiro,
sendo o principal repositório de informações para o tema, tanto para cientistas
quanto para políticos. Seus dados estão disponíveis para quem quiser consultar.
https://www.ipcc.ch/
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