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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Sobre a Filosofia Árabe e os motivos de sua descontinuidade

Olá!

Quando escrevi o metapost (texto comemorativo à 100ª manifestação neste espaço), resolvi franquear a palavra aos meus principais leitores e colaboradores, dentre os quais Vitor Bertalan, que também é autor de um post que fala sobre a concepção de boa arte. Abusado, ele não pediu que se desenvolvesse apenas um, mas dois textos. Cumprirei minha tarefa a partir de agora, falando sobre a Filosofia Árabe, a famosa (?) Falsafa.



Vou estabelecer que não farei grandes diferenças entre os povos árabes propriamente ditos e seus vizinhos persas, otomanos e afegãos, para que o texto não se torne muito enjoativo. Portanto, não me taxem de incoerente porque estou plenamente consciente do fato.

Começando do começo: os árabes fazem parte dos povos que constituíam a região do Crescente Fértil, um trecho do Oriente Médio razoavelmente bem servido de água potável em forma de arco, o que faz lembrar, no mapa, uma meia-lua. É nesse lugar do mundo que surgem dois marcos históricos da humanidade: o desenvolvimento da agropecuária e a invenção da escrita, o que, convenhamos, não é pouca coisa. A agricultura permitiu ao homem um controle sobre a natureza nunca obtido anteriormente, o que fez com que seus rumos itinerantes não fossem mais necessários; o homem já não precisava mais ser nômade. E a escrita... bem, a escrita permite que você leia meus textos, que comente o que você acha, que registremos nossas constatações, histórias, experimentos e experiências.

Podemos atribuir aos fenícios, povo que habitava a região onde hoje fica situado o Líbano, a dupla tarefa de ser porta de entrada e de saída de mercadorias e da cultura regional, formando uma espécie de cosmópole para onde convergia conhecimento do mundo inteiro (mundo então conhecido, entenda-se bem) e de onde se irradiava o conhecimento médio-oriental para esse mesmo mundo. Digamos, portanto, que a Fenícia era um roteador full-duplex, que mandava e recebia conhecimento de toda parte. E por que isso acontecia?

Porque a Fenícia não estava no pedaço mais favorável do Crescente Fértil, mas era muito próxima a ele. Os fenícios habitavam uma região litorânea, onde não era possível desenvolver atividades de cunho agrícola ou pastoril. Para sobreviver, eles se lançaram ao mar, seu grande campo de seara, e se tornaram uma civilização náutica, que baseava sua atividade econômica no comércio. Como dominaram técnicas de metalurgia e vidraçaria, eram grandes exportadores de armas e objetos de vidro, e compravam de tudo: vinhos, marfim, papiro, tecidos, especiarias, e assim vai. Eram o que, no meu tempo de criança, chamávamos de mascates, só que em dimensões multinacionais. 

Com o tempo, os fenícios criaram uma imensa rede comercial que interligava Ásia, Europa e África. Azeite grego era vendido no Egito, joias turcas eram vendidas entre os etruscos, perfumes ibéricos eram vendidos na Macedônia, interligando as diversas regiões atingíveis do globo. Para dar suporte à logística necessária ao empreendimento, os fenícios fundaram uma série de colônias no Mar Mediterrâneo: Chipre, Sicília, Sardenha, Córsega, Espanha, Cartago. Com a lábia típica de quem se especializou no comércio, conseguiram se estabelecer em todos esses lugares sem guerra. Sua ideia não era conquistar territórios, mas estabelecer entrepostos que facilitassem o trâmite de suas mercadorias. Mas, além de produtos, os fenícios exportavam e importavam conhecimento, amparados pela sua invenção mais célebre, o alfabeto. Da mesma forma que traziam e levavam mercadorias de todo o mundo conhecido, também traziam e levavam ideias. A Fenícia não era apenas um entreposto comercial, era um depósito de linhas de pensamento.

Bem, isso explica satisfatoriamente a formação da Fenícia. Mas a região que estamos estudando era muito maior do que hoje representa o litoral do Líbano. Como esse conhecimento se espalhou para o restante do Oriente Médio?

A visão que temos hoje do Oriente Médio é de toneladas de areia sobrepondo um subsolo coalhado de hidrocarbonetos de origem fóssil, mais conhecidos como petróleo. Mas esse produto, valiosíssimo nos dias atuais, não tinha qualquer significado comercial a três mil anos atrás, até mesmo porque mal se sabia de sua existência, sendo conhecido basicamente na forma de betume. A região desértica e predominantemente árida era um fator invencível de limitação à fixação de habitantes em vilas e comunidades. Isso porque a agricultura era virtualmente impossível e a extração tremendamente restrita. Desta forma, o jeito era apelar para os constantes deslocamentos entre lugares onde era possível se abastecer, criando assim uma cultura nômade. Esses indivíduos eram chamados de beduínos (do árabe badawï, que significa “deserto”), e, com sua formação tribal e seus camelos e caravanas, espalhavam pela região produtos e conhecimentos, de maneira similar com o que faziam os fenícios em ponto maior.

Isso tudo permitiu à cultura árabe tornar-se prodigiosa, porque não ficava aprisionada a um único sistema de pensamentos. De posse de informações as mais diversas, podiam confrontá-las e combiná-las de modo a sintetizar o suprassumo do conhecimento de então, incluindo Filosofia, Ciências e Técnica. E o mais importante – moldou o ethos do povo daquela região. Percebam como até hoje árabe é sinônimo de comerciante (tudo bem, é um estereótipo, mas não injustificado). Já com relação a um interesse filosófico que esmaeceu... Chegaremos lá.

Então concluímos que esse é o substrato que está no alicerce de uma cultura que, de sábio em sábio, de poeta em poeta, desemboca na Falsafa, o resplendor da Filosofia Árabe.

A Falsafa é uma palavra que significa Filosofia em árabe. Pela proximidade das duas palavras, é possível perceber que uma derivou da outra e que significam a mesmíssima coisa: amor ao saber. É considerada como o período clássico do conhecimento árabe, não só pela quantidade e qualidade de sua produção, mas também pela forte influência que os filósofos gregos clássicos nela exerceram, em especial os escritos de Aristóteles.

Coincide com a Idade Média ocidental, tanto no período quanto na temática. A Falsafa é teocêntrica, e faz suas investigações com o viés do Islamismo então surgente. Mas não se limitou aos estudos da relação do homem com suas divindades, em processo semelhante ao que ocorreu com a filosofia medieval europeia (para entender porque não é verdade a monotemática atribuída à Era Medieval, leiam aqui).

Os sábios árabes em geral eram considerados polímatas, ou seja, homens versados em mais de uma área de conhecimento, podendo militar não somente na Filosofia, mas nas Ciências em geral, na Religião, nas Artes e etc. Com o propósito de acolher e centralizar a difusão do conhecimento, o califa Al-Mamun fundou uma biblioteca chamada de Casa da Sabedoria, onde eram traduzidas obras oriundas de todas as partes do mundo conhecido. Foi lá que se deram as famosas traduções para o árabe das obras de Aristóteles, grande base do desenvolvimento da Falsafa. Foi do trabalho realizado na Casa da Sabedoria, inclusive, que a obra aristotélica chegou aos teólogos cristãos, como São Tomás de Aquino e Duns Scotto, e não diretamente do grego.

Da Casa da Sabedoria, o primeiro grande filósofo foi Al-Kindi, o Pai da Filosofia Árabe. Era estudioso em matemática, medicina, farmacêutica e geometria, entre outros. Sua mais significativa contribuição filosófica foi o estudo de compatibilidades entre a razão e a teologia islâmica, especialmente na conciliação entre uma teologia natural, onde os sinais divinos são observados pelos desdobramentos dos fenômenos naturais, e uma teologia revelada, como é o caso das religiões abrâmicas (Judaísmo-Cristianismo-Islamismo), que são sistematizadas através de emanações transcendentais, de manifestações das divindades, que podem ser reduzidas a códigos escritos. Muito embora Al-Kindi desse preferência à primeira linha de interpretações, especialmente pelo fato de que uma teologia natural é plenamente acessível à razão, entendia que as revelações eram necessárias para compreender aquilo que se transpunha ao alcance da compreensão humana. Importava de Aristóteles uma tese semelhante à do Primeiro Motor Imóvel, que especula a existência de uma causa primeira, não causada...

(Funciona assim, crianças: tudo o que se move, move-se porque algo o pôs em movimento. Uma pedra se move porque alguém a atirou; alguém a atirou porque moveu o braço; moveu o braço porque seu organismo tinha forças para fazê-lo; tinha forças para fazê-lo porque se alimentou, blá, blá, blá. Aristóteles entendia que era possível realizar esse retrocesso infinitamente, até chegar em um ponto em que a anterioridade se esgota – algo moveu sem ser movido. Esse é o Primeiro Motor Imóvel).

... mas, estendendo o conceito aristotélico, Al-Kindi via a causa primeira, Deus, como um princípio de unidade para tudo o que existe. A partir desta constatação, discute longamente qual seria a natureza desse Deus.

Em seguida, podemos falar de Al-Farabi, tão letrado quanto Al-Kindi, tanto que de seu nome derivou o termo alfarrábio, que significa livro cujo principal valor é ser antigo. Além de Ciências Naturais e Música, Al-Farabi também teve grande interesse no estudo de Ética, Política e Economia. A sua filosofia desloca-se do caráter mais especulativo para um sentido mais empírico, e discorreu maciçamente sobre os limites do conhecimento humano, principalmente em descobrir suas causas originais. Na Política, Al-Farabi tenta redesenhar a cidade ideal de Platão. Esta cidade seria a territorialização de uma sociedade que teria uma extensão do mundo inteiro.

Depois, falemos de Al-Kwarizmi. Menos filósofo e mais matemático, de seu nome derivam dois termos muito conhecidos em nosso dia-a-dia: algarismo e algoritmo. O primeiro porque nosso herói utilizou os símbolos numéricos indianos e acrescentou a eles um fator imprescindível para a matemática: o conceito de zero. Sim, pessoas. Fazemos contas por causa deste cidadão. O segundo se deu pelo desenvolvimento de equações cuja resolução era descrita passo a passo, em um processo que derivou ao que hoje utilizamos em linguagem de programação. Criador da álgebra, sua principal contribuição filosófica está no campo da lógica, na medida em que as resoluções de suas equações pelo método algorítmico fornecem uma metodologia para a matematização do pensamento.

Seguimos com Al-Ghazali, precursor de René Descartes e da dúvida metódica, e de Malebranche com seu Ocasionalismo. Sua principal contribuição é a quebra com uma certa dependência ao pensamento grego, dando ênfase ao Sufismo, uma corrente mais mística e contemplativa do Islamismo, baseada no autoconhecimento, e que guarda alguma relação com religiões do Oriente mais distante, como o Hinduísmo e o Mazdeísmo. Segundo seu pensamento, toda a sorte de efeitos em que a alma tem influência sobre o corpo, ou todo movimento que do corpo se dirige à alma são ocasiões para que Deus se manifeste. Desta forma, Deus é a mola propulsora de toda a cadeia de causa e consequência que se observam no universo.

Daí, vamos para Ibn-Khaldun, historiador que introduz vários conceitos sociológicos (apesar de não serem chamados assim). Também introduz uma Filosofia da História baseada em ciclos, que interpreta a História como a repetição constante do mesmo modelo de acontecimentos. Mesmo que estes não sejam iguais, as estruturas que os conduzem são sempre as mesmas. Desta forma, é possível prever os desdobramentos de fatos históricos através da análise de situações semelhantes que ocorreram anteriormente. Observou ainda o modo como a Economia era uma irradiadora de consequências nos estratos sociais e versou sobre o papel do Estado na sua regulação.

Vamos agora para os três mais conhecidos filósofos árabes medievais. O primeiro é Avicena, muito conhecido na medicina, mas que também foi um filósofo de ponta. Ainda que ligado à teologia, é pelo caminho da razão e da evidência que prefere trilhar. Por isso mesmo, suas teses por vezes conflitavam com o pensamento islâmico ortodoxo, em especial na questão do universo eterno. Talvez sua principal tese seja a distinção entre mente e corpo. Para tentar prová-la, Avicena lança mão do exercício do Homem Voador, no qual há o descarte dos sentidos para reconhecer a atividade mental. A suposição é a de que, de posse de todas as faculdades cognitivas, um homem inicia repentinamente sua existência, suspenso no ar e de olhos vendados, sem que possa tocar em nada, privando-se assim de qualquer sensação. Em uma assertiva semelhante ao cogito cartesiano, esse homem voador tem certeza da existência do eu, mas a indisponibilidade dos sentidos impede que se busquem referenciais externos, que só poderiam ser obtidos pelo corpo. Somente há a mente ao seu dispor, destacada do corpo ou de outro meio físico. Portanto, há uma clara distinção entre ambos.

Averróis é quem segue. Tem como novidade seu trabalho na área judiciária, e elaborou uma teoria hierárquica da sociedade, com uma visão platônica, já que entendia ser necessária uma distinção entre uma elite letrada para o exercício filosófico, enquanto à prole seria destinado o seguimento literal do Corão. Mas o filósofo em tela não cria que o livro sagrado dos muçulmanos fornecesse uma visão precisa da verdade. Entendia que muitas vezes lançava mão de lirismo, para postular verdades que precisariam ser interpretadas. Da mesma forma que Avicena e Aristóteles, colocava-se em oposição às teses corânicas para afirmar a infinitude do universo. Acreditava em uma visão inédita da imortalidade do homem, baseada no compartilhamento intelectual. O homem como indivíduo morre, dizia ele, mas, quando doa ao intelecto uma verdade permanente, ele deixa uma porção de si para a eternidade. E também elaborou a teoria da dupla verdade – são reais tanto as verdades de fé quanto as verdades da razão, a cada uma dado conhecer conforme seu alcance.

E fecharemos esse rol de filósofos com Muhammad Rumi, sufista como Al-Ghazali. Tinha uma filosofia mística, mas que não era desprovida de razão. Ele imaginava que o homem era uma ponte entre o passado e o futuro que se sucediam de forma espiral, descrevendo uma progressão, e não um círculo. A extensão dessa espiral era a eternidade, onde também era eterna a sucessão de vida, decaimento e morte, e a transformação de formas de vida é garantia da continuidade universal. Rumi afirmava que a intelecção desta forma de conhecimento não vem da razão; é preciso intuí-la através da prática da emoção, chefiada pela prática do amor.

Pois bem. Por que, aparentemente, a Filosofia Árabe para por aí? As hipóteses que consegui levantar são as seguintes:

1) Traçando um paralelo com a Europa, verificamos que a linha geral do pensamento desloca-se de Deus para o homem na medida em que floresce o Iluminismo e diminui a influência das igrejas cristãs. A Filosofia Árabe ainda permanece por mais tempo atrelada ao teocentrismo, e sua ligação cada vez mais forte com a religião, que se tornava sempre mais sedimentada em sua sociedade – em oposição ao que acontecia com o Cristianismo na Europa – tornou menos mutáveis as linhas de pensamento. Os progressos civilizatórios contrastavam com o código corânico, dado pela divindade, imutável, e que codificava não somente os ritos e práticas cerimoniais, mas também todo o conjunto da vida social e política. Ao contrário do que ocorreu no passado, quando o mundo árabe se formou com base na importação de mercadorias e conhecimento, agora temos um império que se esfacelava, aculturados pela colonização.

2) Não conhecemos nada do mundo árabe, e esse é um ótimo fator para falar bobagens, incluindo acreditar que não se pratica mais filosofia no Oriente Médio. Desde as Cruzadas, o mundo ocidental criou uma visão do Oriente Médio baseada no exótico, e essa visão estereotipada se arrasta até os dias de hoje. Quem nos tece um soberbo painel desse hábito de nossa cultura é o escritor palestino (portanto médio-oriental) Edward Saïd, um daqueles filósofos a quem precisamos ler para compreender um pouco melhor o que é nosso mundo. Em sua obra Orientalismo, Saïd faz uma ampla análise de como o Ocidente tem uma visão distorcida do mundo árabe, demonstrando como os povos ocidentais construíram ao longo da história uma imagem do Oriente Médio que não tem muito a ver com a realidade.

Um dos principais problemas que a concepção de Orientalismo traz é a tendência a enxergar o Oriente Médio como um bloco monolítico, como eu mesmo fiz no início deste texto. Não é. Estamos falando de inúmeras etnias, espalhadas por um território extenso, cada uma com seus hábitos e costumes próprios. O Islamismo parece um traço comum, mas não é. A poligamia parece um traço comum, mas não é. O autoritarismo e a violência parecem traços comuns, mas não são.

Essa invenção tem um propósito: legitimar o colonialismo. Apresentada de modo romanceado, mas com um viés alienante, a cultura médio-oriental é idealizada de forma a poder ser considerada inferior à ocidental. O primeiro passo deste processo é a construção da imagem. Através de relatos e obras literárias, o mundo árabe é-nos colocado como um espaço das ardilosidades dos vizires, da lubricidade das odaliscas, da ostentação dos sultões, um mundo antiquado e embrutecido. É uma imagem que busca opor, na aparência, uma cadeia de valores. Sempre teremos a tendência de achar nossos valores mais preciosos que os do outro.

O segundo passo é o silenciamento. Após construir a imagem do Oriente pelo Ocidente, não se permite a réplica em sentido contrário. E isso é feito através da invisibilidade da cultura real. Continuamos a apresentar o Oriente Médio como cultura inferior, atualmente estruturada não mais em guardas de harém, mas em homens-bomba; não mais em dançarinas do ventre, mas em mulheres recobertas pelas burcas; não mais em califas, mas em ditadores sanguinários. Muito disso é verdadeiro, mas é uma visão parcial. Raros casos de produção cultural médio-oriental chegam até nós. É pouco frequente ver filmes, livros e relatos, em especial quando não são ficcionais, e com isso passamos a acreditar piamente que a Filosofia Árabe se esvaiu, sufocada em seus fundamentos. Será mesmo? O próprio Saïd é prova do contrário.

Em que medida isso não acontece até hoje? Temos praticamente como definição que os árabes são um povo violento, pronto a se arremessar carregado de bombas em qualquer instituição que lhes divirja. Apresentamos o Islamismo como o pano de fundo que valida a violência, contrapondo-o ao nosso sacrossanto Cristianismo e buscando demonstrar como o mesmo é perfeito. Só que isso pode ser válido para nós, membros de uma sociedade de matriz judaico-cristã, mas não para o mundo inteiro. Criamos um monstro para bater e justificar nossa própria violência, que não se limita a atirar bombas na cabeça dos outros, mas que se estende ao direito de reconhecer cidadania a quem carrega consigo qualquer traço de identidade exógena. Exemplo: Aconteceu nos EUA recentemente um caso ridículo. Um menino de 14 anos chamado Ahmed (o que já explica tudo), especialmente dado aos engenhos eletrônicos, construiu um relógio digital e apresentou-o em sua escola. A história terminou com o infeliz preso. É que a professora suspeitou se tratar de uma bomba, comunicou o fato à direção e esta chamou a polícia, que o algemou e conduziu à delegacia. Até o presidente Obama entrou na parada para amenizar o problema. Se isso não é um clássico de efeitos da construção de uma imagem, então não sei mais o que é.

O que Saïd nos mostra é como as nossas deficiências em enxergar sob a perspectiva do outro pode perpassar tão fortemente a nossa própria cultura que se torna possível distorcer a visão que temos de um povo inteiro. As descrições que damos das demais etnias dizem muito mais de nós mesmos do que daqueles a quem tentamos retratar.

Recomendação de leitura:

Sabe aqueles casos clássicos de obras do gênero “não morra antes de ler”? É exatamente o caso deste livro.

SAÏD, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.

Post-scriptum final: eu tenho dantescas dificuldades até mesmo de passar uma linha na agulha, filho de costureira que sou. E admiro profundamente quem tem habilidade e criatividade para manipular máquinas e equipamentos. O que fizeram com esse rapaz é de uma violência assustadora. Acho que não precisamos ter tanto medo de morrer, a ponto de enxergar ameaça em um menino de 14 anos que apresenta um trabalho que deveria ser louvado.

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