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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Tá, só não saquei bem o que é essa tal de (33 – Estatística)

(Números assustam, mas só enquanto não conseguimos encontrar aplicação prática para eles. Vamos falar sobre Estatística, importante para todas as áreas do conhecimento, inclusive Filosofia).

Olá!

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Toda vez é a mesma pergunta: por que tenho que entregar as estatísticas se o ano ainda não acabou? Talvez a casa onde eu trabalho não seja o único lugar do mundo onde as coisas são assim, mas ainda acho absurdo que tenha que entregar números de um exercício que ainda não fechou, porque o fator chute sempre estará presente. Mas o pessoal de cima quer fazer bonito para os sacerdotes mais de cima ainda e querem entregar números no último dia do ano, como se nossa realidade fosse pitagórica link. Isso já deu rolo, inclusive. Havia previsão de uma entrega que se daria no baixar das cortinas do ano corrente. Por um desses jenesequás da vida, a coisa não deu certo e ficou para o ano seguinte, ocorrência do dia-a-dia. Não seria nada para quebrar a bolsa, mas aconteceu o quiproquó. Qual foi o problema? Nas estatísticas do ano seguinte, constou novamente a entrega do tal módulo, só que lá em janeiro. Alguém mais espertinho se deu conta e veio reclamar a dualidade. Até explicar que isqueiro com canudo não faz lança-chamas, foi um palavrório de dar dó, principalmente se levarmos em conta que estava vetada a exposição da real razão: a pressa na produção dos números, como se isso fosse modificar a realidade.

De fato, e contrariando a premissa contábil, os números aí estão para dar reflexo do mundo ao nosso redor, vitalidade das empresas inclusa, e não aquilo que queiramos/precisemos. Só que um número desencaixado de seu contexto não significa nada, mesmo que digamos que, por exemplo, representem valores monetários. Se eu falo R$ 10.000,00, o que isso significa? Se for um carro, é baratíssimo; se for uma roupa, é muito caro, e se for um salário, é bem razoável. Por esta razão, sempre é importante, para propósitos práticos, que haja bases de comparação e de contextualização. Em resumo, é preciso que os números não vivam sozinhos, mas que convivam com outros, e que esta articulação seja interpretada. Eles traduzem quantidades, qualidades, variações, previsões e muita coisa que é útil para dizer quem somos e o que podemos ser. E isso é uma função da Estatística.


Mas, peraê… este é um blog de Filosofia, e que tipo de relação ela pode extrair da Estatística? É que temos uma ideia preconcebida de que a Estatística é uma mera aplicação matemática, quando, na verdade, temos um espelho da realidade por trás dos números, algo semelhante ao que a Filosofia faz com as palavras.

Claro, a objetividade da Estatística costuma ser muito maior, já que ela trabalha com conceitos muito mais concretos que a linguagem dúbia da Filosofia, mas por ela também se reflete, se especula, se raciocina e se aplica lógica, além de ser uma ferramenta primordial em pesquisas, o que também faz parte do universo filosófico. Vamos aprofundar uns dois palmos.

Uma boa definição para Estatística é a parte da Matemática link que estuda as relações entre fenômenos e números, através de metodologias apropriadas de coleta e interpretação dos dados. Tem origem mais remota no latim status, que significa 'estado', ou seja, o modo no qual determinado objeto se encontra, como ele está, como ficou parado, estático. Dessa forma, a Estatística nasce com o propósito de demonstrar uma fotografia de um determinado momento de um objeto de estudo. Quando o governo solta as revoadas de recenseadores do IBGE pelo Brasil agora, quer, no seu fundamento, levantar estatísticas, um retrato do país em um momento específico, e que pode ser comparado com os censos anteriores.

E por que isso? Porque é preciso estudar a população como ela é, para que sejam desenhadas as políticas públicas de acordo com os anseios e necessidades dos agrupamentos humanos. É preciso medir como são e como eram, para entender a sua evolução ou regressão. Os levantamentos estatísticos, nestes termos, são imprescindíveis para descobrir o que somos como coletividade, e, sim, isso é ontológico, porque descortina a parte visível do nosso corpo social.

A Estatística é daquelas disciplinas que causam arrepios na moçada do ensino médio, embora esteja presente em nosso quotidiano de maneira imperceptível às vezes. É que matemática assusta, eu mesmo fico assustado diante de qualquer chave de raiz. Mas a Estatística é uma das áreas onde mais nós podemos ver a ideia abstrata dos números se tornar concreta. Em tudo é visível a Estatística: quando temos um aplicativo de scout dos jogos de futebol, tão comuns hoje em dia, aquilo é pura estatística - quantos chutes, quantos desarmes, os árbitros que mais dão cartões. Quando alguém está bombando no Ibope, é porque há uma estatística que mede isso. As pesquisas de intenção de voto é mais um exemplo, inclusive o cálculo das tão famosas margens de erro. Exames patológicos são estatísticos, seguros de automóvel são estatísticos, aumentos salariais são estatísticos. Em tudo há Estatística. 

Uma numeração absoluta é uma entidade muito abstrata para nossos pobres cérebros humanos. Isso acontece em várias circunstâncias, seja quando falamos em números muito grandes, seja quando falamos em quantidades de dados muito diversas. Quando um índice fala que setenta por cento da população está insatisfeita com certo governante, temos uma dimensão muito mais palpável - a cada dez pessoas, sete desaprovam o mandatário. Isso está no escopo do que presenciamos habitualmente, é facilmente perceptível. É bem possível que haja dez pessoas ao seu redor neste exato momento, e isso pode te dar uma dimensão bem mais próxima da realidade do que dizer que há um número tal de insatisfeitos.

A Estatística produz resultados que podem ser classificados em dois tipos: descritivos e inferenciais. Vamos lançar mão de uma historinha fictícia que vocês vão entender rapidinho a diferença. Imaginemos um clube qualquer que esteja às vésperas de trocar sua diretoria. Várias chapas são formadas e quebram o pau entre si, como sói acontecer nestes momentos, buscando angariar seus votos daquele jeitinho que tão bem conhecemos em Terra Papagalia. Coincidentemente, esse clube fica perto de casa, e eu acompanho todo o burburinho que cerca o grande evento. Na padaria se discute, no boteco se discute, na banca de jornal se discute e eu vou ouvindo preferências e deméritos. Boa parte daqueles que eu ouço são votantes, e daí consigo perceber uma linha de tendência para a chapa encabeçada pelo candidato Fulano, e isso me permite supor que o tal será o novo presidente da efusiva agremiação. Entretanto, o tal pleito transcorre em um domingo ensolarado, e o resultado sai já a noite, antes do dominical favorito da galera: vitória da chapa de Sicrano, com 57% dos votos.

Vamos lá. Quando eu estava ouvindo as bravatas nos bares e farmácias, registrava na minha cabeça não uma totalidade dos eleitores do conselho, mas parte dela, uma amostra. Sendo assim, era-me possível fazer uma suposição, uma hipótese, uma inferência. Essa inferência não vinha do nada, mas de uma coleta muito superficial que eu mesmo realizava, empiricamente. Por isso, a estatística inferencial é aquela em que, a partir de um grupo amostral, podemos generalizar uma expectativa de resultado para o grupo maior. Por outro lado, a eleição contém a totalidade dos votos, e o resultado final é um espelhamento da vontade de todo aquele grupo, e não há o salto da generalização porque ele já abarca todas as possibilidades. A estatística, neste caso, descreve um fenômeno, sem necessidade de suposições, e é aí que ela é chamada de descritiva.

Este exemplo também serve para diferenciar o conceito de população e de amostra. Quando é possível fazer uma pesquisa que conglomere todo um grupo de interesse, sem deixar nenhuma parcela significativa de lado, temos uma população, que é o objeto calculado na eleição. Se, por outro lado, não é possível inspecionar por completo esse mesmo campo, então temos uma amostra, e a partir dela fazemos a projeção para o todo, o que gera a famosa margem de erro. Isso significa que, quanto maior o n amostral, menor será a chance de que a projeção esteja errada. Isso é o que chamamos de intervalo de confiança, vital em metanálise, que veremos em breve em outro texto que estou preparando. Vou dar um exemplinho bem breve e comum. Imagine que você vai ao seu médico e alega sede excessiva, uma certa fadiga e tenha um evidente sobrepeso. O doutor suspeita que você tenha diabetes. Para se certificar, ele lhe pedirá um exame de sangue. O laboratório colherá uma amostra que, naturalmente, não representará a totalidade do sangue que há em seu corpo, sob pena de que você morra. Entretanto, ele não retirará apenas uma gotícula, pois seria uma amostra muito pequena, o que geraria um intervalo de confiança ruim, porque o sangue não é absolutamente homogêneo. Um frasquinho é suficiente, por conter quantidade o bastante para dar uma margem de erro baixíssima. A margem de erro precisa ser bem calculada, para que não seja tão grande a ponto de inviabilizar a pesquisa, e não tão pequena a ponto de seu resultado não levar a conclusão alguma. Haverá pouca diferença entre a medida do frasquinho e a inspeção total do sangue do seu organismo, a ponto de ser desprezível. É isso que significa aqueles famosos “2% para mais ou para menos” das pesquisas eleitorais. Sendo assim, o intervalo de confiança é a faixa em que uma amostra reflete com precisão a totalidade pesquisada. Quanto menor ele for, mais preciso será seu resultado.

A partir da tipificação estatística, podemos pensar nos seus modelos. Quando analisamos uma população como um todo, nossa análise estatística é determinística, ou seja, a coisa é o que é, sem nenhuma margem de dúvida. Por outro lado, quando analisamos amostras, o resultado obtido é probabilístico. Desta forma, não conseguimos certeza absoluta de um resultado, mas sim o quanto ele é provável. Novamente vamos dar um exemplo de cada. Quando fazemos um experimento científico com o ponto de ebulição de determinados líquidos, perceberemos que, a cada vez que cumprirmos os mesmos conjuntos de fatores, um líquido ferverá sempre na mesma temperatura, não importando quantas vezes se repetir o feito. Isso indica que não há uma probabilidade de ocorrer o fenômeno, mas uma determinação. Com relação à probabilidade, vamos pensar em um problema das grandes cidades: o roubo de veículos. Não é absolutamente certo que você será assaltado quando for dar um rolê no seu possante, mas sabemos que a possibilidade existe. Com base na probabilidade de você ser roubado, as seguradoras fazem complexos cálculos que elevam ou diminuem o valor do prêmio a ser pago. Não há uma determinação no evento roubo, mas uma probabilidade, que pode ser traduzida em índices que embasarão a facada no seu bolso.

Por fim, a Estatística é uma ciência como as outras, que busca seu aprimoramento e aproximação com a verdade através de técnicas cada vez mais apuradas. Um dos índices mais famosos em Sociologia moderna é o IDH - Índice de Desenvolvimento Humano. Ele não é perfeito, porque considera apenas três itens de um conjunto muito maior - saúde, educação e renda, e deixa de lado certos fatores mais pessoais, como a percepção de bem-estar ou da sensação de liberdades democráticas, mas mesmo assim é contundente em dar um retrato da qualidade de vida das populações mensuradas. E é um mecanismo bastante recente. Foi desenvolvido em 1990, e adotado pela ONU nesta mesma época. Dessa forma, com um único numerinho, que varia de 0 a 1, conseguimos situar um país com foco nas pessoas que lá habitam, sem as longas volutas dos índices e quocientes econômicos.

São inúmeras as aplicações da Estatística: a Sociologia mede por ela os índices sociais, a Medicina computa a eficácia de remédios, a Física calcula a probabilidade de colisões espaciais, a Contabilidade verifica as variações patrimoniais, a Economia traduz estatisticamente as valorizações de moedas e assim sucessivamente. A estatística mede variância, probabilidade, posição em uma escala, tendência e dispersão, desde simples médias de notas que te afligem ao fim do ano até milimétricas margens de erro que conduzem foguetes a Marte. Por isso ela é fascinante e assustadora. Bons ventos a todos.

Recomendação de canal:

A UNIVESP possui uma bela playlist que aborda o tema em questão. Para assisti-la, segue o link do primeiro vídeo da série.

https://www.youtube.com/watch?v=FDN6lXBj5Oo

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