(A natureza não estará fora de nós quando compreendermos que ela é indissociável de nós mesmos)
Olá!
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Eis que mais um ciclo de viagens acaba. Eu não concentrei
renda para viajar para fora do país, nem mesmo para as praias paradisíacas do
Nordeste, ou as bucólicas paisagens da faixa central, ou até mesmo as oníricas
serras vinícolas do Sul. Todos esses adjetivos que só usamos nessas ocasiões
podem ser usados para as cidadezinhas por onde passei no último mês de
novembro, na semana do feriado da Proclamação? Fica a critério do freguês, como
eu costumo pensar. Fiquei novamente por aqui perto, em um raio de 250 Km, o que
traz um custo mais baixo, um tempo de deslocamento menor, certa facilidade de
retorno. Enfim, para uma extensão mal programada do que já é minha vida, é o
que era factível para aquele momento. Fui para o Sul de Minas, onde já estive
outras duas vezes (aqui
e aqui)
e ainda por onde dei umas andejadas avulsas. Para mim, é excelente, porque são
cidades que combinam paz real com beleza, mesmo que simples. Dadas as condições
que me são dadas, está para lá de bom.
Discussões sobre o meio natural e o meio cultural são comuns
no meio filosófico, e eu mesmo já dei
meus pitacos sobre o distanciamento que existe entre ambos. Mas será que
essa separação é real? Mais ainda: é possível pensar em uma espécie de
substância que una o que é propriamente humano de tudo aquilo que não tem
consciência?
Esse tipo de pensamento bate na gente quando passeamos por
esses estados intermediários entre natureza intocada e produção humana. De
fato, quando atravessamos essas estradas, algo exemplarmente de manufatura
humana, temos a oportunidade de observar e conviver com culturas plantadas,
exemplificadas aqui pelo café, pelo milho e etc, e o que ainda resta de
originário nas magníficas montanhas da Mantiqueira, praticamente sem
intervenções. E vemos que há uma certa semelhança - ambas possuem uma espécie
de linha guia. Tanto a cultura com a mão humana quanto a sem intervenção é
regida por ciclos de nascimento e morte, e neste intervalo parece que mesmo a
mais inanimada das matérias sabe exatamente o que fazer, como se as plantas
conhecessem o caminho das águas, que por sua vez segue os cursos necessários
para chegar onde deve, a pedra sabe que deve rolar até o fundo dos vales porque
é lá que elas ficarão estáveis, como se as coisas possuíssem uma… inteligência!
É claro que uma informação dessa parece cercada de um
esoterismo que beira a loucura, mas, se colocarmos as coisas como o Deus que
Espinoza pensou, que foi do agrado até de gente fraquinha como Albert Einstein,
parece que pode fazer mais sentido, e vamos buscá-lo no idealismo alemão, com
Schelling.
O que divide ser humano e natureza? É que o "eu",
aquele que percebe o mundo, aquele que interpreta a natureza, que deduz o
universo que o cerca, precisa possuir uma consciência, e isso só nós temos, os
caniços pensantes. Mas essa divisão fica alocada apenas no plano do
reconhecimento em si, porque o humano não existe fora da natureza. O meio
natural é o substrato, o caminho físico por onde a consciência se realiza. A
distinção mais essencial está nisso.
Mas se a consciência é parte da natureza, por que se vê como
distinta dela? É aí que entra o conceito de Espírito (Geist), tão caro à
tríade idealista, que ainda conta com Fichte
e, principalmente, Hegel.
Quando se fala em Espírito neste contexto, não devemos
pensar em uma sinonímia com alma, o que é nossa intuição inicial. O Espírito no
idealismo é uma espécie de impulso que é responsável por empurrar a história
para a frente. O Espírito é o fundamento da razão, que é a única instância
capaz de fornecer sentido para toda a realidade que existe. Nada existe se não
estiver apresentado para uma consciência, e, com isso, temos que toda a realidade
é subjetiva. Dessa forma, o Espírito é uma instância metafísica que justifica
as coisas como são. Há quem faça a identificação do espírito com deus, como diz
Schopenhauer ao afirmar que nada mais é do que uma “impessoalização” de uma
divindade, mas essa não é uma crítica, uma relação obrigatória, mesmo que
aceitável. O que o Idealismo pensa é que esse geist é uma capacidade de realização
que a mente tem diante de sua colocação perante um objeto. Esse conceito surge
como solução para o criticismo
kantiano, que estabelecia ser impossível conhecer o que as coisas são em si
mesmas, já que todo conhecimento é subjetivo e depende do aporte de cada
consciência individualmente.
Há duas coisas aqui a sopesar: a natureza existe
independentemente de uma consciência que a observa, mas só ganha sentido a
partir do momento em que é observada por uma consciência. Mas o seu
funcionamento demonstra que ela não é movida por pura aleatoriedade. Poderíamos
pensar que qualquer coisa seria factível em um universo entregue ao deus-dará,
mas não é o que se vê acontecer. Existe uma ordem natural que limita os
acontecimentos em uma determinada faixa de escopos cada vez mais previsíveis, à
medida que o conhecimento e a ciência avançam. Isso significa que a natureza,
embora não possua um estatuto da consciência, tem um caminho que demonstra sua
inteligência. Não quer dizer que a pedra sabe que deve rolar para o fundo do
vale porque lá sedimentará e trará estabilidade ao sistema fluvial, mas porque
o mesmo geist que faz o homem detectar essa dinâmica do equilíbrio, faz com que
essa mesma dinâmica ocorra. Só não há consciência nas coisas.
Schelling afirma que a natureza é um processo contínuo e com
uma linha evolucionária, com um ápice semelhante à scala naturae do
velho Aristóteles, que dizia existir uma rota que conduzia dos seres mais
brutos (incluindo os inanimados) até o apogeu humano, permeado por uma causa
final. Aqui, entretanto, há o tal geist a orquestrar esse caminho, que é
orgânico e permanente, e onde o ponto final é a fusão do Espírito com a
matéria, formando o Absoluto. Esse termo foi reaproveitado por Hegel em sua
própria filosofia, embora com algum nível de diferenças, e sintetiza a ideia
schellinguiana de que a natureza humana só difere das demais porque é uma
natureza que se tornou consciente.
Fichte trazia uma clara distinção em sua filosofia entre o
Eu-puro e o não-eu, sendo que o primeiro era o que realmente importava, o
máximo da subjetividade. Schelling procura corrigir esse rumo que tornava a
natureza como algo descartável na relação epistemológica, pois entendia que a
mente não flutuava solta como se lhe fosse dispensável uma matéria por onde ela
tinha uma base. Essa base é a natureza, e tinha a mesma atividade pura que
Fichte atribuía ao Eu-puro como caminho para o conhecimento: na medida em que o
Eu absorve o não-eu, ele mesmo se avoluma. Já com Schelling, a natureza não é única
e exclusivamente o não-eu. Ela tem uma capacidade de se mesclar e imiscuir
mutuamente e compartilhar o Espírito. Estar banhada em materialidade faz com
que a natureza seja a visibilidade do Espírito, enquanto o Espírito é o
provedor da inteligência da natureza. Uma estrutura tão organizada como a natureza
não é explicável sem uma inteligência por trás dela (segundo Schelling), que
lhe dá força de coesão e direção evolutiva. E temos o Espírito que dá sentido e
consciência ao Eu, que não pertence ao círculo físico da natureza. Ambos, uma
vez colocados em funcionamento, dirigem Espírito e Natureza ao Absoluto, a
fusão entre ideal e real. Em resumo, temos, por um lado, o ideal que detecta a
realidade no Espírito, e o real que delineia as ideias na Natureza. O produto,
a realidade, é o Absoluto. Dessa forma, de acordo com o sistema pensado pelo
filósofo alemão, não é ilícito que sintamos a natureza como parte de nós mesmos
e que doemos a ela um sentido que pareceria romântico a um materialista puro.
O Idealismo é, provavelmente, o movimento que trouxe a
Alemanha em definitivo à crista da onda filosófica, em tese somente sendo
comparáveis com os antigos gregos. Entretanto, ao contrário de Sócrates e sua
trupe, que tinham um princípio pedagógico de se fazer entender, os tedescos não
parecem muito preocupados em ser didáticos, e são dificílimos de serem
alcançados. Entretanto, são parte significativa da história da filosofia e é
necessário fazer-se esforço para compreendê-los. Até mesmo porque suas
respostas são válidas para que encaremos o desafio de destrinchar o mundo que
nos cerca. E ele é bonito, muito bonito.
Deixo vocês com meus escritos, espero que tirem proveitos
deles, e que se sintam impulsionados por seus próprios espíritos idealistas
para visitar esses lugares tão simples e belos, e lá encontrem também suas
motivações para enxergar o que vai além da casca de aparências que é
apresentada a nossas consciências. Bons ventos a todos!
Recomendações:
Não gosto muito de recomendar diretamente obras difíceis,
mas também não podemos simplesmente fugir delas. Vou deixar a indicação aqui,
mas é sempre bom estar acompanhado por escritos de comentadores.
SHELLING, Friedrich. Ideias para uma Filosofia da
Natureza. Lisboa: Casa da Moeda, 2001.
E recomendo também uma passagem por todas as cidades que
tratei nestes textos. Segue a distância de cada um delas com relação ao centro
da cidade de São Paulo.
Ouro Fino – 224 km
Santa Rita do Sapucaí – 223 Km
Congonhal – 224 Km
Borda da Mata – 236 Km
Tocos do Moji – 195 Km
Bom Repouso – 183 Km
Bueno Brandão – 166 Km
Inconfidentes – 235 Km
Conceição dos Ouros – 235 Km
Consolação – 174 Km
Cachoeira de Minas – 227 Km
Senador José Bento – 243 Km
Pouso Alegre – 210 Km
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