(Nesses tempos de polarização, nada passa batido à sanha das dicotomias. Por isso, sempre é bom procurar ficar a par do que defendemos ou combatemos)
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“Porque haverá guerras e rumores de guerras, mas não se
assustem, porque tudo isso deve acontecer, mas ainda não é o fim”. Essa é a
assustadora profecia de São Marcos, transcrevendo as supostas palavras saídas
da boca do Jesus dos cristãos, prevendo os fins dos tempos. Há tempos não nos
víamos em meio a grandes chacoalhões políticos e bélicos, e os acontecimentos
na Europa Oriental tem nos trazido de volta àquele desanimador clima da Guerra Fria.
Mas fria é a guerra: há outras sombras se projetando nesta esferinha azul que
tantos pretendem lisa como uma mesa de bilhar. Muito mais quentes.
É que recorrentemente temos ouvido falar de temas que, se
por um lado carregam o mesmo peso da ameaça do parágrafo anterior, por outro
têm se tornado tabus, como o aquecimento global ou o buraco na camada de
ozônio. E isso tem feito com que o mundo se divida em dois, como tem sido comum
nestes dias de dicotomia permanentes. De um lado temos a defesa arraigada do
meio ambiente, e do outro os que entendem ser os indicadores de mudanças
climáticas meros fenômenos de passagem, como os circos que erram aqui e ali
nesses rincões do Brasil profundo. No meio disso tudo, nós, mortais como
Sócrates.
Essa situação de guerra psicológica deflagrada faz com que
muita coisa seja dita de lado a lado sem que haja sempre base na realidade. E
isso leva a confusões. Quando falamos de ambientalismo, por exemplo, temos
pouca nitidez consensual. Tem gente que o julga prenhe de atitudes de heroísmo,
tem gente que o ache empulhação de catastrofistas. O grande problema é que o
fazem sem ter um panorama mais efetivo do que ele realmente é, e, com isso,
sentimo-nos na obrigação de lançar as luzes possíveis à causa, para que ao
menos nos lembremos de que uma das funções do cérebro é questionar. Então vamos
lá.
O que é ambientalismo?
Ambientalismo é um amplo leque de pensamentos que têm em
comum algum grau de defesa da conservação do meio natural e de seus
componentes. Sim, é um termo guarda-chuva que abrange desde o reaproveitamento
de latinhas e potinhos para colocar plantinhas até a defesa de enormes projetos
de reflorestamento e corredores ecológicos, o que dificulta uma definição clara
e favorece posições antagônicas. Mas podemos dizer que é preciso existir uma
intenção para se colocar alguma atitude no âmbito do ambientalismo. Minha
sogra, por exemplo, adora juntar toda sorte de potinhos plásticos. Isso é bom
para o ambiente, porque o reaproveitamento diminui a necessidade de produção,
mas ela não o faz por uma atitude ambientalista, e sim por compulsividade
acumulativa. Por isso, ambientalismo é muito aberto para que se feche uma
definição inconteste, mas podemos defini-lo como toda e qualquer ação
consciente que vise um mínimo de preservação do meio ambiente.
O ambientalismo é uma Ciência?
Não. Está mais associado à Filosofia, porque prescinde de um
método baseado em verificabilidade e falseabilidade, embora as correntes mais
sérias sempre procurem se associar a estudos confiáveis. No entanto, os motores
para o ambientalismo não são unicamente a proteção ambiental com caráter
pragmático, mas, muitas vezes, pelo simples fato de existir uma empatia com os
outros componentes do meio, ou uma suposta sinergia de fundo esotérico. O
ambientalismo transpõe a barreira da ciência e vai a outros aspectos
existenciais.
Ambientalismo coincide com Ecologia?
É quase óbvia a correlação que se faz entre Ecologia e
ambientalismo. Mas há muitas diferenças entre ambos. A Ecologia é uma Ciência,
que pretende que suas observações sejam as mais neutras possíveis, enquanto o
ambientalismo é uma atitude. Um ecologista, por princípio, deve se socorrer em
dados e, a partir do momento que coloca termos éticos em seu discurso, torna-se
um ambientalista. Ou seja, o que ocorre é que, por dois caminhos, um acabe se
vinculando ao outro. Podemos ter gente com propensões de defesa à natureza que
se interesse por saber mais e melhor, e com isso siga os passos da Ecologia.
Por outro lado, pode ser que alguém que comece estudando a Ecologia acabe por
se apaixonar pelos objetos que estuda, e tome o rumo do ambientalismo
Por que ambientalistas são chatos?
É preciso ser cuidadoso com prejulgamentos. Chato é tudo
aquilo que vai contra nossas convicções. Mas é óbvio que existem pessoas tão
engajadas que acabam por jogar contra, não há dúvidas. Fanatismo existe em
qualquer área onde haja posições bem marcadas. Quem nunca encarou um crente
chato, um vegano chato, um comunista chato, um corintiano chato… Todos defendem
com unhas e dentes sua posição, a ponto de perder a racionalidade. Mas isso não
significa que TODOS os demais crentes, veganos, comunistas e corintianos sejam
chatos, que não tenham suas ideias sensatas, que não troquem a lógica pela pura
defesa apaixonada. Tudo isso acontece com os ambientalistas também. Há aqueles
que se arrogam um conhecimento superior, que não ouvem teses contrárias, que
metem o dedo na cara de pessoas que não têm más intenções, apenas desconhecem
os problemas que os ambientalistas abordam. Isso sim dá uma conotação de
chatice, mas aqui trocamos o berimbau pela gaita, jogando tudo na generalização
apressada: não é pelo fato de existirem fanáticos que todos aqueles que
defendem causas ambientais são fanáticos. Enfim, chatos são os fanáticos, e não
os ambientalistas.
Por que se fala tanto em sustentabilidade? O que é essa
tal de sustentabilidade?
Sustentabilidade é uma filosofia de uso do meio ambiente em
que sempre se pensa na preservação vinculada ao desenvolvimento. É mais que uma
disciplina, mas um modo de vida que procura conjugar bem-estar com manutenção
ambiental. Em resumo, é a tentativa de manter o máximo de preservação ambiental
sem abrir mão do desenvolvimento econômico, porque não se quer que as cidades
não possam evoluir. Obviamente é um jogo de ganha-perde, porque sempre se terá
de abrir mão de algo para sair do outro lado e conseguir um mínimo de qualidade
de vida para além de nossos próprios quintais. Tem sido muito perseguida nos
dias atuais porque é muito difícil não aproveitar um recurso que está lá, que
nós precisamos, mas não podemos esgotá-lo.
Quando as empresas agem, os ambientalistas as acusam de “greenwashing”.
Que diabos é isso?
O greenwashing (literalmente "lavagem verde", em
inglês) é uma prática empresarial que visa dar uma roupagem ecológica a
atitudes que não são exatamente amigáveis ao meio ambiente, sendo mais uma
prática publicitária do que propriamente a aplicação de políticas ecológicas.
Como nos tempos atuais as pessoas têm se preocupado mais com questões
ambientais, ter uma espécie de "selo verde" traz dividendos para a
empresa que o possui. Por exemplo: uma fábrica pode produzir equipamentos
eletrônicos que realmente possuem eficiência energética, e explorar essa
característica como uma vantagem verde, mas o custo disso pode ser a extração
de minérios de maneira predatória ao meio ambiente. Outro exemplo: uma fazenda
se dedica a produzir alimentos orgânicos, que evitam a poluição do solo e dos
mananciais, mas o faz à custa de desmatar matas ciliares. A empresa se
aproveita unicamente do aspecto positivo de seu produto, "esquecendo"
o lado de lá, que, bem medido e bem pesado, pode até ser mais prejudicial no
conjunto.
Por que ambientalistas são vistos como hippies que ficam
fumando maconha e aplaudindo o sol?
Estereótipos. Normalmente, uma pessoa que aprecia a natureza
quer estar próximo a ela, e isso pode ser feito das mais diversas formas:
optando por destinos intocados nas férias, tendo hortas orgânicas em casa,
estudando sobre o assunto e outras maneiras. Isso nada tem a ver com hippies,
nem com maconheiros, que existem em centros urbanos da mesma forma que em retiros
ecológicos. Como se criou uma imagem de desvinculação desta tribo ao mundo
tipicamente capitalista, coloca-se todo mundo no mesmo pote. Um estereótipo (“impressão
sólida”, em grego) é exatamente isso.
Então tudo o que é dito por ambientalistas é sinônimo de
verdade?
Longe disso. Há uma linha divisória que nem sempre é muito
clara, mas que faz toda diferença em qualquer discurso: quando se deixa de
basear em fatos para se basear em crenças. As regras do bom pensamento dizem
que devemos sempre nos ater à realidade, e isso não ocorre pelo puro e simples
motivo de apreciarmos paragens verdes e os animais que lá vivem. Isso se
assemelha aos ambientes idealizados de desenhos animados, e crer nisso é
infantilizado em alguns casos, delirantes em outros, desonesto em mais alguns.
Mesmo que o ambientalismo não seja uma Ciência, deve se pautar ao mínimo na
lógica para emanar suas propostas.
Se a causa ambiental é uma ação digna, por que há tanta
gente contrária a ela?
Vamos progressivamente. O fato não é que muitas pessoas são
contra a defesa da natureza, mas que simplesmente não se importam com a
questão. Em um país de povo pobre como o Brasil, a dona de casa luta contra os
preços do mercado, e fica difícil pensar no meio ambiente quando o cobertor é
curto demais. Pode ser um mero desinteresse, falta de preparo em encarar
problemas incômodos, falta de conhecimento para compreender esses mesmos
problemas. Quem se posiciona contrariamente à causa ambiental de verdade,
geralmente tem muito a perder com o controle que é imposto, e aqui é impossível
não pensar na ação empresarial. Já aqui é preciso desfazer a ideia de que toda
empresa se guia pelo lucro a qualquer custo, e que não haja empresários
verdadeiramente preocupados com a questão ambiental, mas é inevitável que se
esbarre no modo de produção capitalista. Vou falar mais sobre isso logo
adiante.
Mas esse controle não é uma questão de tolher liberdades?
Tolher liberdades… Sempre que alguém lhe falar em defesa de
causas libertárias, pergunte como ele se posiciona com relação a outras liberdades,
como a de casar com alguém do mesmo sexo e ter os mesmos direitos de qualquer
outro casal, ou de decidir pela eutanásia. Caso a resposta para estes pontos
não seja tão alinhada à causa da liberdade, então você terá à sua frente um
leitor de cartilhas, de onde será difícil de tirar algo diferente do
posicionamento conservador disfarçado de liberal. Se, por outro lado,
admitir-se liberdades para qualquer caso, é preciso pensar se há sentido em se
possuir liberdades plenas em casos onde o prejuízo se arrasta para populações
inteiras. Populações de pessoas mesmo, não é nem uma questão de piedade ou de
empatia com comunidades da fauna. Neste caso, é uma questão de decidir o que
importa mais: o indivíduo ou a sociedade, e, com isso, determinar até onde é
possível chegar com as liberdades.
Por que o ambientalismo só ganhou força há menos de 50
anos?
Não sou comunista, mas preciso falar sobre como o
capitalismo opera, portanto não me prejulguem. Embora o modo de produção deste
sistema venha transformando a paisagem da Terra desde meados do século XVIII, é
a partir do pós-Guerra que fica evidenciado seu máximo esplendor, com todos os
seus avanços tecnológicos por um lado, e toda sua ação predatória por outro. É
a partir de então que as grandes cidades passam a registrar casos e mais casos
de doenças relacionadas às mudanças na composição do ar e o povo como um todo
passa a sentir os reflexos na própria pele, literalmente. Causas antes difusas
agora passam a ganhar a mídia, e a ganhar relevo, como a extinção de espécies,
mudanças no regime de inundação dos rios e outros mais; alguns, com estatuto de
ameaça planetária, como o buraco na camada de ozônio e o tão recentemente
debatido aumento da temperatura global. Isso deu uma certa chacoalhada nas
pessoas como um todo e é natural que haja maior engajamento na mesma
medida.
Por que o ambientalismo sempre se encontra nas pautas de
esquerda?
(Comecem lendo este
texto, para compreender minha dificuldade com posições políticas
inamovíveis). Com extrema simplificação, via de regra a direita prioriza
liberdade, que é exercida por indivíduos; já a esquerda tem seu foco na
igualdade, que se volta para comunidades. Quando estamos falando em causas
ambientais, naturalmente não estamos falando de um fazendeiro específico ter o
direito de possuir reservas florestais em suas propriedades, mas em seu dever
de mantê-las. Isso porque a manutenção do meio favorece não aquele tal
fazendeiro, mas toda a coletividade, que fruirá dos benefícios da manutenção
daquele espaço. Mas não há nenhum tipo de limitação filosófica para que
cidadãos ditos de direita defendam de verdade causas ambientais. Só é bem raro
de acontecer, porque não faz parte do pacote.
Mas se o Brasil se especializou em commodities, tolher a
expansão agrícola não nos conduzirá ao empobrecimento?
O Brasil caiu na armadilha da divisão internacional do
trabalho, uma política já antiga que preconiza uma especialização dos países
nos mercados internacionais. Cabe a nós fornecer produtos agrícolas, devido ao
território privilegiado. O problema das commodities agrícolas é o seu
baixíssimo valor agregado. Quem tem um espectro maior de ofertas para o mercado
internacional costuma ser menos abalado por crises setoriais, porque é a velha
história de guardar todos os ovos em uma cesta só: quando ela cai, já sabe. A
questão recai novamente sobre o individualismo. É muito atrativo para um
fazendeiro expandir suas propriedades em alguns hectares sobre a floresta, mas
o interesse coletivo não vai no mesmo sentido, porque a oferta que virá
normalmente não se voltará a uma diminuição de preço para o mercado interno,
além de reduzir a área verde original cada vez mais. A questão é saber se a
área já disponível para o agronegócio não é grande o bastante e se pode ser
otimizada para produzir melhor, sem recorrer ao recurso fácil da expansão
contínua. Dificilmente todo esse território não pode ser melhor aproveitado
para render o suficiente. Mas eu não sou da área e vou passar a pergunta.
Em um momento de economia incerta, não é um problema
aumentar os gastos com preocupações ambientais?
Reutilização, reciclagem e diminuição de consumo não
representam incremento, mas diminuição de gastos. Portanto, são três coisas em
que se precisa pensar: visão de longo prazo, sociedade como um todo e atitudes
simples. Esses são os alicerces da gestão ambiental.
Acho que está bom por enquanto. É um assunto tão amplo quanto
sua própria definição, e, sendo assim, podemos voltar ao assunto a qualquer
momento. Bons ventos a todos!
Recomendação de leitura:
Embora nos últimos tempos tenhamos tido dificuldades nas
políticas públicas no quesito ambiental, é importantíssimo que se conheçam ao
menos rudimentos do que a legislação reza sobre o tema, já que é ela que
disciplina as condutas disponíveis legalmente, concordando com ela ou não. As
mais importantes são as seguintes:
Código Florestal: disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
Lei dos Recursos Hídricos: disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.433%2C%20DE%208%20DE%20JANEIRO%20DE%201997.&text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Nacional%20de,Federal%2C%20e%20altera%20o%20art
Lei dos Crimes Ambientais: disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm
Política Nacional do Meio Ambiente: disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm
A imagem utilizada neste post é oriunda do Ministério do Meio Ambiente, disponível em: http://a3p.mma.gov.br/9-premio-melhores-praticas-de-sustentabilidade-premio-a3p/
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