(O que é Ecologia? O que é esse ramo da Ciência que tantos confundem com ativismo?)
Olá!
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Vamos falar de viagens frequentes. Eu não moro mais com meus
filhos, e isso faz com que eu trafegue muito para lá e para cá. A filha mais
nova mora em Taubaté, e saindo da capital, a paisagem é composta por longos
morros usados para pastagens e plantações, principalmente. Em alguns deles, é
possível verificar a presença de bosques, na maioria das vezes com árvores de
tronco fino, o que indica que aquela terra era usada para bovinos, ficando
exaurida. Com o passar do tempo, foi se recuperando e deixada sem mexer,
fazendo crescer as manchas verdes*. Já o filho mais velho mora em Curitiba, e
indo por terra corta-se uma boa parte da Serra do Mar, no Vale do Ribeira. Isso
faz com que possamos ver trechos de floresta muito mais fechada, efetivamente
intocada, especialmente pelas encostas íngremes que lhe são características. Em
uma fina faixa mais próxima ao litoral, pode-se ver a cultura humana nos
bananais e palmitais.
Então temos duas maneiras bastante distintas de como a
humanidade lida com o meio natural. A leste, mesmo estando em área rural, a mão
do homem está em toda parte: desde os cercados de arame, até a presença de
animais estranhos à área geográfica. A oeste, ainda que a própria estrada seja
uma obra humana, percebe-se um pouco mais de manutenção no meio original. E, no
meio disso tudo, a Pauliceia Desvairada, onde praticamente nada dos recursos
originais podem ser encontrados.
Em toda essa transição, nós vamos perceber diferentes níveis
de intervenção do bicho homem na paisagem, ora de maneira mais predatória, ora
mais integrada. Isso tudo faz com que o nosso território tenha uma cara muito
diferente daquela que havia sob a guarda dos indígenas, quando seo
Cabral ainda não havia aportado com os usos e costumes ditos civilizatórios, e
daqui se fez uma nova morada aos europeus. Talvez um dos maiores símbolos da
presença humana no planeta seja a casa, o lugar que marca onde alguém se
estabelece e que lhe dá abrigo. Pensando concretamente, uma casa no horizonte
demonstra a presença de um bípede implume nas cercanias, ainda que seja uma
tapera perdida numa vastidão verde amazônica. A casa é a sede de onde nos
relacionamos com o restante do meio ambiente, e por isso ela foi metaforizada
para uma área do conhecimento bastante recente, que combina Geografia com
Biologia, cujo nome é composto pela junção dos termos gregos oikos
(casa) e logos (estudo). Estou falando da Ecologia.
Eu disse que a Ecologia é uma ciência recente, e isso não é de se admirar. Se levarmos em conta que sua definição é a “Ciência que estuda a interação entre os seres vivos e o ambiente onde eles vivem”, perceberemos que o elemento de desarmonia inserido nessa relação, a ação humana, começa a ser sentida mais fortemente a partir da Revolução Industrial, que ocorreu na Europa a partir dos fins do século XVIII. A aceleração exponencial dos métodos de produção fez com que os meios naturais fossem explorados a níveis altíssimos, suplantando sua capacidade de regeneração por si próprios. Essa mudança tão expressiva na paisagem habitual fez com que a atenção dos pesquisadores fosse voltada a ela pela primeira vez com uma visão especializada.
Nem é preciso ir tão longe. Eu tenho cinquenta e poucos
anos, e me lembro bem que as prioridades governamentais nos tempos de eu-menino
envolviam muito impacto na paisagem original. Eram tempos da usina de Itaipu,
que submergiu Sete Quedas, da usina de Paraibuna que extinguiu os núcleos
originais de Redenção
da Serra e Natividade
da Serra, do colosso da inutilidade chamado Transamazônica, das
termonucleares de Angra dos Reis e outros desafios à capacidade de regeneração
de nossa natureza. A resposta veio na forma de índices de poluição jamais
vistos, resultando em desembocaduras nos humanos, como foi o caso das crianças anencéfalas de
Cubatão. Já dizia uma daquelas frases que adoramos atribuir falsamente: a
natureza não se defende, apenas se vinga. A atribuição pode ser falsa, mas diz
uma verdade.
Há um pouco de confusão quando se fala de Ecologia. Muitas
pessoas acham que é uma atitude, mais ou menos intransigente, de defesa da
natureza. Não. Ecologia é estudo, é Ciência, e, como tal, procura ser o mais
neutra possível. O que ocorre é que, ao se compreender as relações entre seres
vivos e o meio, alguns dos estudiosos podem encontrar motivos para realizar a
defesa dos meios naturais. Se não, a Ecologia continua sendo o que é: uma
ciência que tem um objeto de estudo bem claro, uma metodologia de pesquisa
delineada e tem condições de fazer previsões e receber falseamentos. Sobre
ambientalismo, falarei melhor em outro momento.
Mas como o ecologista faz seus estudos? De que maneira ele
observa seu objeto de investigação? Geralmente, a cadeia observacional do
pesquisador é de formato piramidal na quantidade e concêntrico na abrangência,
passando de uma abrangência mínima para outra que englobe toda a vida do
planetinha azul tão judiadinho. Estes são os níveis clássicos de abrangência:
Organismo: sabemos que as espécies são o agrupamento
de seres vivos que compartilham características comuns. Cada indivíduo dessa
espécie é um organismo, o objeto mais atômico do estudo ecológico.
População: é o conjunto de organismos de uma mesma
espécie que coexistem em um mesmo espaço físico, geralmente delimitados pela
possibilidade de se realizarem entrecruzamentos reprodutivos, propiciando a
troca de material genético entre estes indivíduos.
Comunidade: como sabemos, uma população não vive
sozinha em um espaço físico. Pelo contrário, há muitas outras populações que
concorrem e condividem os mesmos recursos, gerando interações que podem ser
colaborativas ou predatórias. Esse conjunto de populações é o que chamamos de
comunidade.
Ecossistema: até aqui, podemos notar que o olhar está
voltado para a parte viva dos sistemas ecológicos. Mas eles não atuam por si só.
Quando passamos a observar a porção abiótica e a maneira como se dá a troca de
energia entre as duas esferas, passamos a chamar o objeto de ecossistema.
Bioesfera: esse é o conjunto de todos os ecossistemas
existentes no planeta, de interação menos direta entre si, mas que ainda assim
exercem influência holística.
Algumas classificações incluem o bioma como uma unidade intermediária entre o ecossistema e a biosfera. Entretanto, esse conceito é um pouco mais ligado à Geografia do que propriamente à Ecologia, porque está interessado mais em uma área que contém uma predominância de determinado tipo de vegetação do que nas relações sistêmicas ocorridas em seu interior. Por exemplo, no bioma brasileiro conhecido como Mata Atlântica, caracterizado por grandes recursos hidrográficos, presença de umidade costeira e intensa variação climática, devido à sua grande extensão, pode-se verificar uma heterogeneidade de ecossistemas que também lhe caracterizam, porque o conjunto físico é muito variável. Dessa forma, temos ecossistemas litorâneos, de manguezais, de restingas e de campos de altitude. Um caranguejo, tão típicos do mangue, fazem parte de um ecossistema que está completamente ausente nos planaltos, embora pertençam ao mesmo bioma Mata Atlântica.
Mais uma pequena confusão que se faz com termos é entre
bioma e biota, aqui mais ligado à proximidade ortográfica entre ambos. Bioma já
vimos o que é, e biota é a parte viva de um ecossistema, enquanto abiota
é o conjunto de componentes não vivos do mesmo. Por exemplo: em um meio
aquático, onde há água, pedras, areia, oxigênio dissolvido e sais, temos a
porção abiótica; já as algas, peixes e moluscos formam a biota, os caras que
são usuários deste mesmo meio.
As linhas gerais da ecologia dependem da abordagem que se
queira dar ao estudo. Normalmente, os especialistas dividem-na em três grandes
áreas, sempre tendo em vista a quantidade de seres vivos envolvida na relação
com o ambiente.
A primeira delas é a autoecologia. À primeira vista,
parece ser a relação que eu mesmo tenho com o ambiente que me cerca, mas não é
nada disso. Auto, neste caso, significa aquele que funciona por si mesmo, e
isso significa que a necessidade de estudo é mais restritiva. Nesta área, o
pesquisador aponta o foco para uma espécie específica, seja ela vegetal ou
animal, e investiga sua interação com o meio. Como nos tempos atuais as
correntes mais holísticas costumam preponderar, a autoecologia tem perdido
espaço acadêmico. Entretanto, em alguns momentos é ainda muito importante. O
melhor exemplo que me ocorre agora é nas espécies em risco de extinção. Nem
sempre os fatores que levam à diminuição de uma espécie são óbvios, e, nestes
casos, é preciso estudar a espécie em si para que se possa determinar como o
ambiente a tem desfavorecido.
Em seguida, temos a demoecologia, que,
semelhantemente à primeira, também estuda a interação de uma espécie com o meio
ambiente. No entanto, o que interessa aqui é a maneira como uma determinada
população como um todo reage com o meio. É uma maneira de estudar a Ecologia de
maneira muito mais estatística, porque o que interessa aqui é a dinâmica de uma
população com o passar do tempo e através do espaço: porque elas crescem, que
fatores fazem com que se distribuam, qual sua taxa de concentração e outros tantos
fatores que podem ser traduzidos por números. Por exemplo: temos uma população
de coelhos que vive nos prados e outra nas regiões serranas, ambas da mesma
espécie. A demoecologia se preocupa em observar como cada uma das populações
procura dar manutenção à sua existência, através de estratégias específicas
para cada ambiente envolvido. É uma área importante porque pode, a longo prazo,
ser componente nos mecanismos de diferenciação que darão origem a novas
espécies.
Por fim, a sinecologia é a área da ecologia mais abrangente,
que não observa as espécies isoladamente ou em suas populações, mas na
interação entre as diferentes espécies que ocupam um mesmo lugar ambiental, que
agem em sinergia para dar organicidade ao meio. É aqui que temos as descrições
das cadeias alimentares, da riqueza das espécies em um determinado bioma,
organizações comunitárias, transferência de recursos no interior dos ecossistemas.
Em última instância, o maior ponto de estudo da sinecologia é a própria biosfera,
o maior de todos os ecossistemas.
Eu estou falando a todo momento entre interações, interações, interações… Como se dá a interação das espécies entre si e com o meio? Fundamentalmente, há uma expressão que sintetiza esse fenômeno: troca de energia, o que aproxima este ramo da Ciência de outro, a Física. Vejamos isso.
Há um termo da termodinâmica chamado de entropia,
que podemos muito mal e parcamente traduzir como a tendência à bagunça. Essa “bagunça”
em um sistema fechado qualquer tende a aumentar com o passar do tempo. Isso acontece
porque o que mantém as coisas nos seus devidos lugares é a transferência de
energia entre seus componentes. Note que o reboco da sua casa nunca tende a
ficar mais sólido, mas a rachar e cair. Para que isso não aconteça, é preciso
algum dispêndio de energia: produtos contra a umidade, camadas de massa fina,
pinturas.
Ocorre que os sistemas biológicos não são sistemas fechados.
Eles recebem energia de fora, energia solar no mais das vezes, e com isso podemos
observar o mecanismo fotossintético dos vegetais, que produzem seu próprio
alimento. Daí para frente, as trocas de energia se dão pelo consumo e pela
reposição. Um passarinho, por exemplo, obtém energia dos insetos e das plantas
de quem se alimenta. Ao excretar suas sujeiras, ele propicia alimentos para
outros insetos e distribuição de sementes pelas plantas, retroalimentando o
sistema através da disponibilização de energia. É com esse start que a Ecologia
conduz seus estudos: tudo no universo é trânsito de energia, até mesmo a mais
simples interação entre uma minhoca e seus resíduos favoritos.
Em rápidas pinceladas, era esse meu breve relato sobre o
tema. Bons ventos a todos!
Recomendação de audiência:
É uma indicação meio nostálgica, porque assistia muito ao
programa Repórter Eco quando as crianças eram pequenas. É um dos poucos, senão
o único, programa jornalístico destinado ao assunto nos moldes de um telejornal
convencional. Segue sua página na internet:
https://cultura.uol.com.br/programas/reportereco/
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