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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Pequeno guia das grandes falácias - 20º tomo: o apelo à novidade (argumentum ad novitatem)

Olá!

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Tudo bem com vocês, pessoas? Vamos nos dirigir às falácias novamente, neste intrépido empreendimento chamado Pequeno Guia das Grandes Falácias. Vou mencionar mais um apelo, as falácias informais de relevância. Como de costume, principiarei dando base “experimental” ao pensamento que norteia o erro, pinçando alguma coisa extraída do mundo que nos rodeia.

Em meados do século XVIII, o mundo conheceu uma virada científica e tecnológica que acelerou de tal forma o progresso que o próprio conceito de memória foi alterado. De fato, uma pessoa que observasse a boa e velha Várzea do Carmo em 1500 ou em 1900, pouca diferença perceberia: o trajeto curvilíneo do rio Tamanduateí serpenteando pela parte baixa dos outeiros onde se situa a região central da cidade de São Paulo, com a desembocadura do rio do Carmo a encher-lhe de água nos temporais de verão.

Avançando meros 50 anos, já estava essa mesma área irreconhecível: o rumo do Tamanduateí foi modificado, tornando-se reto; o rio do Carmo desapareceu, entubado que foi em uma galeria da rua Tabatinguera, e foi erigido um quartel e um parque – o Parque Dom Pedro II. Só não mudaram as cheias. Mais 50 anos e ele está ainda mais descaracterizado: a arborização foi sobejamente diminuída; muitos prédios foram erguidos, mas, sem a manutenção necessária, degradaram rapidamente. A região ganhou um imenso terminal de ônibus e perdeu qualquer espírito paisagístico, sendo o trecho mais violento do Centro, pior até mesmo que a Cracolândia. Guardem bem todas estas informações.

Quando eu ainda era um rapazinho, na já longínqua década de 80, trabalhei em uma metalúrgica que produzia máquinas-ferramenta para deformação de metais: eram tesouras mecânicas, guilhotinas, calandras, laminadores e principalmente prensas. Se você que me lê não sabe o que é isso, imagine o seguinte: você está na frente de um computador com sua caneca de alumínio, daquelas que mantém sua água, refri, chá, gasosa, cerveja, energético, caipirinha ou o que lhe contentar geladinhos por mais tempo. Essa caneca não saiu assim da natureza. Ela era minério de alumínio, que, uma vez aquecido, foi laminado e transformado em placa. Uma dessas placas foi colocada em uma máquina que, ao submeter-lhe à pressão de um golpe de algumas toneladas, deu-lhe a forma característica, obtida a partir de um molde que permite ao industrial produzir uma grande quantidade de outras canecas iguais. Essa máquina é a tal prensa.

(Para quem não se interessa pela área de mecânica e metalurgia, pode saltar estes parênteses confortavelmente; mas para esclarecer a quem ficou se perguntando que diabos são esses nomes todos: tesouras mecânicas servem para cortar chapas e peças metálicas; as guilhotinas também, mas o princípio de funcionamento é diferente – na tesoura, o corte é progressivo, como em uma tesoura manual, ou seja, o corte inicia quando você começa a pressionar as argolas e termina quando seus dedos chegam ao fim do curso. Já a guilhotina corta a peça toda de uma só vez, em um só golpe, como se fosse a cabeça de um condenado. Dependendo de sua regulagem, pode ser utilizada não para cortar, mas para dobrar metais, produzindo peça em “L”, como nas mãos francesas. Em tempo: tecnicamente, guilhotinas de papel são tesouras, não guilhotinas. Calandras são equipamentos de três rolos, onde dois rolos menores pressionam a chapa de metal contra o rolo maior, fazendo com que esta fique curvada, e laminadores são máquinas de dois rolos que se prestam a dar espessura desejada a uma chapa metálica. Sabe aquelas maquininhas de fazer massa de macarrão? O laminador é uma dessas com mania de grandeza).

O fabricante era filho de alemães, e gabava-se de produzir equipamentos duradouros, mesmo que trabalhando sob condições extremas de impacto e temperatura, como era o caso das infernais forjarias. E era verdade mesmo, sem papo de vendedor. As máquinas aguentavam sarrafo bruto à vontade.

Pois bem. Vieram os anos 90, e, com eles, a abertura de mercados; e, com ela, as máquinas chinesas. Máquinas modernas, precisas, muito mais leves e fáceis de transportar do que os trambolhos teuto-tupiniquins. Utilizavam comandos eletrônicos geridos por computador, em substituição aos dispositivos mecânicos da velha guarda. Eram fabricadas em poucas semanas, enquanto levávamos alguns meses para produzir ferramentas do mesmo porte. A tecnologia embarcada fazia supor um preço maior, mas não – uma prensa chinesa custava METADE da correspondente nacional. Com tudo isso, não havia como evitar: as novas máquinas chinesas eram melhores que as velhas brasileiras, correto?

Seriam, se não fosse um mero detalhe: as máquinas do velho senhor tedesco duravam não duas, nem três, mas QUATRO vezes mais tempo considerando o mesmo nível de eficiência. A heroína a salvar sua reputação era, como eu disse, a existência da política de superdimensionamento para evitar que problemas estruturais ocorressem, como quebras de solda ou fissuras, fatais em prensas. Em mãos habilidosas, rendiam e resistiam como nos bons tempos. Não deu muito certo, muito embora. A empresa se apequenou, e, de gigante do ramo, virou mais uma oficina de manutenção do que propriamente uma fabricante.

Isso tudo para demonstrar que a afirmação de que algo é melhor apenas porque é mais novo ou mais moderno é algo falacioso. É o apelo à novidade, ou argumentum ad novitatem.


Tudo o que é novo é necessariamente melhor?

É preciso colocar alguns pingos nos is. Em um mundo onde os ciclos de validade de uma determinada tecnologia são cada vez mais curtos, temos a tendência de vincular atualização permanente com melhoria na qualidade, o que nem sempre se encaixa. Lembrem-se do famoso caso do botão Iniciar, onipresente em todas as versões do Windows, que sumiu na versão 8, para reaparecer na versão 10, dada a avalanche de protestos dos usuários. Só que a variação tecnológica é tão presente em nossas vidas que acabamos por confundi-la com hábitos e costumes, achando que a novidade nestes também devem ser considerados melhores necessariamente, o que não são. A mesma pressão psicológica para trocar o celular se aplica, desta forma, à ética, ao convívio, ao corpo social. Basta que se pense nos velhos hábitos de gentileza com os mais velhos que acabam por se confundir com uma certa indiferença. Mas esta não é a tônica deste texto.

Outra coisa: novidade assemelha-se à evolução, e devemos lembrar que este é o mecanismo que fez com que as espécies no mundo sejam o que elas são hoje. Só que há um erro nesse raciocínio: na natureza, as novidades nem sempre são melhoramentos. Ao contrário até. As mutações costumam ser desvantajosas, sendo apropriadas em um número menor de vezes. Pense em uma mutação que gere o encurtamento da língua de um tamanduá, por exemplo. Certamente o pobre bichinho terá transtornos, e não benesses. Ou seja, as transformações são objetos para que a seleção natural atue, e a novidade pode ser fator de extinção, não de melhoria.

É óbvio que o recurso à novidade nem sempre é falaz. Não há dúvida, por exemplo, que os carros atuais poluem muito menos a atmosfera do que os antigões. Quem se lembra dos velhos DKW’s com motor de dois tempos sabe que de seu escapamento brotava uma fumaça azuladinha, de bela tonalidade, inexistente nos carros de hoje. Essa coloração se dava pela presença de óleo lubrificante junto à gasolina, misturados que eram, proporcionando uma quantidade muito mais significativa de poluentes, e poluentes perigosos. A presença de injeção eletrônica e catalisadores minimizou muito o problema, que somente é grande devido à gigantesca quantidade de veículos em circulação neste mundo de meu deus.

Por isso, dizemos ser esta uma falácia de relevância. Quando a novidade é importante para o argumento em questão, não podemos dizer que se trata se uma falácia. Mas, em geral, temos a tendência a associar o antigo ao antiquado, à ferrugem, à obsolescência; e novo ao avanço, ao moderno, ao melhor, esquecendo que nem sempre esse é um argumento válido.

E agora lembremo-nos da Várzea do Carmo e do Parque Dom Pedro II. Qual era melhor? O intocado e pouco aproveitável? O renovado e elitizado? O decadente e bem fornido de transportes? É melhor o novo, o velho ou o muito velho? Nada poderá ser dito com relação à novidade, mas com o uso racional da área. Por exemplo: a várzea original era muito ecológica, mas, justamente por ser várzea, era uma megalópole de mosquitos e pernilongos. Já o parque recém-montado era uma graça, mas foi a partir dele que o rio Tamanduateí ganhou estatuto de esgoto a céu aberto, sua única função a partir daí. E, por fim, o bairro atual é todo funcional, com ônibus, metrô, fura-fila, mercadão, vinte-e-cinco e santa-rosa, mas é preciso muito cuidado para andar por lá. Qualquer que seja o motivo de rejeição ou preferência, fatalmente estará pouco relacionado à novidade das implantações feitas na área. Perceberam?

Recomendação de canal:

Neste tempo em que as novidades são apresentadas nas propagandas como a quintessência da necessidade de consumo, é sempre bom ter alguém com os pés no chão para nos dar uns toques sobre suas armadilhas. Vou recomendar o bom canal da jornalista Francine Lima, que se ocupa em desvendar e desarmar as arapucas existentes em rótulos e embalagens, sempre com precisão e bom humor.

LIMA, Francine. Do campo à mesa. Vídeos. Disponível em: https://www.youtube.com/user/docampoamesa

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