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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Diário de bordo de uma nau sem rumo – 4º porto: Arapeí, dependência ou morte

Olá!

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Em prosseguimento à narrativa da minha turnê turístico-histórico-filosófica, onde, nesse ponto do andar da carruagem, já havíamos passado por Queluz, Silveiras e Areias, continuamos rumando para o sul, desta vez procurando as cidades de São José do Barreiro e Bananal (não necessariamente nessa ordem, como se verá em momento oportuno). Mas, no meio do caminho havia não uma pedra, mas a cidade mais jovem da região, a pequena Arapeí.

Pequena, no caso, é eufemismo. A cidade é realmente minúscula, a menor de todas as que visitamos. Sua população não passa de 2500 habitantes. É bastante nova como município, já que se desmembrou de Bananal apenas em 1991. O motivo de sua emancipação provavelmente foi porque se trata de um lugarejo distante da sede do município.


Bom. Aqui, em contraste com as cidades visitadas anteriormente, permanece o mesmo respiro histórico, mas ele é proporcional ao tamanho da cidade. Um dos exemplos mais marcantes é um casarão na beira da estrada, um tanto abandonado, e que provavelmente se tratava da sede de alguma fazenda.

Pela pequena região urbana, as casas são tremendamente simples, de poucos cômodos e todas emendadas e incrustradas nas ladeiras, mas, em geral, razoavelmente bem preservadas em sua singeleza, o que não deixa de ter sua beleza peculiar.

Todo o equipamento público também é bastante acanhado (e bonito). Na foto abaixo, temos uma imagem da sede da Prefeitura Municipal...

... e do Conselho Tutelar, um imóvel com a estranha ausência de calçada em sua lateral.

Bom, a rigor, o tráfego não é mesmo o pior dos problemas da cidade, onde pudemos observar algumas pessoas andando a cavalo, de carroça ou de bicicleta. O coreto da cidade foge um pouco do padrão do que costumeiramente observamos. Tem o formato mais semelhante ao de uma tribuna, em seção quadrada, e provavelmente deva ser utilizada não só para música, mas também para as manifestações políticas locais.

No caso específico de Arapeí, a igrejona matriz é o que há de mais interessante. E, neste caso, interessante mesmo. Postada no alto de um morro, é visível em quase toda a cidade.

É um edifício de bela feitura, com passagens para o coro bastante largas, o que torna possível uma ocupação bastante significativa nas solenidades mais relevantes.

A igreja é dedicada a Santo Antônio de Pádua, meu santo padroeiro, e seu nome completo é Santo Antônio do Barreiro de Baixo. Como já disse anteriormente, fica no alto de um morro íngreme, bem daqueles que eu já mencionei nos textos anteriores, e de seu adro é possível observar uma boa parte da paisagem da cidade, como o campo de futebol abaixo, a corroborar a sua altitude.
A igreja contém uma relíquia curiosa e um tanto macabra. Um pedaço de pele de seu padroeiro, Santo Antônio! Ela fica depositada em um relicário em forma de ostensório, que, por sua vez, está colocado em um nicho amparado por uma vidraça. Ela não foi consumida pelo tempo porque se encontra completamente desidratada.

Pela fotografia, não dá para perceber muito bem do que se trata, já que é uma relíquia bastante diminuta. Fiquei sabendo da existência de outra igual na cidade de São Pedro, estância hidromineral situada próxima à região de Piracicaba.

Lá, encontramos a Márcia, que é a sacristã da igreja e que nos deu informações bastante valiosas. Além de nos contar sobre as questões da reforma da igreja e da chegada da relíquia, explicou-nos que a cidade padece bastante com o êxodo dos jovens, que procuram outros municípios em busca de boas oportunidades de emprego. O artesanato em Arapeí é muito mais humilde do que nas restantes cidades do Vale Histórico, a indústria inexiste e o comércio é restrito à venda de poucos bens de consumo. As principais atividades econômicas são a agricultura e a pecuária, sendo que, pelo que pude observar nas estatísticas do IBGE, apenas a produção de leite tem alguma relevância. Muito pouco para representar uma perspectiva de futuro. O ecoturismo poderia ser mais bem explorado, isso é fato, e creio que os dirigentes dessa cidade deveriam pensar mais seriamente sobre isso.
Pensei logo de cara: “Bom, é mais uma daquelas cidadezinhas sustentadas pelo governo federal, e que não justificam sua existência”. Ledo engano. Fiquei surpreso ao descobrir que o município consegue se sustentar adequadamente, conforme pode ser visto no estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN. Achei muito legal isso. A maioria dos municípios vive em situação de penúria, e os mandantes de Arapeí podem ser considerados exemplares, pelo menos até prova em contrário. Mas, a princípio, meus parabéns.

Que legal! Boa gestão pública, segundo os grandes especialistas, é a chave do sucesso para a construção de uma sociedade funcional. Parece suficiente. Só que não.
Vamos olhar para outros aspectos. Colhi a informação do IDH da cidade. O Índice de Desenvolvimento Humano é um parâmetro que combina renda, escolaridade e expectativa de vida para balizar o grau de eficiência social de um determinado grupo, geralmente unidos em comum por um mesmo conjunto de políticas públicas. Desta forma, é razoavelmente comum medir o IDH de países, estados e municípios. Quanto mais próximo de 1 for o índice, melhor é o indicador. No caso específico de Arapeí, este índice é de 0,716, composto por 0,628 na renda, 0,676 na saúde e 0,845 na educação, o que, convenhamos, não é grande coisa, já que é visível que o fator educação puxa o índice para cima.
Falta alguma coisa. Se as contas estão equilibradas (o que é altamente louvável, eu repito), isso pode significar que não são suficientes para fazer a cidade crescer. O resultado é a estagnação e o consequente êxodo. Afirmei ainda há pouco que o turismo ecológico pode ser uma saída. Não sei qual seria a disponibilidade para investir nisto de forma responsável. Toda informação turística que encontrei foi a placa abaixo:

O que travará o desempenho da cidade? Pesquisei algumas teorias econômicas a respeito e encontrei uma interessante, do sociólogo e economista franco-italiano Vilfredo Pareto.
Nosso caro amigo pertence à escola neoclássica da economia. A diferença básica entre os neoclássicos e seus antecessores é a que diz que a riqueza de um país provém, para os clássicos, do que a terra produz e do trabalho exercido para transformar o que dela é possível extrair, enquanto para os neoclássicos esta fonte é mais subjetiva, devendo ser levados em consideração fatores de utilidade de cada forma de riqueza. Um exemplo bastante clássico é a água.  Em um país desértico, ela é um bem valiosíssimo, dada a sua escassez. Para sua obtenção, é necessário que se lance mão de processos caríssimos, como a perfuração de poços profundos, dessalinização de água marítima ou extensos aquedutos. Já em um lugar como o Brasil, a água é tratada quase que com banalidade, em vista de sua abundância. Somente quando o sapato aperta – como acontece com a atual fase de estiagem – damos conta da ineficiência do transporte, da insuficiência das represas, das consequências da falta de tratamento, do desperdício, da falta de manutenção dos dutos... Tudo isso porque temos água demais e nosso descaso (NOSSO, não somente das autoridades) é quase natural.

Pareto é bem famosinho por duas coisas: o apoio que deu ao fascismo de Mussolini (abramos os parênteses para fazer justiça. Este apoio se devia ao fato de que os fascistas apresentavam um projeto republicano – a Itália de então era uma monarquia. Como era um economista neoclássico, não via como alternativa as propostas dos socialistas. Mas, ao se dar conta da violência fascista, muda completamente de ideia) e pela regra 20/80, ainda hoje muito utilizada pelos picaretas consultores para justificar a necessidade de seus mui caros milagres diagnósticos. Para fins didáticos, explico que essa regra supõe que um pequeno número de causas (20%) é responsável por um grande número de consequências (80%). Assim, podemos exemplificar: 20% das pessoas provoca 80% da sujeira; 20% dos cidadãos detém 80% da riqueza; 20% das falhas causam 80% dos prejuízos e via discorrendo.
Mas o que nos interessará para este texto é um princípio conhecido como “ótimo de Pareto”, uma lei de eficiência econômica baseada em condições ideais de equilíbrio. Vamos a ela.

Uma sociedade pode ser reconhecida como Pareto-eficiente se cumpre três requisitos básicos:
a) Há eficiências nas trocas: tudo o que produzido pela economia é distribuído pelos agentes econômicos (aí entendidos os consumidores, o comércio, etc.), sem necessidade de suplementação externa nem de exportação de excedentes – exemplo: todos os sabonetes que são produzidos pela indústria ou adquiridos pelo comércio de um local são vendidos, sem que haja sobras significativas de estoques ou falta nos banheiros das asseadas residências, não por falta de poder de compra, mas por ausência do tal sabonete nas prateleiras;

b) Há eficiência na produção: ocorre quando é possível produzir mais de uma espécie de bem sem que, para isso, seja necessário reduzir a produção de um para ampliar a produção de outro – neste caso, suponhamos que uma fábrica de sabonetes decida produzir velas. É necessário que haja área e maquinário suficiente para tanto. Do contrário, as velas e os sabonetes compartilharão os recursos disponíveis, e será necessário reduzir as horas de fabricação de um produto e, por tabela, reduzir a quantidade de sabonetes para que tenhamos as tais velas;
c) Há eficiência no mix de produtos: acontece quando há produção adequada de tudo o que os agentes econômicos necessitam, sem falta ou excesso de algum destes produtos. Assemelha-se ao primeiro item, com a diferença de que o ponto discutido aqui se refere à diversidade de produtos disponíveis, e não às quantidades. Não basta que exista sabonetes. É preciso toalhas, xampus, cremes e outras perfumarias para tomar um banho completo.

Trocando em miúdos, a economia de uma localidade é eficiente se há equilíbrio entre tudo o que é ofertado e tudo o que é demandado. O ótimo de Pareto denota que nada sobra nem falta em um determinado aspecto econômico. Se sobra dinheiro, falta produto. Se sobra produto, é porque falta dinheiro. Se há excesso de um produto, há falta de outro. E assim por diante. O ponto de equilíbrio é tal que, havendo qualquer modificação para mais, necessariamente haverá uma modificação para menos em outro aspecto.
Há algo muito importante para se compreender essa parafernália toda e fazer com que ela produza sentido. Um ótimo de Pareto é um ponto de equilíbrio econômico, e não um indicador de excelência social. Uma economia equilibrada não é sinônimo de situação social avantajada. Tudo tem a ver com a quantidade de recursos disponíveis e da capacidade dos agentes econômicos fazerem girar a economia.

E aí nós podemos encaixar o caso de Arapeí. Se é verdade que sua economia é equilibrada, seu limite de investimento é muito baixo. Imagine instalar uma grande concessionária na cidade. Quantos automóveis venderia por ano? Seria suficiente para manter uma estrutura robusta? Neste aspecto, é preciso tomar cuidado para não tropeçar, condenando o lugar a ser eternamente mal equipado, por conta da manutenção do equilíbrio das contas. Não quero dizer que Arapeí deva se endividar, destruir seus recursos naturais ou sua história, mas deve estruturar projetos eficientes que aumentem sua possibilidade de atingir índices sociais mais atrativos, e que diminuam o êxodo de sua juventude.
No final das contas, acho que Arapeí faz muito bem em se manter como é, mas precisaria olhar com cuidado para sua própria população. É um lugarejo muito tranquilo, como nos contou a Márcia, mas que pode se tornar melhor nos demais aspectos, utilizando bem seus recursos naturais e acolhendo investimentos que a permitam se tornar ainda melhor. O bom índice educacional já aponta para isso.

Finalmente, apenas por curiosidade. Eu tinha tanta certeza que Arapeí era uma cidade com sérios desequilíbrios financeiros que bolei o título deste texto antes mesmo de escrevê-lo. Resolvi mantê-lo unicamente por conta da baixa renda de seus habitantes, mas é sempre bom tomar uns tombos para perceber como funciona o mecanismo do preconceito.
Recomendação de leitura:
Eu não sou um especialista na área, mas a Economia é sobrinha da Filosofia, e, como tal, acaba por despertar algum interesse em quem curte pensar. Pareto é bacana de ler, porque suas teses econômicas foram construídas para dar base a um contexto maior, que é o viés sociológico. Sugiro o que segue:

PARETO, Vilfredo. Manual de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1984
Este é o site de onde extraí as informações da produção de Arapeí:
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=350315&idtema=3&search=sao-paulo%7Carapei%7Ccenso-agropecuario-2006

E este é onde encontrei a pesquisa da Firjan:
http://oglobo.globo.com/infograficos/gestao-fiscal-firjan/

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