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sábado, 10 de março de 2012

Sobre os memes (memês? memés? mêmes?)

Olá!

Meus caros, tenho notado nos últimos tempos uma mui grande proliferação, em especial nas redes sociais, de uma série de caretinhas desenhadas toscamente, utilizadas para ilustrar e realçar algumas situações do dia-a-dia, muito comuns ao ser humano em geral. São expressão de situações de ódio, fracasso, gozação, euforia e outros sentimentos muito ao gosto da juventude, denominadas genericamente de memes. Há vários tipos deles, como frases, vídeos, imagens, musiquetas (como a tenebrosa “Ai, se eu te pego”). Outros exemplos são a disaster girl, o dramatic chipmunk, o vídeo com o Vanucci bêbado, a Luiza que foi para o Canadá e via discorrendo. Para que tenhamos um meme de internet, é preciso que ele se espalhe muito e rápido.

Só que o conceito de meme é um pouco mais antigo do que pode parecer atualmente, e também muito mais amplo. Como veremos a partir de agora, o meme de internet usa esta nomenclatura emprestando apenas algumas das características de uma ideia bastante polêmica e fascinante. Vamos lá?

Comecemos pelo pai da criança: Richard Dawkins. Trata-se de um cientista inglês nascido no Quênia (quando este país era colônia da rainha) que, em seu livro “O gene egoísta”, de 1976, propôs uma nova forma de tentar compreender o pensamento. O raciocínio é seguinte: o corpo humano é composto por sistemas extremamente complexos, que são subdivididos de acordo com sua função no organismo. Assim, temos o sistema nervoso, o gástrico, o ósseo, o sanguíneo e assim por diante. Esses sistemas, por sua vez, são compostos por órgãos, que possuem funções mais específicas, como o coração, pulmão, fígado e blá, blá, blá. Estes órgãos são feitos de tecidos, que são feitos de células, que possuem componentes internos, sendo que em seu núcleo encontramos os filetes de cromossomos, onde está o terror dos pais fugidios e a salva-guarda das mamães em apuros: os genes.

Os genes são as menores unidades em que se encontram informações que podem ser transmitidas de um organismo para outro. Quando temos uma fecundação, são eles que se encarregam de produzir as características do novo contribuinte que será disponibilizado ao erário, já que eles armazenam as características físicas do pai e da mãe. Com a combinação destas particularidades, teremos uma pessoa única, totalmente individualizável, com ela também portando um conjunto singular de genes.

Pois muito bem. A proposta de Dawkins consiste em supor a existência de uma mecânica similar em conteúdos externos aos genes, em especial ao pensamento. Ele aposta que há um correspondente ao gene em nível mental, ou seja, uma unidade mínima que abriga uma informação simples. A essa unidade ele deu o nome de “meme”. O seu estudo é chamado de memética.


Pequena pausa sem sair do assunto: já ouvi várias pronúncias para esta palavra – même, memê, memé. De acordo com o próprio autor, a pronuncia correta é “mim”, para rimar com a palavra inglesa “cream”. Porém, não criemos celeumas e falemos como melhor entendamos, pelo menos até a consagração do termo.

Voltemos. O termo meme é forjado a partir de duas palavras gregas: mnemosyne e mimesis. O primeiro diz respeito à memória e o segundo à imitação. A ligação de ambas com o conceito é mais ou menos a seguinte: um meme é uma informação simples que fica armazenada na memória. Por exemplo, temos um conceito mínimo que nos indica o significado de “caneta”, outro que nos informa o que é “azul”. Cada um deles é um meme. Ao juntá-los, temos uma informação mais completa – "caneta azul". O processo de ação e de conhecimento é dado pela combinação de diversos memes, que acabam por se intercambiar, formando dados cada vez mais complexos e que formam todo o arcabouço intelectual humano. Assim, sistemas filosóficos, algoritmos matemáticos, regras de convivência, princípios morais e tudo o mais são gigantescos conglomerados de memes, cuja informação básica é absurdamente pequena, da mesma forma que acontece com os genes, só que sem substância – os memes não são palpáveis, como palpável não é o pensamento. Não se coloca um meme na bandeja para servi-lo a la carte.

Há um problema, portanto. Para que se cumpram as regras de sobrevivência e perpetuação, os genes possuem um meio físico em que se dá a sua propagação – os próprios organismos. Através da reprodução, seja ela sexuada ou não, os genes acabam por se perenizar, ou ao menos tentar fazê-lo, transmitindo seu conteúdo para os quatro cantos. Que meio os memes teriam para fazer a mesma coisa, já que eles não são físicos? Dawkins indica que a multiplicação deles é feita de cérebro a cérebro, em um processo que utiliza amplamente a linguagem.

Desta forma, nasce nos indivíduos uma necessidade ancestral de se comunicar, por força da ação dos memes, que buscam a todo custo sua sobrevivência, e a transmissão intercerebral é sua única ferramenta. Uma informação, de fato, é muito difícil de reter. Veja o caso dos segredos: por que os humanos têm necessidades de confidentes? E por que estes costumam ser indiscretos? Na opinião de Dawkins, por conta do impulso reprodutivo dos memes.

Da mesma forma que os genes, também os memes conseguem se estabelecer utilizando a lógica evolutiva de Darwin – a seleção natural. As idéias mais decantadas, os conceitos melhor assentes no senso comum, são os elementos fortes desta inusitada natureza. Muitos memes nascem e morrem praticamente instantaneamente, mas os melhores adaptados propagam-se de maneira virulenta. Essa grande carga de informações à caça de um cérebro para se estabelecer se dá por todos os meios possíveis de comunicação, e a internet possui uma capacidade de propagação avassaladora. Taí a grande ferramenta: é rápida, de grande alcance, de fácil utilização e com um banco gigantesco de informações.

Onde entra a questão da mimesis, ou seja, da imitação? Os humanos são seres gregários, vivem em bando, ao menos atavicamente. A ação coordenada dos agrupamentos humanos garantia o sucesso na execução de tarefas, permitindo que a repetição de ações, como jogar pedras contra o inimigo ou espetar a caça com objetos pontiagudos, proporcionasse uma maior expectativa de vida. Como uns observavam o sucesso dos outros, e verificavam que havia uma melhora na qualidade da sobrevivência, estas ações acabavam por se tornar interiorizadas, e uma vez que isso acontecia, a mimesis se espalhava para outras atividades menos concretas, e o grupo passava a rezar em conjunto para as divindades, relatar conjuntamente suas atividades através da arte pictórica, coletar e plantar. A imitação passa a ser um fator preponderante e favorável na seleção natural. Imitar é sobreviver.

Já agora podemos enxergar as características da memética que foram aproveitadas nos memes da internet: sua virulência - capacidade fantástica de propagação - e sua replicação - já que os memes tendem a ser reutilizados nas mais diversas situações, e o homem é naturalmente instigado a fazê-lo. De fato, há alguns milhões de piadinhas com o LOL, o Forever Alone, o Trollface e outros menos votados, onde cada um deles é uma unidade mínima de informação. O campo da internet, como já disse, é vastíssimo e propício, totalmente apto à disseminação de informações, ainda que estas não signifiquem necessariamente conhecimento. As redes sociais elevaram o tamanho deste espaço à enésima potência, tornando uma lenda urbana antiga como a "Loira do Banheiro" em peça de museu.

Minha opinião sobre os memes de internet? Alguns são legais.

Recomendação de leitura:

Richard Dawkins não faz um trabalho sistemático ao tratar da memética. Ele trata da questão muito por alto, não levando a cabo uma investigação científica no sentido rigoroso do termo. Antes de se impor como uma teoria, é apenas uma hipótese, mas tremendamente interessante. Eis o livro:

DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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