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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Natal: três pontos para serem debatidos

Olá!

Tá chegando o Natal, época festiva em que a cidade fica ainda mais virada de cabeça prá baixo do que já é normalmente, por conta da correria das compras de presentes e guloseimas, já devidamente aí embutidas aquelas destinadas à virada do ano. Muitas atitudes, muitos modos diferentes de comemorar a data. Uns gostam mais, outros ligam pouco, mas quase ninguém é indiferente. O que o Natal representa para você?




Hoje vou mais de opinião e menos de Filosofia metódica. Para mim, há três pontos interessantes para observar nessa época do ano.

Primeiro: Há tempos que o Natal recebeu uma nova significação. Os princípios religiosos foram meio que deixados para trás, como exige nossa sociedade que vai a caminho da secularização. O grande barato agora são as regras de consumo, nossa nova (tá bom, nem tão nova assim) divindade. Vamos relembrar nossos cadernos de catecismo (não os do Carlos Zéfiro): o Natal é a data de nascimento do menino Jesus, que o cristianismo coloca como ente divino. O que é feito para celebrá-lo? Quase nada, percebo eu.

Em tempos em que a religião católica era preponderante no Brasil, a chamada “missa do Galo” era uma das comemorações mais centrais do ano litúrgico. Era celebrada à meia-noite, e estendida aos primeiros minutos da madrugada, em uma ritualização semelhante à espera do nascimento do Filho tão esperado. O culto espelhava a história do acontecimento, imbuía nas pessoas um espírito de pertença a essa história. A protestantização e sua conseqüente iconoclastia tiraram muito do caráter coletivo da celebração memorial do nascimento de Cristo, e minou as defesas do sentimento religioso para sua manutenção. O Catolicismo se enfraqueceu diante de um mundo cada vez menos espiritualizado, se desatualizou e já não consegue oferecer uma resposta atual à mecânica liberal-capitalista, que tomou de assalto esta e outras celebrações, como a Páscoa e seus chocolates. A distribuição de presentes era coisa secundária, derivada da visita dos Reis Magos, mas é isso que restou de fundo religioso, devidamente acomodada aos ditames comerciais. A própria figura do Papai Noel é originada de um santo, Nicolau de Mira, mas da figura original só resta a cor predominante das roupas, o vermelho.

Segundo, já que falamos de presentes: Tenho observado uma relação diferente entre o imaginário das pessoas e sua efetiva aplicação. Trocando em miúdos, percebo que as pessoas desprezam seus sentidos de criatividade e de ousadia em detrimento de uma maior segurança. Vamos ser claros, vai! As pessoas arriscam muito menos com presentes. Os amigos secretos das empresas são constituídos por um sem-fim de vales: vale-livro, vale-CD, vale-compras, vale-isso, vale-aquilo... Por que será, hein? Eu entendo que grande parte da graça em dar um presente está justamente em tentar adivinhar o que agrada à pessoa que o recebe, mede a percepção que eu tenho sobre os gostos e hábitos do outro e, no limite, demonstra uma preocupação maior de mim para com o próximo. Não é o caso de procurar, por exemplo, “puxar o saco” de determinado cidadão, mas de procurar respeitar um determinado modo de ser, de “esvaziar” meus gostos e preferências para tentar entrever a visão alheia. Creio que esse é um excelente exercício! Já pensou se tentássemos pensar um pouco mais com a cabeça dos outros, quantos problemas não conseguiríamos evitar? Mas estamos cada vez mais preferindo evitar um risco que PODEMOS correr. Errar um presente não é uma desgraça, é um aprendizado. É, de certa forma, um recado que mandamos, uma sugestão que damos. Por que não posso comprar um perfume para uma pessoa? Ah, perfume é pessoal demais. Ora, o que não é pessoal, cara-pálida? Mesmo na ditadura dos vales nós corremos riscos. Vale-livro para quem tem tio dono de livraria, já pensou que bacana?

E terceiro, já que falamos de Papai Noel: não tenho nada de especial contra o bom velhinho, por isso mesmo acho bom deixar bem claro à criançada seu verdadeiro papel no Natal: o legendário. Nunca me agradou a idéia de iludir meus filhos com a história de um senhor de barbas brancas vindo do pólo Norte que traz um saco de presentes para dar para as crianças boazinhas. Em primeiro lugar, isso é uma chantagem para exercer a (falta de) autoridade: eu compro sua obediência e você não precisa fazê-lo por minha ordem, mas em troca de um presente. Em segundo lugar, há o eterno problema da realização de um desejo que nem sempre é tangível. Não me refiro à arapuca do presente caro – isso se remedeia com o aumento da mentira, basta dizer que o Papai Noel estava com dificuldades financeiras – mas ao “presente” que o afeto pede: as crianças não têm articulação intelectual suficiente para discernir que é inócuo pedir concórdia entre os pais, ressurreição dos avós mortos, carinho do genitor ausente, mas a criança coloca tanta fé naquele mito que uma decepção pode marcá-la para o resto da vida. E não devemos subestimar a capacidade da criança em odiar. Tanto quanto o Papai Noel, a criança desprovida de sentimentos negativos é mítica. Para que, então, tratar da criança com uma mentira?

Ah, mas isso é estimulador para a fantasia da criança! Ora, que besteira. A criança CRIA as suas fantasias e articula com elas, SEM necessidade de que as incutamos em suas cabeças. O efeito é contrário. Vender uma ilusão pré-fabricada é justamente apostar na incapacidade da criança em produzir seu próprio imaginário.

Por esses motivos, optei por não atribuir ao Papai Noel o presente de Natal aos meus filhos. Prefiro fazer um agradecimento a Deus pela oportunidade de termos aquilo que pudemos ter.

O que eu acho do Natal, portanto? Ora, eu adoro o Natal. É um momento lindo, em que pensamos na caridade e na solidariedade, na união. Não repilo o Papai Noel neste sentido. É um símbolo belíssimo, se remontarmos suas origens: a da doação gratuita, sem necessidade de um relacionamento íntimo para a obtenção do amor. Gosto muito da alegria das luzes e dos enfeites, do espírito de reconciliação, do eterno recomeço, das pessoas reunidas em torno da mesa, da consciência do alimento como manifestação do sagrado. Gosto demais dos presépios, representação maior do Natal, último resquício material da religiosidade destes tempos de compras apressadas.

Por tudo isso, desejo sinceramente aos meus colaboradores, leitores, visitantes eventuais e a toda humanidade um feliz Natal. Em especial, aos jovens que lêem estas mal traçadas linhas e encontram nelas motivos para pensar, concordar, discordar, pedir mais. Que todos possam se encontrar mais felizes, e que possam visualizar na alegria alheia uma parte integrante da sua própria alegria.

Recomendação de leitura:

Para não passar em branco, indico um grande clássico de motivo natalino para meus seguidores. Trata-se de um conto de Charles Dickens, muitíssimo conhecido, e que talvez não seja novidade, mas que tem uma abordagem interessante na medida em que reputa como secundária a chave monetária para um bom convívio com o outro.

DICKENS, Charles. Um conto de Natal. LPM: São Paulo, 2003.

Agradeço à Ná, à Rê, ao Lucas, ao Azul, ao Bruno e ao Felipe por comporem o presépio que ilustra este texto.

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