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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre a angústia

Olá!

Em um dos meus escritos anteriores (este), mencionei que duas coisas são inevitáveis em nossas vidas: a morte e a angústia. Senti necessidade de falar um pouco melhor sobre isso, especialmente sobre a última. Então vamos lá.

A angústia é inevitável em qualquer ser humano, porque é inerente à espécie. A cada momento convivemos com a incerteza sobre o futuro. Claro, este é imprevisível, por mais que tentemos desenhá-lo. Das divisões do tempo, é a única intangível, porque o passado reside na memória e o presente pode ser compreendido como uma sucessão praticamente infinita de acontecimentos, como se fosse um rosário de "agoras". E quanto ao futuro? Passarei para a próxima conta? E como esta será? Maior, menor, mais próxima, mais distante? Essa incerteza produz em nosso equipamento psicológico um misto de medo pelo desconhecido e tristeza por nossa impossibilidade de intervenção. Todo sentimento vem acompanhado pela angústia, até mesmo a alegria. Não temos certeza alguma em sua continuidade.


O filósofo francês Jean Paul Sartre, em sua obra O ser e o nada, faz uma investigação interessantíssima sobre a questão. Falando muuuuuuuuuito superficialmente, para ele, a angústia humana está vinculada à sua liberdade. Não parece estranho? Sua mais famosa frase é justamente "o homem está condenado a ser livre".

Segundo a filosofia existencialista, o homem não tem "liberdade de", mas "liberdade para". Que liberdade é essa? Ora, a liberdade para fazer escolhas.

Aparentemente, este tipo de liberdade é ótimo, e realmente o é, porque isso significa que o homem tem a possibilidade de guiar sua conduta, mas é exatamente aí que a angústia entra em ação. O homem escolhe porque tem a obrigação de fazer escolhas, e com isso carrega todo o peso da responsabilidade por elas. E sabe, também, que o menor ato praticado hoje trará reflexos pelo restante de sua existência.

Cada escolha representa um custo de oportunidade que pode jamais ser revertido. Se eu ofendo uma pessoa, por exemplo, não consigo dimensionar todo o alcance que terá esta minha ação. Poderei causar uma reação intempestiva, ocasionar uma vingança, forçar uma mágoa inesperada, ou até mesmo uma indiferença que me tornará perplexo. Da escolha que eu tomo, não tenho certeza alguma quanto aos seus efeitos. E o que é pior: não há nem mesmo como me recusar a escolher, já que a omissão é, por si só, uma escolha, com tantas consequências quanto as de uma decisão tomada.

É este o mecanismo que opera nos idosos quando eles sentem-se próximos da morte, ou pior: já aqui as contingências reduzem seus campos de escolha, e a angústia se amplifica. O mesmo se dá com os doentes, com os encarcerados, com os miseráveis. Mas isso não significa que o jovem, o saudável, o liberto e o rico não se angustiem, também. Como eu disse anteriormente, há o risco permanente de perda, e esta é a usina que produz a tristeza.

Se a vida é uma permanente angústia, e esta só é encerrada em plena certeza com a morte, por que continuamos achando que vale a pena viver? A ferramenta para continuarmos sobrevivendo chama-se fé.

Não me refiro aqui meramente à fé das religiões. Vários filósofos já discutiram a questão e chegaram à conclusão que, antes de ser um mero conforto, a religião sistematizada é um limitador da ação humana, não apenas no sentido moral, mas intelectivo, ao tentar guiar o pensamento aos seus ditames e regras. Meu foco, no caso, é um pouco diferente.

Crendo-se ou não em um Deus sistematizado, o fato é que sempre temos algo em que acreditamos, algo que está fora de nós, algo que nos transcende. Os ateus costumam dizer que só crêem naquilo que pode ser comprovado, que a religião é um simples lenitivo a quem não suporta a própria dor. Pois bem, que assim seja. Mas esses mesmos ateus acreditam que um novo dia surgirá a cada manhã, e que de uma forma ou de outra a vida vai continuar. Essa crença baseia-se em que? Em uma habitualidade que, segundo David Hume, é derrubada com um único ato que a contraponha. Basta que o sol não nasça para que bilhões de anos de experiência sejam jogados na lata de lixo.

Mas a crença de que o novo dia amanhecerá permanece, porque a ciência surge da hipótese, e esta não é palpável até que seja provada. Desta forma, transcende ela da própria realidade, da mesma forma que o futuro. Este é uma hipótese, está fora de qualquer campo empírico. Temos fé no futuro, ainda que não o vejamos.

Qual é, então, o nome do seu Deus? Jeová, Allah, ciência, futuro? De toda forma, nosso sustento vem da fé em algo que transcende a nós, algo impalpável, algo intangível, e se cremos na transcendência, não podemos nos considerar ateus ou, pelo menos, desprovidos de espiritualidade. Só os suicidas o são de fato e, mesmo assim, a perda da fé se dá por puro desespero. A ferramenta é a mesma, mudamos apenas o nome e a forma.


Recomendação de leitura:

O pensamento de Sartre é muito complexo, mas que vale a pena ser conhecido. Sua principal obra é:

SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada. São Paulo: Vozes, 2005.