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sábado, 30 de julho de 2011

A tragédia da morte na juventude

Olá!

Vou retomar o tema Amy Winehouse, desta vez sobre outro prisma. Uma morte deste tipo causa choque em todas as pessoas, como sempre ocorre quando um evento assim é evitável. São assim especialmente se há um processo contínuo de auto-destruição e aniquilamento, o que pode terminar inclusive em suícidio, como foi o caso do líder do Nirvana, Kurt Cobain. A interrupção repentina destas vidas gera um vazio doloroso, porque são sinônimos de fracasso, um fracasso que não é compensado pelo êxito em uma área específica. Mas em que medida este fracasso não é apenas do falecido, mas de toda a humanidade?


Vou referir-me a Schopenhauer, como já havia feito em postagens anteriores (Comércio de animais e a tridimensionalidade humana e A razão e a vontade). Para ele, o mundo é feito de representações da vontade. Esta é única, mas se manifesta diferentemente para cada pessoa. Cada visão é feita a partir de uma determinada perspectiva. A vontade que se manifesta a mim é completamente distinta daquela que se manifesta a qualquer outra pessoa.

O que eu tiro disto tudo? Que o conjunto de impressões que eu obtenho de minha relação com o mundo é totalmente próprio. Esse processo é irrepetível, porque mesmo quando eu imito, o faço por motivos próprios, de maneira própria, com reflexos físicos e psicológicos próprios e com resultados finais próprios. Desta forma, eu constituo um mundo próprio, absolutamente único, que é só meu. Portanto, quando uma pessoa morre, todo esse conjunto morre junto. Ou seja, o UNIVERSO INTEIRO morre junto com a pessoa. Qual universo? Aquele que foi gerado pelas suas representações.

Todo o patrimônio intelectual da pessoa vai-se embora também. As manifestações artísticas, as ideias, o modo de se resolver os problemas quotidianos, a expressão dos sentimentos. Como membro da humanidade e como possuidor de um conjunto único de representações, podemos afirmar que sua perda é perda para todos.

Daí a importância do registro. Quando escrevo neste blog, estou registrando minhas impressões, estou manifestando um modo de pensar que, por ser eu humano, é também de todo o conjunto da espécie. O mesmo se dá quando alguém comenta estes escritos: suas impressões são registradas e repassadas. Quanto mais debate temos, mais intensamente a teia humana vai se entrelaçando, e mais rico se torna não apenas este blog, mas o arcabouço intelectivo humano. Isso se dá na obra de arte, nas relações pessoais, nas manifestações políticas, nos cultos religiosos, em tudo. Há sempre alguém que se manifesta, outro alguém que recebe a manifestação, a interioriza e replica. O processo é dialógico.

A tragédia da morte na juventude é que ela ocorre fora de hora. Todo o processo é interrompido. Os universos são extintos antes de manifestarem sua plenitude. Quanto mais não teríamos de Amy Winehouse, Kurt Cobain e outros se eles ainda estivessem vivos e produtivos? Quanto de sua arte e conduta ainda não poderiam gerar de debates? A morte, sabemos, é tão inevitável quanto a angústia, mas este corte brutal é uma perda repentina para todos os seres humanos, e isso doi muito.

Recomendação de audição:

Como eu já disse, não sou exatamente um fã de Amy Winehouse, mas não deixo de reconhecer qualidade em seu trabalho. Por isso, vou recomendar sua masterpiece.

WINEHOUSE, Amy. Back to black. CD. Nova Iorque: Island, 2006. 33:23 min.

PS importante: alguns seguidores deste blog estão reclamando que está difícil postar comentários, porque a maquininha de postagem costuma dar erro. Bem, quando redijo um novo texto, sempre informo no Facebook. Podem postar comentários lá, o valor é o mesmo. Só não deixem de contribuir para os nossos universos.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sobre a fama e os extremos de seus problemas

Olá!

Amy Winehouse... Não era fã dela, não curto muito o som dela, mas sua trajetória inevitavelmente me faz pensar. Como o triste desfecho de sua vida está bombando em todos os meios de comunicação, muitas outras histórias do show business estão sendo relembradas. A síndrome dos 27 então, nem se fala. O que mais me chama a atenção é a maneira como a vida das celebridades é devassada, como cada passo é seguido e como as especulações se amontoam. São toneladas de fotos, vídeos, declarações e entrevistas que focam o lado feio da sua carreira. Creio que nunca uma morte foi tão previsível.

A mídia não tem piedade. A busca pela informação não tem uma ética bem definida, e colide com a individualização do ser humano, apregoada pelo modus vivendi liberal-capitalista. É como se as pessoas precisassem obter notícias de seus ídolos para suprir a falta de acontecimentos em suas próprias vidas. Já notaram como os programas de televisão, os sites de notícias e as revistas são repletas de futilidades? Fulano causou em uma festa, sicrana ficou com beltrano, mengano viajou prá não-sei-onde e por aí afora? A mídia substituiu definitivamente as antigas Donas Xepas, que tinham por diversão "cuidar" da vida alheia em sua própria rua. Com uma diferença: a precitada Xepa observava a vida de SUA comunidade, algo que a circundava e que podia, de uma forma ou de outra, influir em sua própria vida.

Hoje não. Talvez não saibamos nem o nome de nosso vizinho de parede, mas nos preocupamos com o que acontece com nossos ídolos, lááááááááááááá do outro lado do mundo, em um nível de detalhe que não temos nem de nossos próprios familiares.

Só que a fama é um fardo pesado prá se carregar. A perseguição é incômoda, deprimente e até perigosa. Lembrem-se que a princesa Diana morreu em uma fuga de paparazzi. O preço pago, portanto, pode ser altíssimo. Vejam novamente o caso da cantora recém-falecida. O que mais deveria importar é o legado musical que ela deixou, mas a imagem de uma drogada inconsequente e escandalosa é o registro mais frequente e significativo. Certo: que dessa tragédia extraiamos lições, mas exemplos como esse podemos obter aos montes em qualquer esquina da cidade, pessoas que estão ao nosso alcance e que deveriam nos interessar mais do que interessam.


Essa história fez-me lembrar de um livro, chamado "O Santo da ilha", escrito pelo agitador cultural catarinense Wilson Rio Apa. Comprei-o no sebo e paguei um preço baratíssimo, e provavelmente seria dinheiro jogado fora. Sua leitura, no entanto, revelou uma obra que é uma pequena pérola, um livro brilhante até.

Trata-se da história de um menino que nasce com uma pequena mancha na testa, e que por força das circunstâncias e coincidências é adotado como santo pela comunidade local. Ao compreender-se como tal, inicia sua luta para ser reconhecido como ser humano, dono de virtudes e defeitos, despido de qualquer taumaturgia. Mas o mundo ao seu redor já estabeleceu sua condição. Não há atitude que ele tome que não acaba por agravar a situação, mesmo que essas atitudes sejam a antítese das suas características de santo, ou seja, a criação da imagem gerada por sua fama. Mais não conto, para não tirar a graça da história, que é muito boa e vale a pena ser lida. Tenho o livro. Quem quiser e me conhecer pessoalmente, pode lê-lo.

Conclusão: a fama pode parecer boa, mas coloca-nos em tal condição que se torna difícil desvencilhar-se dela, a tal ponto que corremos o risco de sermos desnaturados, e não termos nossas reais necessidades reconhecidas. Nem todos possuem equipamento psicológico suficiente para suportar. Essa menina, a Amy, não tinha.

Há mais o que falar sobre o caso em questão, e voltarei em breve ao assunto.

Recomendação de leitura:

RIO APA, Wilson. O Santo da ilha na guerra dos rumos. São Paulo: Brasiliense, 1978.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Pais e filhos

Olá!

Uma das marcas de nossa época contemporânea é o conflito entre pais e filhos. Uma sociedade que encara uma forma cada vez menos nuclear de família vive uma contradição gigantesca: enquanto é atribuído ao desmanche do modelo pai+mãe+filhos toda sorte de mazela, torna-se cada vez mais fácil e comum a vida em ambientes múltiplos. Temos uma família tentacular, onde os filhos convivem com a namorada do pai, com o novo marido da mãe, que por sua vez já possui filhos de outro casamento e via discorrendo.



Meu objetivo aqui não é defender um ou outro modelo, nem pensar em um regresso à estrutura de clã dos tempos mais antigos, onde várias gerações dividiam o espaço comum sob a autoridade dos mais velhos. Minha ideia é compreender o que gera os conflitos mais diretos, ou seja, quais as razões que levam os filhos a buscar independência e os pais a se opor a ela.

Seguindo o espírito deste blog, passo a relatar minha experiência pessoal. Não tive grandes conflitos na transição de minha juventude para a minha vida adulta. Comecei a trabalhar bastante jovem, como jovem também casei e tive meus filhos. Minha mãe encarou tudo isso com naturalidade, nunca deixamos de estar próximos, sendo que, inclusive, ela mora hoje no mesmo prédio que eu. Já meu pai... bem, ele sempre esteve ausente, acho que não faz muita diferença.

Vamos pensar primeiro no lado dos filhos. As crianças são dependentes dos pais, isso é natural. Precisam de atenção, carinho, blá, blá, blá. Os pais são, antes de mais nada, referências a serem seguidas na visão das crianças (quanto à sua ausência, comentaremos em outra oportunidade). Já na adolescência, quando o indivíduo ganha autonomia, passa a possuir poder de abstração, já procura pensar por si próprio, e esse modelo é colocado em questão, podendo inclusive tornar-se antagônico. Todas as suas convicções anteriores são colocadas em xeque, para ver se resistem à prova da oposição. Este mundo é propício à busca de desafios, e os pais tornam-se uma parede difícil de ser escalada e uma janela fácil de ser alvejada. Quando a família era mais hierarquizada, as coisas eram mais fáceis. O pai falou e pronto, era feriado. Hoje, porém, os jovens querem ter sua individualidade respeitada. Querem que suas opiniões sejam ouvidas e consideradas, não querem ser guiados como cegos ou como as crianças que deixaram de ser. O argumento da experiência dos pais é bom, mas incompleto. Por mais que uma pessoa seja vivida, ela jamais conseguirá ter passado por todo tipo de situação possível, e as soluções que serviram para saltar seus obstáculos podem não ser úteis e aplicáveis em qualquer situação. Os pais parecem querer viver a vida dos filhos como se fossem as suas, e acabam por ser entraves no seu desenvolvimento humano.

Tá, agora vamos para o outro lado. Um costume corriqueiro nos pais é projetar seus desejos nos filhos, no sentido de que gostariam de ver nos filhos aquilo que não foi possível para si. Outra questão é a continuidade: os pais querem que as coisas se passem com uma certa estabilidade, além de considerar respeitoso que os filhos deem andamento à sua "obra". Os pais tem, portanto, uma tendência à permanência, principalmente psicológica, mas também situacional com relação aos filhos. Quando ocorre o confronto, a reação mais evidente é a defesa contra a perda de poder. Há o medo recalcado de que os filhos deixem de ser aliados para serem adversários. Um adversário à hierarquia, à obediência, ao espaço vital. Isso tudo dentro do próprio ninho. É um medo ancestral, mas que é razoavelmente evidente.

Existe outro elemento atávico, muitíssimo mais cruel, porque é menos óbvio, que deflagra conflitos interiores nos adultos. E se resume no seguinte: a independência dos filhos é o sinal mais certeiro de que estamos ficando velhos, e nosso sentido de preservação sofre um sério abalo - a angústia da morte se torna mais presente.

Notem que os projetos de quem tem filhos adultos são todos de curto prazo: fazer uma viagem no fim do ano, pintar a casa, trocar de carro. Como o futuro já é menos importante (e desejado), há uma propensão a sobrevalorizar o passado. Quantas vezes não ouvimos a mesma ladainha? - No meu tempo é que as coisas eram boas!!!

Claro que eram!

Foram o auge do vigor físico, da energia, todos os sonhos eram possíveis e todas as possibilidades estavam abertas, exatamente da mesma forma que para os filhos de hoje. Não havia a hipertensão, diabetes, todos os dentes estavam na boca, não tinha essa maldita dor nas costas de todo dia, subir três lances de escada não era um sacrifício, não tinha tantos amigos distantes, desfeitos ou mesmo mortos. Essas dores todas vão se interiorizando em um lento processo de pertença a seu próprio mundo, e a discrepância com os filhos é seu marco inicial, quase sempre. O direito de sonhar muda de mãos. A vida do jovem está para frente; a da pessoa que envelhece, para trás.

Já notaram como os avós são desmedidos? Como deixam os netos fazerem coisas que jamais deixariam seus filhos fazer? Isso é praticamente um pedido de perdão pelo que deixaram de dar, pelas inúmeras broncas, pela desatenção, e que somente a concessão feita aos netos pode redimir.

Vemos, portanto, que o confronto é muito mais complexo do que pode parecer a primeira vista. Não se trata de luta de vaidades. De um lado, temos um polo que clama por se livrar de sua gaiola, de viver a própria vida, nem sempre se lembrando de que os enganos nos rumos tomados podem ser bastante dolorosos; do outro, temos pessoas que, por trás de uma aparência de firmeza, vivem uma insegurança e uma angústia muito maior do que se poderia supor.

A chave para a resolução do conflito é justamente ter plena consciência do que está em jogo. A paciência e a cordialidade são boas ferramentas para tanto. O confronto não vai deixar de existir, mas é possível reduzir os danos se ambas as partes usarem respeito. Pelos pais, de saberem que os filhos precisam se distanciar; pelos filhos, de saber o quanto este distanciamento é sofrido. Saber que o distanciamento representa muito mais do que uma perda de poder.

Recomendação de leitura:

Vou recomendar um livro que mostra, em algum tanto, as discrepâncias de visão entre pais e filhos. É uma obra prima da literatura russa, que conta a história de Bazarov, o niilista que não aceita o conservadorismo do pai. De certa forma, o romance é uma metáfora a todo tipo de renovação, principalmente política e social.

TURGUENIEV, Ivan. Pais e Filhos. São Paulo: Abril, 1981.

Dedicatória
Como o tema é propício, gostaria de dedicá-lo à minha mãe, que está com câncer e enfrentará uma difícil batalha. Graças à sua consciência, todos os traumas que citei neste texto foram amenizados a quase zero. Um grande beijo.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A consciência de si e os artigos deste que ora escreve

Olá!

O ser humano vive dos elogios que recebe, e se alimenta do reconhecimento de seus atos. Não sou diferente. Em tempos relativamente recentes, recebi dois elogios, que me inflaram tal qual um balão que cruza inexorável os oceanos, em busca de uma terra distante e inacessível às vistas de quem não enxerga além de um horizonte perdido... O primeiro veio de meu mestre de Lógica, que afirmou ter retomado o prazer de ler artigos acadêmicos a partir de meus textos. Vixe Maria, quanta honra! O segundo foi de meu mestre de Filosofia no Brasil, Doutor de História pela USP, editor da revista "Para entender a história", que me convidou a publicar um artigo, que pode ser lido em sua edição eletrônica, clicando aqui.



É um texto acadêmico, e talvez quem não esteja acostumado com o linguajar típico deste tipo de publicação ache-o meio chatinho, apesar de ser bem curto, mas vou trocá-lo em miúdos.

Em primeiro lugar, vamos fazer um exercício. Pense no nome de um filósofo, do primeiro que você lembrar. Um filósofo qualquer, mesmo que não conheça nenhuma de suas obras. Pensou?

Pois bem. Você pode ter pensado em um dos clássicos gregos, como Sócrates, Platão ou Aristóteles. Pode ter pensado em um dos modernos, como Descartes, Rousseau, Hume. Pode ter lembrado do Nietzsche, ou, se for chegado a um contemporâneo, do Foucault ou do Deleuze. Se for religioso, pode ter pensado nos católicos Santo Agostinho e São Tomás ou no judeu Maimônides. Se leu alguma de minhas postagens anteriores, talvez lembre-se de Schopenhauer, Heidegger ou Scheler. Curte política? Pode ter pensado em Marx. Quem sabe em Hegel, Kant... Não me surpreenderia com nenhum deles. Só uma coisa é certa: você não pensou em um filósofo brasileiro. Não é verdade?

Pois saiba que eles existem. E muitos tiveram visões absolutamente originais, como é o caso daquele a quem me refiro em meu artigo: Farias Brito.

Farias Brito viveu no final do século XIX, época em que a ciência colocava de lado qualquer interpretação do mundo que não gozasse de capacidade de demonstração. O interessante de seu pensamento está no fato de que, embora sem deixar de reconhecer os ganhos obtidos com a ciência, não se poderia desprezar outras instâncias do conhecimento, sob pena de torná-lo vazio. E o porta-bandeira destes saberes estava na consciência de si.

Como a ciência tratava da questão da consciência? Explicava-a como resultado de impulsos nervosos, elaborados no cérebro e manifestados através de algum tipo de linguagem. Desta forma, temos a consciência como algo mecânico, produzido através de um encadeamento de fenômenos orgânicos.

Para Farias Brito, essa visão científica da consciência era o que menos importava, porque ela não bastava para explicar o modo como cada pessoa obtinha sua visão particular do mundo, como ela se relacionava com seu ambiente e com os demais seres. Justamente neste aspecto é que a consciência se demonstra como elemento mais vital à definição do homem: ele não pode perder sua posição de sujeito em sua relação com o mundo, já que a ciência tende a considerá-lo mais um objeto entre outros. É através da consciência de si qua o homem elabora sua presença e sua função, se manifesta como ser criativo. Essa visão sobre o papel peculiar do homem no universo, em permanente relação particular com suas cercanias, com o outro e consigo mesmo, é precursora do pensamento elaborado por vários e importantes filósofos contemporâneos, como o da-sein de Heidegger e a transcendência do ego de Sartre, apenas para mencionar dois exemplos.

É isso, então. Vejam como é simples deixar uma pessoa feliz!

Recomendação de leitura:

Para conhecer melhor a obra de Farias Brito, recomendo a leitura do seguinte livro:

BRITO, Raimundo de Farias. O mundo interior. Brasília: MEC, 1979.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dia do rock

Olá!

Dia 13 de julho. Hoje é o dia mundial do rock. Vocês sabem como este dia nasceu? Foi por causa de um mega-evento idealizado e levado a frente por Bob Geldof (músico pouco conhecido, da banda Boomtown Rats) e Midge Ure (da bem mais famosa Ultravox). O nome do espetáculo era Live Aid, e representou um quase inédito olhar da juventude para duas das maiores mazelas da humanidade: a fome e a miséria. Toda a renda do evento e as doações obtidas foram destinadas às vítimas da seca e da guerra civil na Etiópia.


O evento em si é menos representativo pela sua grandiosidade e pela qualidade artística (ampla, aliás) do que pelo sua capacidade de mobilização e pelo reflexo do sentimento juvenil com relação à desventura de um povo esquecido pelo resto do mundo. Com ele, o rock provou que pode ser mais do que diversão. Mostrou que é possível ser atuante no mundo em que se vive. Desta forma, a arte sai de si própria para ser um sinal no mundo. Não se limita a ser rebeldia pura e simples, mas é uma bandeira que deve ser carregada para onde a indignação grita seus apelos.

Não que outras atitudes não tenham sido tomadas, mas acontece que o Live Aid representou um momento de catarse: os jovens queriam se purificar de um mundo em que eles não viam possibilidade de intervir. Não foi meramente um movimento de fuga e rejeição, como fizeram os hippies de Woodstock; a juventude disse ali: estamos no mundo, podemos ajudar.

O rock tem em si este distintivo do inconformismo. Já nasceu sob o signo da rebeldia. Inicia-se com os acordes simples de Bill Halley, passa pelo sensualismo da dança de Elvis Presley, protesta contra a guerra com Bob Dylan (e, mais tarde, com Bruce Springsteen , U2 e tantos outros), vira as costas aos valores estabelecidos com o Black Sabbath, aproxima-se do erudito (e - por que não dizer? - subverte-o) com o progressivo, até chegar no grito libertário da classe operária com os punks. No entanto, houve um conjunto que catalisou desde cedo todas estas tendências. Foram os Beatles.

O quarteto mágico de Liverpool fez de tudo em menos de 10 anos de existência. Divertiu, fez rir, fez chorar, causou indignação, trilhou novos caminhos, usou instrumentos improváveis, produziu colagens sonoras, utilizou orquestras, fez músicas sofisticadas e músicas minimalistas. Do alto de sua genialidade, mostrou que o rock não se prende a limites. Pode ser agressivo (Helter Skelter), romântico (I feel fine), sacana (Norwegian wood), depressivo (Eleanor Rigby), místico (Whitin you, without you), revoltado (Revolution), triste (Because), esperançoso (When I'm 64), psicodélico (Lucy in the sky with diamonds), onírico (Strawberry fields forever), retrativo (Penny Lane), non-sense (I am the walrus), confortador (Yesterday). Em toda música que se produziu desde então, é impossível não ver o dedo dos Beatles.

Duas coisas, no entanto, causam-me lamento. Há tempos não vemos um evento da natureza do Live Aid, e também há tempos não temos uma banda que nos diga tanto quanto os Beatles; o rock já não parece mais querer ser um distintivo da criatividade e do inconformismo. Há pouco, o rock nos dizia que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, que nos becos escuros explode a violência, que um dia nos disseram que as nuvens não eram de algodão, que todo camburão tem um pouco de navio negreiro, que generais de todas as nações documentam a nossa história com seu rastro sujo de sangue e glória, que o tempo passa e nem tudo fica, que o jovem no Brasil nunca é levado a sério, que quando se sabe ouvir não precisam muitas palavras. Sinto falta deste engajamento, mas é tema para ser melhor discutido depois.

Recomendação de discografia:

Toda a discografia dos Beatles é digna de audição. No entanto, a segunda fase de sua carreira é mais significativa em termos de criatividade e excelência musical. É um período cheio de "esquisitices", mas é justamente nele que encontraremos as influências que permearam todo tipo de tendência musical no fim do século XX, e que nos chega até hoje. Os álbuns mais recomendados, portanto, são: 

  • Rubber Soul


  • Revolver


  • Sgt. Pepper Lonely Heart Club Band


  • Yellow Submarine


  • Magical Mistery Tour


  • Álbum Branco


  • Abbey Road


  • Let it be

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Auto-ajuda e Filosofia: há espaço a compartilhar?

Olá!

Belo dia, estava eu em uma livraria (famosa, aliás) matando um pouco de tempo. Estava observando as prateleiras destinadas à Filosofia - ah, que surpresa - quando pude fazer uma constatação: pelo menos 50% dos livros eram destinados à assim chamada auto-ajuda. Quando um dos repositores se aproximou, disse a ele:

- Faz isso não, moço! Esse canto é prá Filosofia, não prá auto-ajuda!

Ele olhou para mim como se olhasse para um ET. Quem tem razão, afinal? Eu, com a cara de ET ou o rapaz, que me viu como um ET? Ora, precisamos tentar entender se a auto-ajuda não é mesmo uma forma de filosofar, o que legitimaria sua adesão e justa colocação nas prateleiras destinadas a Platão, Descartes, Rousseau, Marx, Nietzsche, Santo Agostinho, Aristóteles, Schopenhauer, Husserl, etc, etc e etc.



Comecemos não caindo no discurso barato de dizer que os escritores de auto-ajuda só estão preocupados em vender livros e ganhar dinheiro. E nem na armadilha purista de achar que os filósofos "autênticos" também não querem levar o seu. Isto posto, podemos pensar que há uma diferença de propósitos.

A Filosofia tem por fim último a busca pelo conhecimento, o que, em última instância, é a busca pela verdade. Isso significa que não importa se dói, se derruba convicções, se deprime. A Filosofia quer a verdade, e pronto. Já a auto-ajuda explica-se em sua própria denominação: ela quer que as pessoas se encontrem, se sintam melhores, mais capazes, mais fortes para encarar seus desafios. Seu compromisso é com a realização pessoal. Isso nem sempre expõe as convicções e a verdade a cru.

Explicando melhor: a Filosofia não tem medo, nem pudor, nem covardia, nem vergonha de expressar pensamentos como os seguintes:
    "A existência é uma dívida perpétua que só a morte paga por inteiro (...) o mundo é o pior dos mundos possíveis" - Schopenhauer, ao comentar sobre a falta de sentido no mundo

    "O homem é o lobo do homem" - Hobbes, ao comentar a animosidade nas relações humanas

    "O inferno são os outros" - Sartre, ao deduzir que o convívio humano é inevitável e prejudicial
    "Temos a arte para não morrer da verdade" - Nietzsche, ao constatar que sem a arte não conseguiríamos suportar a vida

    "O caráter do homem é o seu demônio" - Heráclito, ao dizer que são as atitudes do homem que o tornam mau.
Ou seja, a Filosofia não se prende a uma zona de conforto. Talvez a auto-ajuda faça o mesmo, ao tentar excitar as pessoas a buscar uma situação melhor para o quotidiano, a encorajá-las a procurar o que há de bom na vida, a procurar justamente esta zona de conforto. Mas é que a Filosofia não procura alívio, e é justamente neste sentido que ela se opõe à auto-ajuda.

O filósofo por excelência não se preocupa em dizer que as coisas são uma merda, e que são assim porque o próprio homem as faz desse jeito. Mais ainda: se achar que não há saída, e possuir argumentos sólidos para tanto, ele o afirmará, alto e em bom som. Das frases que mencionei acima, jamais as veríamos em livros de auto-ajuda, por um motivo bem simples: são escopos diferentes. O principal propósito da auto-ajuda é fazer com que as pessoas se realizem, que tenham sucesso. O filósofo de verdade somente afirmará algo assim se tiver convicção disto. Não que o filósofo seja um pessimista por natureza e obrigação; os positivistas, por exemplo, acreditavam que o futuro estaria assegurado pela tecnologia, pela ordem e pelo progresso. Mas o faziam criticamente. Esse é o defeito da auto-ajuda: ao tentar "ajudar", ela esquece que o homem é um ser pensante, que os homens são diferentes entre si, que não possuem uma fórmula pronta, e que as coisas e os fatos podem também não ser bons, o futuro pode ser fracassado. Não há nada de errado nisso; a Filosofia está lá para constatar e tentar compreender as coisas como elas são.

Para concluir, devemos pensar que livros de auto-ajuda e de Filosofia precisam frequentar prateleiras diferentes, porque são coisas diferentes, uma sem invalidar a outra, ao menos em tese. O erro das editoras e livrarias é tentar impor ao público a ideia de que ambas tem o mesmo valor, que se assemelham, o que não é fato.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Continuando sobre a ética na publicidade

Olá!

Levei todo este tempo para complementar o post anterior porque minha mãe está internada, e acaba de fazer uma cirurgia. Enquanto ela se recupera, retomemos a vida, porque ela não para.

Pois bem, reiniciemos a questão: em que sentido a publicidade pode ser ética?

Em primeiro lugar, precisamos pensar no que desejamos em nossas relações humanas. Algumas premissas são básicas: credibilidade, franqueza, cordialidade. Isso tudo passa pelo respeito. E, para que este seja possível, é absolutamente necessário que todas as cartas estejam sobre a mesa. Só que temos um problema. Para exemplificá-lo, vou mencionar o caso da venda de cigarros.



É tido e sabido: fumar faz mal à saúde. No entanto, a publicidade vinculava o hábito de fumar à aventura, aos esportes radicais, à sofisticação, ou seja, às suas antíteses. Junte-se a isso a ideia de que fumar estabelecia um rito de independência e rebeldia, era quase como o distintivo da entrada na maioridade. Fato é: pelo menos metade de minha geração fumava.

Veio a proibição da publicidade do tabaco e, alguns anos depois, do uso do fumo em locais públicos fechados. O resultado mostrou-se positivo, diminuindo significativamente o número de jovens fumantes (Vejam uma interessante estatística aqui).

Qual o grande problema? Tudo isso se deu por força da lei. Se houve atitude ética, foi dos legisladores, não dos fabricantes e publicitários. Isso faz perceber que a legislação consegue dar conta dos casos mais extremos, mas criaremos uma dificuldade grande se regulamentarmos todo o aparelho de divulgação. A lei tende a ser engessante, e cria obrigações, ao invés de atitudes éticas. Vejam o caso do Estatuto do Idoso: será que precisaríamos de uma lei para garantir um assento no ônibus para eles? Isso não deveria partir da nossa própria educação? Pois é, foi necessária a lei.

Precisaríamos pensar em outros termos. A regulamentação não me parece ser o melhor caminho.

Temos que pensar em conscientização. Para tanto, precisamos racionalizar nossas ações. A publicidade, em tempos passados, era praticada com longos textos, que procuravam convencer o consumidor através de argumentos lógicos. Era racional, por exemplo, comprar os produtos da marca X por este e aquele motivos (pincei este exemplo em um blog - vejam que textos longos!!!).

Hoje, a publicidade busca outros caminhos, mais emotivos, e com isso usa e abusa das imagens. Há uma marca de equipamentos esportivos que só utiliza as palavras "just do it" em seus comerciais. Esse apelo não diz nada, na essência. Mas são muito mais eficientes.

Há o que fazer? Há. Dia desses, escutei no rádio um comercial de uma operadora de cartões de crédito, que dava dicas sobre como melhor usar este dispositivo. Recomendava, por exemplo, a não se deixar seduzir pelos limites oferecidos, mas estabelecer um percentual sobre a renda para realizar os gastos. Achei uma atitude bastante simpática, em especial vinda de uma empresa que obtém seus lucros a partir da cobrança de juros. É óbvio que a fonte motivadora desta campanha é a assustadora inadimplência dos devedores, mas achei bastante oportuno o fundo conscientizador que foi utilizado. Desta forma, ajuda-se a desfazer a cara de "lobo mau" que os bancos e operadoras possuem.

Então qual seria a preocupação destas empresas e de que maneira os publicitários podem fazê-la virar ouro em suas mãos? É a visão institucional que essas empresas precisam transmitir.

Isso significa que o consumidor consciente não deve mais se preocupar apenas com o produto que compra, mas com a credibilidade da empresa que o produz. O consumidor tem o direito e o dever de conhecer as políticas ambientais, trabalhistas e sociais das empresas com as quais se relaciona. Saber, por exemplo, se a empresa repõe aquilo que extrai da natureza, se ela faz testes crueis com animais, se deixa a claro o que seu produto traz de bom e de ruim para a saúde das pessoas, se patrocina eventos esportivos e culturais, se remunera adequadamente seus funcionários. Ou seja, o quanto investe em sua função social e, no limite, o quanto é ética. A divulgação destas informações é importante, mas, visto pelo ângulo comercial, não basta. É preciso que todo esse cuidado reverta nos índices de lucratividade, e é exatamente aí que entra a criatividade do publicitário.

A publicidade, para dar uma "guinada ética" em seus serviços, deve ser INDUTORA de bons princípios para seus clientes. Parece-me evidente que os fabricantes de refrigerantes, por exemplo, não estão interessados em falar em limites para o consumo de seus produtos nas suas peças publicitárias, mas por que não fazê-lo em seu site na internet? Incluir dicas de consumo, quantidades diárias recomendadas, moléstias que limitam seu uso, etc. São maneiras de jogar limpo, de demonstrar respeito ao seu cliente. Desta forma, podemos perceber que o mundo virtual pode ser uma grande arma nas relações de consumo, arma nossa e da publicidade responsável. Empresas sérias devem se mostrar como tal. Mostrar-se como são. As ouvidorias existem para isso. Devemos usá-las mais e melhor. E a internet propicia uma ferramenta sem igual para tanto.

Concluindo: a publicidade ética é aquela que considera as relações de consumo em todos os seus aspectos, e o faz de maneira criativa e responsável. A ética na publicidade é possível, e deve ser cada vez mais utilizada se os publicitários quiserem fazer uma melhor propaganda de si próprios.