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terça-feira, 31 de maio de 2011

Sobre o grunge

Olá! 

Nesta semana, escutei uma boataria que dava conta do fim da banda Restart, papas do assim denominado "rock colorido". No final das contas, não passava disso, um boato. E os meninos do Restart estão lá, conquistando fãs e reais, enquanto nós, velhos saudosistas, sonhamos acordados com o fim dos tempos, quando poderemos, felizes e purificados, ouvir em uma verdadeira catarse coletiva os anjos entoarem Jethro Tull em suas harpas.

Essa farofa toda me lembrou de minha juventude na década de 80, quando os portoriquenhos do Menudo eram igualmente objeto de amor e ódio do público. Eram amados porque eram bonitinhos, sei lá... Um visual meio andrógino, umas danças rebolativas, musiquinhas do tipo abelha, e via discorrendo. Os que odiavam o faziam porque eram bonitinhos, sei lá... Um visual meio andrógino, umas danças rebolativas, musiquinhas do tipo abelha e etc.

Ou seja, nada muito diferente do que acontece hoje.

Na verdade, ama-se ou detesta-se os Restarts e Menudos da vida menos por sua música (?!) e mais por seu visual, pela sua promessa de sonho jovem, pelo seu hedonismo. Talvez seja por isso mesmo que sua duração seja tão curta.

Tenho sentido falta de um movimento jovem legítimo, com uma proposta bem definida, com a qual a molecada possa se envolver e se engajar. Assim foram punks, darks, proggers, metaleiros, entre outros. Acho que o último que o fez legitimamente tenha sido o grunge.



Para quem não conhece, o grunge nasceu em Seattle, cidade do noroeste estadunidense, e foi representado por bandas como Mudhoney, Green River, L7, Temple of the Dog, Stone Temple Pilots, Sound Garden, Alice in Chains e, principalmente, Nirvana e Pearl Jam. O movimento representava um desvínculo entre arte e mercado, não no sentido de que seja necessário um negar ao outro, mas que a arte não tenha que se vender. Se tocar pode te trazer dinheiro, muito que bem. Do contrário, ótimo também.

O grunge típico é descendente direto do hippie, no sentido de que é preciso não se matar por conta do mundo ao seu redor. Ambos são isolacionistas: o hippie se refugia na tribo que tem todas as coisas em comum, o grunge em sua própria solidão. Também não possuem indumentária detalhada: compram suas roupas em brechós, de modelos ultrapassados, que buscam mais o conforto que o adorno. Sua diferença mais expressiva está no conteúdo das letras das músicas: enquanto os hippies são otimistas que cantam contra a guerra e pelas flores, o grunge é pessimista, sarcástico e angustiado. O grunge não acredita que a sociedade pode lhe dar uma resposta satisfatória às suas aflições. Daí, nasce uma aparência de desleixo, com cabelos desarrumados, tênis sujos e sem meias, calças rasgadas, camisas de flanela largas, com os punhos abertos.

(Já vi gente assim... e garanto que muito antes do nascimento do movimento).

Apesar de que o grupo mais conhecido do grunge tenha sido o Nirvana (até mesmo por conta de sua história trágica), creio que seu álbum mais representativo tenha sido "Ten", do Pearl Jam.

É um álbum de muito fôlego, que contém todos os elementos da estética grunge colocados em evidência: canções rasgadas, sujas, em um estilo bem hard, em um meio termo entre a habilidade do heavy metal e da agressividade punk, com letras que falam da impotência do homem diante do destino, portadores de existências inautênticas. Os vocais quase desafinados possuem também seu simbolismo: é o escape daquilo que o mundo tem por aceitável, mas sem se esquecer de que estamos falando de ARTE. Portanto, apesar da simplicidade e da agressividade, é um álbum cheio de MUSICALIDADE.

Tenho saudades destas bandas em que aguardávamos ansiosamente pelo lançamento de seus álbuns, vestíamos suas camisetas como se fossem de times. Eram bandeiras que tínhamos para carregar. E percebo que, infelizmente, não existem mais.

Recomendação de audição:

Pearl Jam - Ten (1991)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Comércio de animais e tridimensionalidade humana

Olá!

Anteontem fiz um trampinho de dissertação filosófica que consistia em analisar um texto e dele deduzir as teses e a solidez de seus argumentos. Babapanois. Mas fiquei interessado pelo texto em si, que falava sobre a posse e comercialização de animais, e pode ser lido aqui.

Em resumo, o autor faz algumas comparações entre animais e escravatura, homens primitivos e crianças deficientes para justificar sua posição contrária ao comércio de animais. Ele não é contrário ao convívio com os animais, mas ao especismo. No que o homem é melhor que os animais, a ponto de poder legislar sobre a vida deles como mercadoria? Não vou entrar no mérito do confronto vegetarianismo versus carnivorismo. Quanto há radicalismo nas posições, toda discussão é impossível. Também não falarei em marxismo com sua coisificação de todos os valores, que viram objeto de venda. A leitura do texto me fez refletir sobre a questão da essência da humanidade. O que faz com que um homem seja um homem, e não outro animal, outro ser vivo?



Desde que somos crianças, somos ensinados que os homens são animais racionais, e que os animais guiam-se unicamente pelos instintos. Ora, parece-me discutível esta posição, porque o homem age muitas vezes irracionalmente. Aliás, desde de Schopenhauer que a primazia da razão foi abalada: é a vontade que guia a conduta dos homens (Freud aperfeiçoa e amplifica o termo: são as pulsões). Por outro lado, o condicionamento e a habitualidade é capaz de engrendrar ações nos animais em que é impossível não enxergar algum grau de articulação mental, ainda que primitiva. Portanto, parece que a diferença não é por aí.

Uma capacidade humana que parece mais clara é a de enxergar a si próprio. Não no sentido de se olhar em um espelho real, mas metafísico. Os animais não saem de si, não conseguem se questionar sobre sua participação no universo. Não articulam mentalmente além do concreto, não abstraem. E, com isso, não percebem valores estéticos, por exemplo.

E nesse ponto é impossível fugir do pensamento de Max Scheler.

Este autor fundou a Antropologia Filosófica. Ele apostou em uma tridimensionalidade do homem. Todos os seres possuem uma dimensão biológica. Alguns possuem também uma dimensão psíquica. Mas só o homem é também espiritual.

O sentido desta espiritualidade não é propriamente religioso. É, na verdade, uma capacidade de transcender-se, sair de suas constrições ambientais e se desprender existencialmente daquilo que é só orgânico. Não pode ser suprida unicamente por uma demanda psicológica: se o homem não se relaciona com a transcendência, seu pensamento sempre será voltado unicamente a si mesmo.

Leitura interessante, recomendo:

SCHELER, Max. A Posição do Homem no Cosmos. São Paulo: Forense, 2003.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Sobre seios e censura

Olá!

Alguns fatos fazem-me descrer totalmente da raça humana. Não dá!

Na semana passada, duas mães tiveram o constrangimento de serem censuradas por praticarem o ato que melhor as caracteriza como tais: dar de mamar.

Uma delas foi "convidada" a interromper seu ato em uma instituição (que eu prezava bastante até o presente momento) chamada Itaú CULTURAL (grifo meu). A outra, por postar uma foto no Facebook. Em ambos os casos, o motivo é o mesmo: fere a política de utilização, os termos de uso. No caso do Facebook, por exemplo, a alegação é que não podem ser postados conteúdos de nudez ou que sugiram atividade SEXUAL!!!!!!!!!!!!!!!! Meu Deeeeeeeeeus, para este mundo doente, eu preciso descer prá vomitar!!!!!!

Bem, mantenhamos a calma e tentemos analisar friamente este tipo de ignorância.


Boa parte do problema tem relação com a mistura de puritanismo e fetichismo que caracteriza o pensamento ocidental e acaba por tornar os seios objetos de desejo irrefreado, e, por consequência, despudorados, imorais. Para entender isso tudo, é preciso lembrar que os seios são uma característica das fêmeas, e a distorção do pensamento judaico-cristão acabou por relacionar e tornar a mulher um sinônimo de pecado. Portanto, a contemplação de um seio seria a contemplação de um símbolo da causa do erro, da perdição. É o macho que se sente tentado irresistivelmente pelo demônio da tentação.

Gente do céu, nós achamos que somos racionais. A sociedade, como estamos observando, não teve a capacidade de discernir até agora os atos das pessoas. Sexualizar os seios tem lugar, tem hora, tem contexto. Não há animal que puna suas fêmeas por amamentar suas crias. Seios NÃO SÃO genitálias, principalmente quando estão amamentando. Será que não conseguimos enxergar em perspectiva? Somos ainda tão tacanhos a ponto de achar que a visão de uma criança mamando pode remeter a um ato sexual?

Ah, ser humano, ser humano... Que triste raciocínio de merda é esse?

E que não se diga que essa não é uma doença (sim, uma doença) tipicamente ocidental. Por que nas aldeias dos índios brasileiros e dos negros africanos não existe esse conceito? Há um filme, na verdade um desenho, que mostra com excelência a naturalidade com que os africanos lidam com os seios desnudos. Trata-se de "Kirikou e a feiticeira", do francês Michel Ocelot. É daquelas raras obras de arte que se presta tanto para crianças quanto para adultos. Ambos podem assistir com o mesmo prazer, porque o diretor conseguiu trabalhar em duas mãos: a emocional e a racional. Geralmente isso acontece quando o autor aposta na inteligência da criança (não sei se os desenhos mais populares conseguem esse efeito).

No final das contas, acho que somos mesmo culpados pelos frutos que colhemos. Em um mundo em que as mulheres põe em risco sua capacidade de amamentar ao encher suas tetas de silicone, não é de surpreender que os seios tenham "valor de uso", e que este uso não seja aquele que a mãe natureza lhe deu.

(Em tempo: não quero aqui dar a impressão de que os seios não façam parte da sexualidade da mulher. Muitíssimo pelo contrário. Negar o uso sexual dos seios é a mesma coisa que afirmar seu uso exclusivamente sexual - é tudo uma questão de racionalidade).

Recomendação de filme:

OCELOT, Michel. Kirikou e a feiticeira. Animação. França, 1998. 71 min.

Sobre estações de metrô e a opção preferencial do poder público

Olá!

Bem, tivemos problemas na maquininha de blogs neste final de semana. Com isso, acabei perdendo dois posts, que eu vou ter de reescrever (saco! como eu vou lembrar de tudo?).

Uma questão típica da organização de uma cidade acabou ganhando as primeiras páginas dos jornais na última semana: o governo (ou a empresa contratada - ninguém quis assumir a culpa - AVÁ) cedeu às pressões dos moradores do bairro de Higienópolis para mudar de lugar uma estação de metrô que seria construída por lá. Para quem não é de São Paulo, explico: Higienópolis é um dos últimos bairros valorizados nas cercanias do centro da cidade, que sobreviveu (e bem) à degradação de outros, como os Campos Elíseos, o Bom Retiro, a Vila Buarque e o Arouche.

A história pegou fogo por conta de um contra-senso: há décadas que os paulistanos escutam a mesma cantilena - que a salvação para o trânsito virá com o metrô. De fato, e aqui registro um pouco da minha história pessoal, morar próximo a uma linha de metrô é uma benção. Tanto é verdade que o aluguel de moradia nessa condição é impraticável. Soube disso quando me enchi de perder 3 horas diárias dentro de um ônibus para ir do centro (quando eu era pequeno, chamávamos o centro de "cidade". -Olha, amanhã tenho que acordar cedo, vou na cidade!) para casa e vice-versa, e fui correr atrás de alugar algo perto de uma estação qualquer. Achei preço decente apenas no próprio centro, onde vivo hoje, que é perto do metrô e é desvalorizado por outros motivos - falaremos sobre isso em outro momento.

Ora, e os moradores de Higienópolis não querem metrô? Por que?

A alegação é a de que já há estações suficientes na região e que a construção de novas traria pessoas indesejáveis para a região. Uma das moradoras as chamou de "diferenciadas": mendigos, camelôs, gente da periferia; pobres, enfim. Essa foi a senha para a revolta dos "diferenciados", que no último final de semana fizeram no lugar onde seria construída a estação um autêntico churrasco de laje, com direito a farofa e cachaça, ao som de pagodões. A quantidade de gente que compareceu ao evento é difícil de determinar. Em pesquisa na internet, observei números que iam de exageradas 5.000 pessoas até mentiras deslavadas como os apenas 300 gatos pingados que a Record dizia estarem lá (cuidado com essa emissora - ela consegue ser PIOR que a Globo no quesito manipulação de notícias. Claro, o pastiche é sempre pior que o original - se quer fazer o malfeito, faça benfeito).



Há algumas coisas a observar nesse imbroglio todo.

O primeiro: até que ponto a preocupação dos moradores não é legítima? Não estou aqui pensando na mesquinhez de quem não quer ver gente feia na porta da sua casa, mas na degradação que aconteceu bem perto, nas proximidades da Santa Cecília. Lá, uma obra pública monstruosa (o Minhocão) simplesmente DESTRUIU os bairros pelos quais ele passa, outrora aprazíveis e valorizados. Outro exemplo: quando se fala no Brás, pensa-se imediatamente em um bairro perigoso, cheio de moradias irregulares e atividades ilícitas. Boa parte dessa situação se deve, pasmem, justamente à construção do metrô na região. Isso porque a linha e a estação foram construídas exatamente na parte mais residencial do bairro. Com isso, o Brás virou meio que uma "cidade fantasma".

Portanto, os higienopolitanos (existe isso?) tem razão em se preocupar com o que será construído em seu bairro, e com as consequências que isso irá trazer. O meio adotado (abaixo-assinado) é civilizado e democrático, e, para mim, o problema todo não é esse. O direito de reivindicar deve ser assegurado.

Na verdade, o centro da questão é a prontidão do poder público em atender uma reivindicação que partiu de moradores de um bairro de elite. Será que os moradores do Brás não pediram para preservar suas casas? Claro que pediram! Mas acontece que eram POBRES! Derrubaram suas casas, o lugar em que viviam. Em Higienópolis, o projeto previa a desapropriação de um supermercado, e só. No caso do Brás, jogaram a origem e o repouso das pessoas no lixo, décadas de história dos habitantes e da própria cidade. Seus pedidos não foram ouvidos. A voz de Higienópolis vale mais. Eles não terão gente feia perto deles, e com isso chegamos à conclusão de que o valor das pessoas é, este sim, diferenciado.

Assisti um documentário no aniversário da cidade de São Paulo chamado Sotaques e Desmemórias, dirigido por Marta Nehring e baseado em um livro homônimo de Lourenço Diaféria, que conta algumas histórias do Brás. Recomendo os dois para quem gostaria de conhecer algo de um dos bairros mais tradicionais e descuidados da cidade.

Por fim: toda esta história demonstra o novíssimo poder de mobilização da internet. A churrascada da gente diferenciada foi um evento criado sem lideranças, de uma boa ideia que apareceu ninguém mais sabe onde, e que conseguiu a adesão de pessoas que não se conhecem, mas que tem interesses e objetivos comuns. Nesse sentido, a internet é uma GRANDE ferramenta da cidadania e da democracia, e, no limite, da aproximação das pessoas.

Recomendação de leitura e de filme:

DIAFÉRIA, Lourenço. Brás: Sotaques e Desmemórias. São Paulo: Boitempo, 2002.

NEHRING, Marta. Brás: Sotaques e Desmemórias. Filme. Brasil, 2006. 26 min.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Mais sobre os símbolos

Olá!

No meu primeiro post para valer, citei o ocorrido na corrida de Fórmula Indy em São Paulo: a reação do público frente ao hino cantado por um ídolo sertanejo. Os comentários chamaram-me a atenção, e fiquei com vontade de retomar brevemente o assunto.

No primeiro (Darci), transparece a questão da adoção de um símbolo que nem conhecemos, seja por famosos, seja pelo povo.

No segundo (Renata), é atribuído a um público específico (ou seja, a uma camada específica da população - o ingresso era bem caro) a capacidade de criticar o mau uso do hino.

Ambas tem uma boa parcela de razão. De fato, o hino não é muito bem conhecido pelo grande público. E, principalmente, não é muito bem compreendido. Também podemos deduzir que o público presente ao Anhembi é pertencente, no mínimo, à classe média. Estaríamos diante, pelo menos em tese, de um público mais esclarecido, não era o "povão" que estava lá.

Mas eu acho isso não explica tudo. Nossa relação com os símbolos é bem mais complexa.

Vou retomar um fato importante em minha vida. Meu filho mais velho nasceu, coincidentemente, no dia do aniversário do ex-presidente Fernando Collor. Para os mais jovens, é bom saber que aqueles dias estavam pegando fogo. O então presidente era acusado de uma série de crimes financeiros, e havia uma verdadeira enxurrada de denúncias. No entanto, a população, apesar de indignada, acompanhava os fatos meio que à distância. Collor então tomou coragem e fez uma grande besteira. Convocou toda a população para que demonstrasse apoio ao seu governo, saindo às ruas no dia do seu aniversário vestidos de verde e amarelo. Foi a gota que transbordou o balde popular. As pessoas saíram às ruas vestidas de PRETO, com o rosto pintado de preto (daí o nome do movimento, cara-pintadas). Eu presenciava tudo isso na Avenida Paulista, próximo à maternidade onde nascia meu filho. As pessoas andavam para cima e para baixo com sua paramentação negra, mas um deles chamou-me a atenção em especial: bandeiras do Brasil negras, em diversos tons de preto (existe tom de preto?). E estas bandeiras pretas lideravam a marcha alegre dos jovens, naquele que (ao menos em minha lembrança) talvez tenha sido o último ato político relevante conduzido pela juventude no Brasil.


Ora, como pode se admitir a adulteração do símbolo em um caso e não no outro (o hino distorcido pelo nosso herói sertanejo)? É que, no caso das bandeiras, não se trata da destruição do símbolo, mas do símbolo DENTRO do símbolo. É uma nova significação dentro do significante. E, com isso, atinge-se o consenso. As pessoas criaram a seguinte representação, no caso: a bandeira preta não é um símbolo do Brasil, mas do que estavam fazendo dele. A adulteração não é gratuita, é uma manifestação do sentimento coletivo. Não é o mesmo caso do hino. Ali, as pessoas viram sua representação ser tratada com descuido, com desprezo.

Tá, ainda pode-se argumentar que aqueles jovens pertenciam à mesmíssima classe média que foi ao circuito do Anhembi vaiar o cantor sertanejo. Então pergunto: Será que os militantes do MST, por exemplo, fariam diferente? Não estou me posicionando, neste momento, nem a favor nem contra o MST. Mas é inegável que nenhum movimento é tão atuante e organizado. Por isso o sentido de identidade deles é bastante forte. Portanto, eles prezam muito seus distintivos. Creio que não gostariam de ver sua bandeira mal tratada. E eles não são da mesma camada populacional que vaiou o Luan Santana.

Recomendação de leitura:

Para quem quiser conhecer melhor o desenrolar do caso Collor, recomendo o seguinte livro (fácil de achar nos sebos):

FARIA, Tales; KRIEGER, Gustavo; NOVAES, Luiz A. Todos os sócios do presidente. São Paulo: Página Aberta, 1992.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sobre dia das mães e contradições

Olá!

Passou o dia das mães. Graças a Deus, eu ainda tenho a minha e pudemos comer uma bela lasagna com molho à bolonhesa, regada a uma cerveja uruguaia Norteña (não gostei – achei que deixa um resíduo amargoso demais). Já devidamente restaurado do consumo dos acepipes, pus-me a filosofar. O que significa exatamente o dia das mães?


Vejamos. O mais evidente é o velho chavão: "uma data criada especialmente pelos malditos burgueses para esgotarem seus estoques de flores e bombons à custa da fragilidade do sentimento das pessoas, já que a mãe é uma das instituições mais inamovíveis das relações familiares e blá, blá, blá". Bem, em grande parte é isso mesmo.

No entanto, é preciso compreender que esta É a sociedade em que vivemos. Mais. É a sociedade que ajudamos a construir dia após dia, marcadamente individual, e, por oposição, menos dada à manifestação coletiva, à vivência comum. Isso favorece a criação de obrigações. “Este é o dia de minha mãe” – dirão as pessoas. E os outros dias, são de quem? Em um bolo de dias iguais uns aos outros, a cereja deste bolo (o dia reservado) tem de ser especial. Isso é caro (pelo custo da festa e do presente), é obrigatório (porque é impensável que eu não proporcione à minha mãe um dia especial), é mesquinho (um dia apenas).

Mas, é tudo ruim? Nada vale? Por que diabos então, ó gordo desprezível, foste tomar de assalto as humildes porém abundantes iguarias em casa de genitora sua? Não fazeis exatamente aquilo que com inconteste desprezo manifestas nas retro escritas linhas?

Ora, claro que não! Vivemos numa sociedade pragmática e hedonista, mas as homenagens às mães, aos pais, namoradas, etc. AINDA são ferramentas do afeto. Isso significa que as pessoas ainda se importam umas com as outras, mesmo que a fome de lucro aproveite-se da situação. E é das poucas datas em que é possível juntar pessoas de várias gerações. Por isso, acho significativo que aproveite-se este dia para reavivar a oralidade das histórias contadas pelas avós, as memórias da infância menor contada pelas mães. É gratificante. Talvez essas celebrações devessem ser mais simples e mais constantes, a construção da história de cada um é tão importante para quem ouve quanto para quem conta. Faz com que todos se sintam participativos, que suas vivências tenham um sentido.

Por fim, fiz uma pesquisa mental para recordar qual a mãe mais significativa da literatura que eu pude alcançar.

Creio que tenha sido uma peça de Bertolt Brecht, chamada “Mãe Coragem e seus Filhos”.

O encanto da peça está no fato de que a Mãe Coragem não é uma sofredora que perde pouco a pouco seus filhos e derrama-se em lágrima e lamento, como em todo bom e velho melodrama. Em determinados momentos, temos dificuldade de nos posicionar a seu favor: ela alimenta a si e a seus filhos de modo pragmático, valendo-se de clientela dos soldados, servindo-se da guerra. Em outros momentos, a seu dedicação é tipicamente materna, ainda que enviesada. É profundamente materialista – seu apelido vem de um episódio em sua vida na qual atravessa um campo de batalha em pleno fogo cruzado, para salvar uma pequena carroça e cinqüenta pãezinhos. Em que medida não somos assim também? As contradições da Mãe Coragem assemelham-se a muitas das nossas: da mesma forma que a miséria humana nos alimenta, também nos atinge e nos torna impotentes.

Texto excelente. Voltarei a Brecht outras vezes.

Beijos a todos.

Recomendação de leitura:

BRECHT, Bertolt. Mãe Coragem e seu Filhos in Teatro Completo. São Paulo: Paz e Terra, 2001. v. 6.

Imagem da lasagna extraída de:
http://images2.houstonpress.com/imager/u/blog/6405588/hou_food_201502006_bucavdaylasagna_joannaoleary.jpg

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sobre hinos e cantores sertanejos

Olá!

No domingo passado, para variar, eu estava trabalhando. Liguei meu radinho prá ouvir a corrida de fórmula Indy e, entre as dentadas em um pastel de palmito e os goles em um refrigente qualquer, ouço o início do hino dos EUA, interpretado pela Luciana Mello. All right, como dizem por lá. Canto seguro, correto, sem grandes firulas, sem ameaças de mísseis sobre nossas cabeças. Aí, chegou a vez do hino brasileiro, cantado por... Luan Santana!!! E a capella!!! Meu Pai Eterno...


Antes que digam que eu sou invejoso, velho, quadrado, anacrônico, ultrapassado, catastrofista, reacionário, conservador, despeitado, fundamentalista ou outra coisa qualquer, devo dizer que não tenho absolutamente nada contra o garoto em questão. Para mim, ele não é melhor nem pior que seus pares do sertanejo dito universitário (o que quer dizer isso, exatamente?).

Por que teria sido ele o escolhido para cantar o hino brasileiro? Para mim, não há como fugir dos teóricos de Frankfurt, que elaboraram a teoria da "Indústria Cultural", mais especificamente Theodor Adorno e Max Horkheimer. Para eles, a arte tornou-se produto na mão da sociedade capitalista. Da mesma forma que são produzidas latas de tinta e pacotes de macarrão, também os artigos pretensamente culturais devem ser feitos visando o lucro, que passa a ser o principal critério de escolha.

A Indústria Cultural provoca o mesmo efeito das técnicas comerciais aplicáveis à venda de qualquer produto: através da perda da consciência crítica, consumimos desenfreadamente aquilo que não precisamos, e nem aquilo que é melhor para nós. Perdemos a visão do todo, não nos importa mais a sensação de questionamento e espanto causados pela obra de arte legítima. O que importa agora é uma visão fragmentária, de consumo rápido, para que logo em seguida consumamos mais e mais, em um ciclo sem fim.

Os produtos precisam de vitrine... Qual seria melhor que essa, um evento internacional, transmitido para uma porrada de países, sendo que seu principal consumidor é o público estadunidense, e que também estava chamando a atenção de todas as pessoas no Brasil, por estar sendo realizado aqui?

Só que o tiro saiu pela culatra. O rapaz levou uma sonora vaia.

Não que o povo brasileiro seja tão refratário a inovações. Assisti a uma interpretação do hino, se não me engano na final do campeonato paulista do ano passado, feita pelo maestro João Carlos Martins, que foi simplesmente maravilhosa. Ele fez um passeio musical pelo Brasil, utilizando os principais ritmos regionais, culminando com um sambão de tirar o fôlego, sem esquecer do caráter erudito da apresentação. Clássico e popular fundidos. Excelente! E foi aplaudidíssimo.

Acontece, porém, que não se mexe com as representações simbólicas impunemente. Por mais que o hino tenha sido vilipendiado e mal utilizado através do tempo, ele ainda é o NOSSO hino (com perdão ao cacófato). Agrega em si nossos valores como pátria, representa um momento de orgulho para um povo mal tratado, reúne em si nossas diversidades e confluências (e isso o maestro soube captar muito bem). Por isso, não pode ser colocado diante do mundo como um produto qualquer, para ser jogado na prateleira de uma mercearia qualquer.

Repito mais uma vez: não tenho nada, absolutamente nada contra o rapaz. Acho ele bastante simpático, até. E não faria diferença se a execução se desse por outra celebridade da mesma linha. Mesmo que de outro estilo. Mas o preço foi pago.

Em tempo: podem meter o pau à vontade na Globo, e ela é digna disso. Mas a organização e a transmissão da Bandeirantes fizeram-me sentir saudades da "vênus platinada".

Recomendação de leitura:

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Fragmentos Filosóficos. São Paulo: Jorge Zahar, 1985.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Entrem e fiquem à vontade, a casa é nossa

Olá!

Sejam bem-vindos ao meu blog. Neste espaço, a partir das coisas corriqueiras do dia-a-dia, procurarei discutir o quanto a vida tem de filosofia.

Nenhuma fonte filosófica é tão interessante quanto nosso próprio quotidiano. Na extensão possível de nosso entendimento, podemos enxergar uma infinidade de pequenos universos onde toda problematização é possível. E o fruto desta problematização é a conclusão de que todas as questões do universo encontra-se reproduzidas em nossas vidas, tanto aquelas que julgamos ter chegado a conclusões quanto aquelas insolúveis. Talvez estas últimas constituam uma multidão. Que medo...

Daí, portanto, o nome deste blog, "Aporias Plurais", porque as dúvidas são muitas e multifacetadas, e tratá-las-emos de maneira não muito cartesiana, mas sem esquecer dos ensinamentos dos clássicos. A linguagem utilizada será coloquial, não trataremos de teses acadêmicas; apenas teremos o cuidado de não cair gratuitamente no senso comum.

É isso. Sintam-se à vontade para colocar suas aporias pessoais, discordar ou concordar com as minhas, gostar, desgostar, comentar. 


Nem só dia-a-dia, nem só Filosofia